BLOG DO ROVAI

A China que eu vi, vivi e senti constrói um novo mundo mais socialista

Daqui a 30 anos o mundo, que muitos enxergamos como a caminho do caos, pode ter um viés mais socialista. Um mundo mais justo. Os chineses e seus dirigentes atuais parecem acreditar muito nisso. E estão buscando construir este futuro.

Cidade Proibida, em Pequim.Créditos: Renato Rovai
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A China está construindo o novo mundo que muitas vezes almejamos numa velocidade impressionante. Essa é a minha principal conclusão depois de visitar o país por 12 dias a convite do Partido Comunista Chinêes (PCCh) pela ocasião da celebração dos 50 anos da relação Brasil e China.

O socialismo com características chinesas era algo que todos que estávamos nesta trip confuciana (21 comunicadores, veja a lista no pé da matéria) queríamos entender. Foi a pergunta mais feita aos interlocutores do governo que nos atenderam nos primeiros dias.

E não é algo fácil de entender nem de explicar. Talvez seja mais fácil de sentir. E foi o que ocorreu, pelo que percebi, com a maior parte da delegação que viveu essa experiência de correr o país de avião e ônibus alugado, passando por mais de meia dúzia de diferentes hotéis e se reunindo com mais de uma dezena de autoridades e representantes locais.

Delegação de jornalistas viajou de ônibus por várias cidades



A China mistura hoje o que ela considera bom do capitalismo, ou seja, a sede pelo desenvolvimento de alto impacto e a permissão de classes sociais diferentes, com economia planificada e centralismo democrático. 

O país tem 406 bilionários, perdendo apenas para os Estados Unidos com 813, segundo levantamento da Revista Forbes divulgado em abril deste ano. O empresário Zhong Shanshan, fundador da Nongfu Spring, é o homem mais rico da China, com uma fortuna avaliada em US$ 62,3 bilhões.

Vista noturna de Beijing


E o trabalhador chinês padrão recebe em torno de 4 mil yuans, que em reais é pouco mais de R$ 3 mil. Uma diferença brutal. Mas que é entendida como parte desse socialismo com características chinesas, onde nem todos são iguais e a “meritocracia” é parte importante dessa formulação de um novo modelo diferente de outras experiências socialistas, como a soviética e mesmo a cubana.

Mas dá pra chamar de socialista uma sociedade que tem um bilionário com US$ 62,3 bilhões e onde a maior parte dos trabalhadores ganha em torno de R$ 3 mil? Os chineses garantem que sim, porque, segundo as lideranças do partido, essa produção de riquezas foi o que garantiu o desenvolvimento do país e tirou 800 milhões de pessoas da pobreza em quatro décadas. Essa conquista representou quase 75% da redução da pobreza global no mesmo período. 

Em 1978, a China tinha cerca de 800 milhões de pessoas em extrema pobreza. Em 2020, conseguiu erradicar toda a pobreza extrema. A pobreza na China é definida como a situação de pessoas que vivem em áreas rurais e ganham menos de US$ 2,30 por dia, corrigido pela inflação.

As motos elétricas aos poucos substituem as bicicletas na China


E dá pra dizer que a China é uma democracia mesmo não tendo eleição direta para presidente? Os chineses também respondem que sim e falam em ampla democracia consultiva, elencando uma série de processos de decisões e escolhas que são realizadas desde os pequenos vilarejos até a direção nacional (Politburo). Um processo de baixo para cima em que os representantes são votados e escolhidos a partir da qualidade do trabalho que realizam. Um sistema de escolha que impede, por exemplo, que na China surja um Donald Trump, um bilionário que de repente decide ser presidente, meio que compra um partido e acaba se elegendo. Aliás, o exemplo de Xi Jinping é sempre utilizado pelos chineses para explicar como se dá a construção de um líder no país.

Quem é Xi Jinping, o atual presidente chinês?

Xi Jinping nasceu em 15 de junho de 1953, em Fuping, província de Xianxim. É filho de Xi Zhongxun, que foi companheiro de armas de Mao e, posteriormente, vice primeiro-ministro. Mas, durante a Revolução Cultural (1966-1976), seu pai caiu em desgraça e, em 1969, ele foi enviado para Yanchuan, em Xianxim, onde trabalhou por seis anos numa comunidade agrícola.
 
Xi se filiou ao PCCh em 1974. Ele teria tentado algumas vezes a filiação sem sucesso. Em 1975, entrou na Universidade Tsinghua, em Pequim, onde se formou em engenharia química em 1979.

Comércio de rua em Beijing


Com o fim da Revolução Cultural, seu pai foi reabilitado e, de 1979 a 1982, o jovem Xi trabalhou como secretário pessoal de Geng Biao, então ministro da Defesa. Depois se tornou secretário na localidade de Zhengding, um condado no sudoeste da província de Hebei, norte da China, localizado a aproximadamente 260 km ao sul de Pequim. Zhengding tem hoje uma população de 594 mil habitantes, o que para os padrões chineses é uma pequena cidade.

Xi foi galgando degraus no PCCh e na hierarquia administrativa chinesa, tendo ocupado, entre outros, os cargos de vice-prefeito de Xiamen, na província de Fujian, secretário do partido e governador da província de Fujian, e secretário do partido e governador da província de Zhejiang.

Só em 2007 Xi foi nomeado secretário do partido em Xangai. Poucos meses depois, foi transferido para Pequim, onde assumiu um assento no Comitê Permanente do Politburo, a principal instância decisória do PCCh, posição que mantém até hoje.

Com a entrada nesse núcleo restrito, Xi se tornou então um dos possíveis sucessores de Hu Jintao. Em 2008, ele ganhou ainda mais força ao ser eleito vice-presidente da China. Foi responsável pelas preparações para os Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, e pelas comemorações dos 60 anos de fundação da República Popular da China, em 2009.

Em 2010, ele assumiu a vice-presidência da Comissão Militar Central, considerado um passo importante no caminho para quem deseja assumir a presidência do país. Em novembro de 2012, sucedeu Hu como secretário-geral do PCCh e, em março de 2013, como presidente da China.

Xi é o primeiro secretário-geral do PCCh e presidente da China nascido depois da revolução que levou o partido ao poder, em 1949.

Contei a história de Xi Jinping aqui para você ter uma ideia de como alguém chega a presidente da China. É um processo. A pessoa precisa ter uma carreira de Estado e ir galgando degraus na hierarquia partidária. Só depois dessa trajetória, em que o líder se constrói sendo votado num partido que hoje tem 96 milhões de filiados, é que ele pode ser presidente. Não se chega à presidência da China ou mesmo a cargos importantes de direção da noite para o dia. E sem conhecer profundamente as instâncias partidárias e estrutura do Estado. 

Do ponto de vista do Ocidente isso não é algo democrático. Para a China, esse talvez seja um dos segredos do seu sucesso.

China no futuro

A viagem à China foi importante para deixar claro que a potência asiática está hoje no caminho do futuro como nenhum outro país. A Europa ficou para trás, os EUA perdem terreno a cada ano que passa e outras nações ou regiões que estão se desenvolvendo, como o Oriente Médio, não têm capacidade de competir com os 1,409 bilhão (2023) de chineses espalhados nos seus 9.596.961 km².

Vista da cidade de Wuhan que tem mais de cem lagos despoluídos


Estivemos em Beijing (22 milhões), Chengdu (21,2 milhões) e Wuhan (14 milhões), todas cidades maiores do que São Paulo (11,45 milhões), que é a mais populosa das Américas, e também do que Nova York, com seus 8,4 milhões de habitantes. Essas cidades são extremamente organizadas, limpas, despoluídas (seus rios e lagos são usados para lazer pela população local, há parques em vários lugares) e silenciosas. Sim, esqueça aquela China barulhenta e com as pessoas andando de máscara por conta da poluição. Isso é passado. Os investimentos em infraestrutura pública, plantio de árvores, carros elétricos, transporte coletivo e reorganização das moradias mudou a cara das megalópoles chinesas. Hoje você anda pelas ruas como se estivesse num centro muito menor. Mesmo vendo tudo grandioso. As fotos e vídeos que fiz e postei no Instagram (veja aqui) dão essa dimensão. E dão a percepção de que podemos virar o jogo no Brasil também.

Carros elétricos de alto padrão são vistos por toda a China


A cidade de Wuhan tem uma zona de desenvolvimento tecnológico que mostra como o país está lidando com a inovação. O Wuhan New Energy Research Institute é um exemplo notável de excelência em engenharia e design e de como é possível reduzir as emissões de CO2 e servir de modelo para outras novas construções em Wuhan e em cidades de toda a China.

Esse centro foi construído com o objetivo de emitir zero carbono, enquanto os pesquisadores internos se concentram no desenvolvimento de tecnologias eólicas e solares inovadoras.

O instituto tem 68.480 metros quadrados, com 128 metros de altura e serve como incubadora de empresas de alta tecnologia que estão preparando o país para um mundo onde a sustentabilidade seja o centro. São 50 empresas atualmente funcionando no local, com cinco laboratórios em torno do prédio e mais de mil pesquisadores trabalhando.

Maquete de área de alta tecnologia construída em Hubei


O design inovador do edifício leva em consideração o poder da natureza, seu formato é de uma flor de lírio. E essa forma reduz o uso de energia e otimiza o uso de recursos naturais. O telhado da torre principal, que lembra a flor, é coberto por painéis solares. A torre, ou “caule”, sob a flor fica sob sua sombra, reduzindo a necessidade de aquecimento e resfriamento adicionais, sem consumir combustíveis fósseis e sem emitir CO2. Além disso, uma turbina eólica no centro da estrutura produz 480 mil kWh de energia para o edifício.

Próximas desse instituto, fábricas de carros elétricos estão produzindo modelos que variam de 500 km a 755 km de autonomia com uma carga. E também carros inteligentes para táxi, ônibus, carros de limpeza, além de drones para entregas de pedidos. A China já tem em algumas cidades esse serviço de drones para levar encomendas a residências e empresas, substituindo assim o deslocamento de entregadores pelas cidades. Você pode pedir uma pizza e ela chegar por drone.

Wuhan New Energy Research Institute tem forma de flor de lírio

A importância das zonas rurais

Em contrapartida, a China não está esquecendo as áreas rurais. Essa é uma preocupação central dos dirigentes com os quais conversamos nos muitos encontros que tivemos. Yan Ni, dirigente do PCCh, diz que a cobertura da internet na China atualmente é de 97% da população. Os aproximadamente 45 milhões de chineses que não têm acesso à internet estão nas zonas rurais, onde vivem 400 milhões de pessoas. Ou seja, aproximadamente 10% dos camponeses ainda não têm internet. Mas na última década foi feita uma revolução nessas áreas.

Comunidade rural da Bandeira Vermelha em Chengdu


O país tinha um programa de inclusão de comunicação que se chamava Vila a Vila, agora virou Família a Família. Ele busca garantir acesso a rádio, TV e internet. Os meios de comunicação do governo também priorizam produções para o campo. Yan Ni informa que já foram produzidos nos últimos anos 1 milhão e 430 mil horas de programas de TV sobre agricultura. Tudo é feito com o objetivo de melhorar a qualidade de vida da população rural e evitar o deslocamento para as cidades. Segundo ela, hoje há educação de alta qualidade na zona rural por internet e teleatendimento na área de saúde para especialidades. Médicos de centros especializados em Beijing, por exemplo, atendem também a população rural via internet. Yan Ni também explica que o TikTok e Kwai (que são empresas 100% privadas, diferentemente das TVs e rádios, que são 100% estatais) contribuem muito para a inclusão digital e a permanência nas zonas rurais.

“Antes os camponeses tinham custos muito altos de transporte para vender seus produtos, mas agora com o TikTok e o Kwai eles vendem produtos on line e cortam o atravessador.” E acrescenta: “Outra forma para gerar renda é que esses trabalhadores do campo criam vídeos sobre agricultura e isso rende recursos do TikTok e do Kwai”.

Como em todos os países do mundo, a tecnologia também vem com seus problemas. Em média um chinês gasta de duas horas a duas horas e meia com vídeos curtos e lá também se tem problema com pornografia e violência nas redes. Por isso, há regulamentações de conteúdo para internet no país. “Criamos um modo contra vícios na internet para jovens e ele tem funcionado desde 2021. O jovem tem que se cadastrar com seus dados para acessar a rede e ele vai ser categorizado para ambientes permitidos para sua idade. Além disso tem um tempo permitido de uso por dia que é de 40 minutos”, explica Yan Ni. O jovem também não pode usar a internet no horário de aulas e nem à noite.

Comunidade rural Bandeira Vermelha


São muitas coisas que poderiam ser ditas ainda nesta reportagem sobre a China. Que, por exemplo, o Brasil deveria conhecer melhor seu maior parceiro comercial. Mas o fato de estarmos tão distantes geograficamente dificulta a relação. Muito mais de nós para eles do que deles para nós. Os chineses no Brasil são 300 mil, sendo 200 mil só em São Paulo. Por outro lado, apenas 5 mil brasileiros moram na China atualmente, sendo 600 em Beijing. Os chineses descobriram muito mais o Brasil do que o contrário. Tá na hora de os brasileiros e em especial o campo progressista brasileiro conhecerem melhor a segunda maior potência mundial, um país que se autoproclama socialista e que está trabalhando arduamente para construir um outro tipo de mundo. 
Um mundo onde a miséria não exista e a tecnologia esteja a serviço da cidadania. Um mundo onde haja desenvolvimento sustentável e as cidades funcionem.

Estúdio na sede do Kuai


E quem dera isso prevaleça. Porque, se assim ocorrer, daqui a 30 anos o mundo, que muitos enxergamos como a caminho do caos, pode ter um viés mais socialista. Um mundo mais justo. Os chineses e seus dirigentes atuais parecem acreditar muito nisso. E estão buscando construir esse futuro.

Comunicadores que participaram da delegação

Miguel do Rosário, de O Cafezinho e TV Fórum, Haroldo Ceravolo, do Opera Mundi, Aquiles Lins e Mario Vitor, do Brasil 247, Pedro Zambarda, do Diário do Centro do Mundo, Heloísa Villela, do ICL, Kennedy Alencar, da Rede TV, Cintia Alves, da GGN, André Barrocal, da CartaCapital, Luiz Fernando, da AgFeed, Agnes Franco, da Rede Brasil Atual, e Paulo Salvador, presidente da TVT, Tainá Farfan, da TV Record, Pedro Martins, da CNN Brasil, Ricardo Amaral e Luis Marcelo, do PT, Bartolomeu Silva, da TV Record. Dois youtubers brasileiros, residentes na China e com programas voltados para difusão de notícias sobre o gigante asiático, integravam a nossa comitiva: Felipe Durante (do canal de mesmo nome no YouTube) e Lucas Brand (do Pula Muralha). Além deles, havia ainda dois observadores independentes, Luis Marcelo e João Batista Tavares. Vitor Simões e Augusto Wang foram nossos anfitriões chineses e tradutores.

Cartas nas Nuvens – Minha História com a China

O ano de 2024 marca o 75º aniversário da fundação da República Popular da China. Com a ampla disseminação e aceitação do conceito de construção de uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade e das iniciativas como a 'Belt and Road', a Iniciativa de Desenvolvimento Global, a Iniciativa de Segurança Global e a Iniciativa de Civilização Global. A China em desenvolvimento de alta qualidade traz oportunidades para o mundo e constrói pontes de amizade com os povos de diversos países. Aproveitando essa oportunidade, a CMG lançou o projeto 'Cartas nas Nuvens – Minha História com a China'. Eu, pessoalmente, também aproveito essa oportunidade para contar minha própria história com a China.