SOBERANIA AUDIOVISUAL

Entenda por que regular 'big techs' do streaming é fundamental para o cinema brasileiro

Há 3 projetos no Congresso que visam regulamentação das plataformas; produções audiovisuais independentes competem de forma injusta com conteúdos estrangeiros no próprio país

Créditos: rawpixel / Freepik
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A forma de ver filmes mudou. O que antes exigia uma ida à locadora ou ao cinema, hoje está ao alcance de um clique no celular ou da própria televisão. O streaming moldou os novos hábitos de consumo audiovisual e no Brasil, a popularização segue ocorrendo: quase 8 em cada 10 lares urbanos já assinam pelo menos uma plataforma audiovisual de big tech estrangeira, tornando hoje o país o segundo maior consumidor mundial de vídeo sob demanda (VoD), de acordo com dados da Finder.

Porém, enquanto dominam o mercado e lucram bilhões, gigantes do audiovisual na internet, como Netflix, Amazon, Max e Disney+ seguem isentas de obrigações fiscais mais robustas no país. Segundo a Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro (API) e a Associação Paulista de Cineastas (APACI), existem alguns pontos inegociáveis para a regulamentação. A alíquota de 12% sobre as big techs é o mínimo.

Apenas 10,9% dos catálogos das plataformas de streaming no Brasil são compostos por produções nacionais, segundo a Agência Nacional de Cinema (Ancine). Obras independentes enfrentam barreiras para competir com conteúdos estrangeiros, que dominam o mercado. Enquanto emissoras e salas de cinema contribuem com a Condecine, as plataformas digitais permanecem isentas, o que representa uma perda anual de R$ 3,7 bilhões para o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).

Confira ponto a ponto:

O que está em discussão nesse momento

A regulamentação das plataformas digitais começou a ser discutida a partir da Lei 12.485/2011, conhecida como Lei do SeAC. Ela obrigou os canais de TV por assinatura a contribuírem com o FSA, mas deixou os serviços de streaming de fora.

Desde então, três propostas legislativas tentam preencher essa lacuna:

  • PL 8.889/2017, de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP) e relatoria de André Figueiredo (PDT-CE), sugere estender a Condecine às plataformas digitais, com alíquota de até 6%, podendo ser reduzida pela metade caso metade do catálogo seja composto por produções brasileiras.
  • PL 1.994/2023, do senador Humberto Costa (PT-PE), determina que 30% dos catálogos das plataformas sejam compostos por conteúdo nacional. A proposta também amplia a fiscalização para além da Ancine, envolvendo o Poder Executivo.
  • PL 2.331/2022, apresentado pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS), estabelece taxas de 3% para empresas com receita acima de R$ 96 milhões e 1,5% para as demais. Serviços com faturamento inferior a R$ 4,8 milhões estariam isentos. O texto já foi aprovado no Senado e está na Câmara.

Durante o avanço das discussões sobre regulação no Congresso, a Netflix anunciou, em abril deste ano, um investimento de R$ 5 milhões na Cinemateca Brasileira, utilizando recursos da Lei Rouanet. O valor será destinado à modernização da Sala Oscarito, um dos espaços históricos de preservação do cinema nacional em São Paulo.

“A Netflix sempre apoiou e seguirá apoiando o cinema nacional, investindo em tecnologia, infraestrutura e, principalmente, em histórias que refletem a diversidade e o talento do nosso país”, afirmou Elisabetta Zenatti, vice-presidente de Conteúdo da Netflix Brasil. A questão gerou controvérsia entre profissionais do setor audiovisual, sendo interpretada como uma estratégia para reforçar a imagem da empresa.

“Enquanto discutimos e disputamos modelos de regulação das plataformas de vídeo sob demanda no Brasil, as empresas estrangeiras, resistentes à regulação no país, fazem lobby e constroem um discurso de ‘bem-intencionadas’. Enquanto a política pública resiste em investir na preservação audiovisual, abrindo espaço dentro do Fundo Setorial do Audiovisual, por exemplo, uma empresa estrangeira vai lá, ‘ocupa’ o lugar do poder público e passa por ‘salvadora'”, disse a professora e pesquisadora Lia Bahia no portal Cine Ninja.

O destaque alcançado pelo filme Ainda Estou Aqui, vencedor do Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2025 mostrou tanto a força econômica quanto o valor cultural do cinema brasileiro. A repercussão da obra impulsionou pequenos comércios — que exibiram a cerimônia da premiação — e levou público às salas de cinema em sessões especiais, como mostrado em várias reportagens na Fórum. Isto é, a cultura tem grande potencial de movimentar a economia.

De acordo com dados inéditos da Ancine, "Ainda Estou Aqui" alcançou um público de mais de 5 milhões de espectadores e arrecadou R$ 104,7 milhões em renda, se consolidando como a terceira maior bilheteria nacional desde 2018, atrás apenas de “Minha Mãe é uma Peça 3” (2018) e “Nada a Perder” (2019).

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