Nesta quarta-feira (30), o Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar o voto do Marco Temporal, também conhecido como Recurso Extraordinário (RE) 1017365.
O projeto pode definir para sempre qual é o futuro dos povos indígenas no Brasil, abrindo precedente para a revisão de todas as terras indígenas brasileiras. Por isso, ele é considerado, por muitos, o voto mais importante que o STF pode dar em anos.
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A tese é defendida pelos pecuaristas e membros da bancada ruralista brasileira, enquanto povos indígenas e setores populares defendem a manutenção e das demarcações das TI da forma como são realizadas atualmente.
O que é o Marco Temporal?
O Maro Temporal busca estabelecer um critério temporal para a demarcação de terras indígenas, restringindo os direitos constitucionais dos povos indígenas. Segundo essa tese, só podem ter terras demarcadas os povos que comprovarem que, no momento da aprovação da Constituição de 1988, viviam no local.
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Pouquíssimas etnias poderão comprovar que viviam no local na data especificada. Na prática, isso ia retirar os indígenas de suas terras e invalidar as áreas demarcadas.
A tese do Marco Temporal acompanha diversas propostas e projetos em tramitação. Contudo, se o Supremo Tribunal Federal rejeitar a proposta, ela perde fôlego.
No caso julgado pelo Supremo Tribunal Federal, os alvos são os povos que moram na Terra Indígena (TI) Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos Xokleng, Kaingang e Guarani.
É importante ressaltar que a Constituição brasileira reconhece o direito originário dos indígenas sobre terras tradicionalmente ocupadas, sem mencionar nenhum critério de tempo para demarcações.
Como vai votar o STF no Marco Temporal?
O ministro relator do caso foi Edson Fachin, que é contra o Marco Temporal. Segundo o ministro, “num contexto de Estado Democrático de Direito, ganham os índios novas garantias e condições de efetividade para o exercício de seus direitos territoriais, mas que não tiveram início apenas em 5 de outubro de 1988”.
Nunes Marques, indicado por Bolsonaro, já votou contra o relator. Alexandre de Moraes votou com o relator. O placar está 2 a 1 contra o Marco Temporal.
O voto de Moraes causou polêmica, contudo. Apesar de ser contra a tese do marco temporal, Alexandre sugeriu a indenização de proprietários de terra que tenham propriedades com ocupação indígena.
"Conclui-se que a proposta do ministro Alexandre de Moraes prejudica a proteção do direito constitucional indígena. Além do mais, coloca sobre os povos indígenas o peso de suportar os erros históricos cometidos pelo próprio Estado brasileiro, na medida em que a garantia dos direitos fundamentais sob suas terras de ocupação tradicional passará a depender da existência de recursos financeiros por parte do Estado brasileiro", declarou a Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Estima-se que André Mendonça e Cristiano Zanin também votem contra o Marco Temporal e, ao menos, Luis Roberto Barroso vote em favor do voto de Edson Fachin, criando um cenário de empate por 3 a 3.
Um voto que pode servir de referência para analisar a posição dos ministros da corte sobre o marco temporal é o de uma ação proposta pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) que se referia a violência policial contra indígenas no Mato Grosso do Sul.
Com o placar de 7 votos a favor e 4 contra. Votaram contra os indígenas Gilmar Mendes, André Mendonça, Kassio Nunes Marques e Cristiano Zanin. Votaram a favor a ministra Rosa Weber, além de Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Roberto Barroso, Luiz Fux e Dias Toffoli.
A Apib tenta pressionar o Supremo Tribunal Federal a partir da comunidade internacional e busca contato com representantes da ONU.
"Solicitamos uma manifestação das Nações Unidas, para que qualquer tentativa de conciliação que restrinja o direito dos povos indígenas à terra seja considerada uma violação aos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário", afirmou Maurício Terena, coordenador jurídico do órgão, à reportagem da Agência Brasil.
Lei do Marco Temporal
O projeto de lei do Marco Temporal é uma proposta legislativa que busca estabelecer critérios para a demarcação de terras indígenas no Brasil. A tese jurídica do Marco Temporal defende que os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal.
O PL do Marco Temporal foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 30 de maio de 2023, por 283 votos a favor e 155 contra, com uma abstenção. A tese é defendida, por exemplo, por Arthur Lira, presidente da Câmara e amigo de setores ruralistas do Congresso Nacional.
Atualmente, o PL está sendo analisado pelo Senado Federal, que pode arquivar o projeto a partir da decisão do Supremo. Caso o STF aprove a tese da temporalidade, então o Marco Temporal deve se tornar lei rapidamente no Brasil, acelerando o processo de destruição das terras dos povos indígenas brasileiros.
Como os indígenas avaliam o Marco Temporal?
Na visão da maior parte dos povos indígenas do Brasil, o marco temporal é uma tese catastrófica, que pode gerar perdas inestimáveis para os povos indígenas e para o meio ambiente brasileiro. É fato quase consensual que as TIS são as melhores formas de preservação sustentável das florestas.
Isso porque a terra para a maioria dos indígenas não é só um meio de extração de subsistência, mas parte da própria existência ancestral que lhes faz humanos.
"Entendemos o território como uma extensão dos nossos corpos, não havendo diferença entre os seres humanos e as árvore, os animais e os rios. Sentimos na pele quando queimam e desmatam, matando as árvores e os seus moradores, seres vivos e encantados", afirma a Apib.
"Quando dragas de garimpo ou hidrelétricas bloqueiam os rios sagrados, é como se entupissem nossas veias e artérias. Grileiros, fazendeiros e pistoleiros invadem nossos territórios, nos ameaçam e nos matam com o intuito de usufruir dos nossos recursos", diz o texto.
"O marco temporal representa tudo isso. É uma tese perversa, que legitima a violência contra os nossos corpos-territórios. Há sangue indígena nas mãos e na ponta das canetas dos ministros", completa a organização.