Paulo Gonet e sua equipe na Procuradoria-Geral da República (PGR) utilizarão o recesso do Judiciário, entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, para organizar e analisar as investigações criminais da instância. A PGR deve voltar do período com decisões sobre denúncias sensíveis ao ex-presidente, Jair Bolsonaro (PL).
O recém empossado procurador-geral aproveitará o recesso para avaliar as ações nas quais deverá apresentar denúncias. Gonet deve dar continuidade aos casos repassados por Elizeta Ramos, substituta interina na função desde 27 de setembro.
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Equipe da PGR
Na segunda-feira (18), Gonet assinou uma série de portarias de nomeação de parte da composição de sua equipe na PGR. Os nomes foram anunciados em reunião com os procuradores chefes de unidades do Ministério Público Federal (MPF).
O subprocurador-geral da República, Hindenburgo Chautebriand, foi nomeado como vice-procurador-geral da República, enquanto o vice-procurador-geral eleitoral – cargo antes exercido por Gonet – será Alexandre Espinosa. A chefia do gabinete foi ocupada pelo procurador regional da República, Carlos Mazzoco.
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A procuradora-regional da República, Raquel Branquinho, foi designada para a diretoria-geral da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU). Os também procuradores-regionais Anamara Osório e Sílvio Amorim serão os novos secretários de Cooperação Internacional e de Relações Institucionais, respectivamente.
Os demais cargos foram mantidos, como a Secretaria-Geral da União, que tem Eliana Torelly na função, com o suporte do procurador e secretário adjunto Paulo Santiago.
Os processos investigativos
8 de janeiro
Cabe à PGR as investigações à respeito dos atos golpistas do 8 de janeiro, os inquéritos da Operação Lava Jato e ações associadas à pandemia de Covid-19. Processos que envolvem Jair Bolsonaro, como os de incitação ao crime no 8 de janeiro serão responsabilidades do Ministério Público Federal.
Gonet deve definir como serão utilizados dois arquivos nas investigações do 8 de janeiro: a delação premiada do tenente-coronel e ex-ajudante de ordens Mauro Cid e o relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) instalada pelo Congresso Nacional.
O documento final da CPMI dos Atos Golpistas pede o indiciamento de 61 pessoas, inclusive Bolsonaro e seus aliados:
- Jair Messias Bolsonaro: ex-presidente;
- Walter Souza Braga Netto: general do Exército, ex-ministro da Defesa e candidato à vice-presidência na chapa de Bolsonaro
- Augusto Heleno: general do Exército, ex-ministro de Estado Chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência;
- Luiz Eduardo Ramos: general do Exército e ex-ministro-chefe da Secretária-Geral da Presidência;
- Paulo Sérgio Nogueira: general do Exército e ex-ministro da Defesa;
- Mauro Cid: general do Exército, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro;
- Anderson Torres: ex-ministro da Justiça e Segurança Pública e ex-Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal (DF);
- Silvinei Vasques: ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF);
- Tércio Arnaud Tomaz: ex-assessor especial do ex-presidente Bolsonaro e membro do "Gabinete do Ódio";
- Carla Zambelli: deputada federal PL-SP);
- Ibaneis Rocha: governador do Distrito Federal; e
- Renato Lima França: assessor jurídico da Presidência da República e procurador federal.
O responsável pelo inquérito dos atos golpistas na PGR, o subprocurador-geral Carlos Frederico dos Santos, ainda avalia se as "narrativas" delatadas por Cid podem ser confirmadas ou não. No acordo com a Polícia Federal, Cid se comprometeu a colaborar com as investigações sobre crimes cometidos durante o governo Bolsonaro.
Em suas delações, Cid revelou uma gama de informações sobre os crimes cometidos durante o governo Bolsonaro. Entre as ilegalidades, foram mencionados: a participação golpista de Bolsonaro nos atos antidemocráticos; a disseminação de fake news por Bolsonaro e seus aliados; e a pressão do ex-presidente sobre as instituições, a exemplo do Supremo Tribunal Federal (STF).
Bolsonaro pode ser denunciado pela PGR por incitação ao crime a partir de seu envolvimento do nas tentativas golpistas contra a democracia mais brandas, como o incentivo à invasão do Congresso Nacional em 7 de setembro de 2021; e em circunstâncias violentas, como o ataque às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
"Os fatos aqui relatados demonstram, exaustivamente, que Jair Messias Bolsonaro, então ocupante do cargo de presidente da República, foi autor, seja intelectual, seja moral, dos ataques perpetrados contra as instituições, que culminou no dia 8 de janeiro de 2023."
Para o Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos, do MPF, publicações com conteúdos e discursos bolsonaristas teriam motivado manifestantes golpistas a questionarem o resultado do processo eleitoral e invadirem as sedes dos Três Poderes.
Auxiliares e familiares de Bolsonaro também estariam ligados às milícias digitais, marcadas pela desinformação e disparo de fake news. Segundo o artigo 286 do Código Penal Brasileiro, a pena para a incitação de crime é de reclusão de um a três anos, com multa.
O ex-presidente também pode ser preso por abuso de poder. Ele é investigado por pressionar o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, para a nomeação de um agente da Polícia Federal para a chefia da Superintendência da PF no Rio de Janeiro.
Pandemia da Covid-19
Como procurador-geral, Gonet poderá rever posicionamentos do órgão em relação à CPI da Covid, instalada em 2021 para investigar as omissões do governo federal e a falta de oxigênio em Manaus durante a pandemia do coronavírus.
A gestão de Augusto Aras, procurador-geral da República antecessor de Elizeta, solicitou o arquivamento de nove das dez investigações preliminares. Segundo pedido efetuado pela ex-vice-procuradora-geral Lindôra Araújo, as ações judiciais eram ausentes de "mínimos elementos de convicção capazes de suportar a instauração de inquérito ou a deflagração de ação penal no caso concreto".
"Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer a juntada do Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito que acompanha a presente manifestação e pugna pelo arquivamento destes autos [...]."
O relatório final da CPI da Covid aponta apuração por incitação ao crime realizada pela família Bolsonaro, o ex-ministro e ex-deputado federal Onyx Lorenzoni (Cidadania-RS), o ex-líder do governo na Câmara Ricardo Barros (PP-PR) e os parlamentares Bia Kicis (PL-DF), Carla Zambelli (PL-SP), Carlos Jordy (PL-RJ) e Osmar Terra (MDB-RS).
De acordo com a CPI, entre as condutas passíveis de incitação estavam o desincentivo ao isolamento social e ao uso de máscaras de proteção e o compartilhamento de conteúdos na redes sociais com desinformação sobre a pandemia, a defesa do tratamento precoce contra o vírus, a eficácia da vacina e a defesa da imunidade de rebanho pela contaminação.
Ainda assim, conforme a gestão de Aras, Bolsonaro não poderia ser incriminado: "Assim, a partir dos elementos de informação colacionados aos autos, depreende-se que todos os fatos foram exaustivamente analisados e deles não se pode concluir pela prática de ato ilícito pelo Presidente da República Jair Messias Bolsonaro e demais indiciados no âmbito criminal".
"Em nenhum momento, entretanto, de acordo com a análise realizada pela Polícia Federal, verificou-se que os indiciados incitaram a população a não usar a máscara de proteção individual e a realizar aglomerações. Houve, em verdade, publicações em que os indiciados manifestaram suas opiniões e ideias sobre as medidas de combate à pandemia, compartilharam reportagens e estudos científicos e questionaram as medidas impostas pelas autoridades sanitárias."
"Não houve, assim, o incentivo direto às pessoas para que desrespeitassem as medidas determinadas pelas normas sanitárias, o que afasta a consumação do delito de incitação ao crime", escreveu Lindôra.
Escândalo das joias
Jair Bolsonaro é alvo de investigação da Polícia Federal sobre o recebimento de joias e presentes de autoridades estrangeiras, no que ficou conhecido como o caso das joias. A partir de relatório da PF, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, aponta que Bolsonaro pode estar envolvido com crimes como peculato e lavagem de dinheiro.
Em fase de investigações, o processo não abriu denúncia formal ao ex-presidente no que diz respeito à sua conduta após o recebimento das joias entregues em viagem oficial como representante do Estado brasileiro, porém a Procuradoria-Geral da República deve avaliar a possibilidade. A operação da PF aponta suspeita de uso da estrutura do governo federal para desvio de presentes de alto valor.
Segundo declaração da defesa de Bolsonaro, ele "jamais apropriou-se ou desviou quaisquer bens públicos". No rol dos presentes entregues, estavam relógios, joias, abotoaduras, entre outros – o segundo conjunto recebido por Bolsonaro teve recibo oficial de entrega à composição do acervo pessoal do ex-presidente.
No escândalo das joias, Jair Bolsonaro pode ser denunciado ao Ministério Público Federal por diferentes motivos suspeitos, ainda em investigação pela Polícia Federal. Os presentes, como o relógio Rolex, vieram um estojo de joias entregue pelas autoridades da Arábia Saudita na viagem oficial de outubro de 2019.
O crime de peculato é configurado como a apropriação de dinheiro, valor ou bem público por parte de um funcionário público, que teria a posse destes itens devido ao cargo. Bolsonaro teria enriquecido com a venda dos presentes, que ao invés de serem considerados bens públicos, foram registrados como acervo privado do então presidente.
Em 2016, o Tribunal de Contas da União (TCU) estabeleceu que "itens de natureza personalíssima ou de consumo direto" não precisariam ser incorporados ao acervo patrimonial da Presidência da República. No seu voto em plenário, o ministro Walton Alencar proferiu a seguinte fala:
"Imagine-se, a propósito, a situação de um chefe de governo presentear o Presidente da República do Brasil com uma grande esmeralda de valor inestimável, ou um quadro valioso. Não é razoável pretender que, a partir do título da cerimônia, os presentes, valiosos ou não, possam incorporar-se ao patrimônio privado do Presidente da República, uma vez que ele os recebe nesta pública qualidade."
O presidente também teria ocultado a natureza, localização, disposição, movimentação e propriedade dos presentes, duficiente para configurar crime de lavagem de dinheiro.
Em março de 2023, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou a restituição dos bens recebidos pela comitiva do ex-presidente em outubro de 2019, na Arábia Saudita. De acordo com o documento expedido, a representação se deu pelo recebimento de presentes de elevado valor, que extrapolam o "propósito meramente simbólico do ato protocolar".
O pedido determina à Secretaria-Geral da Presidência da República que requisitasse da Receita Federal o conjunto de joias retido pela autoridade alfandegária, "para fins de incorporação ao patrimônio público, tendo em vista a inquestionável natureza de bem público de elevado valor, insusceptível de incorporação em acervo privado".
Diante da ofensiva da Polícia Federal sobre o escândalo das joias, os aliados de Bolsonaro voltaram seus esforços para recomprar e repatriar os itens, com o objetivo de evitar mais dificuldades com a PF. Segundo a polícia, o valor de compra foi maior do que o de venda: o Rolex foi vendido por 68 mil dólares (R$ 334 mil) e, então, recomprado.
A PF viu "indícios de que alguns presentes recebidos por Jair Messias Bolsonaro em razão do cargo teriam sido desviados sem sequer terem sido submetidos à avaliação do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência da República", órgão responsável pela documentação do acervo do cargo.
Em 4 de dezembro, a área técnica do TCU sugeriu que o ex-presidente devolvesse todos os presentes recebidos durante o mandato e que estavam registrados no acervo presidencial em até 15 dias. A PGR deve analisar se existe a possibilidade de ação judicial por descaminho, crime de desvio de mercadorias para evitar tributação.