A ruína e a glória

Maria Callas e John Galliano: duas vidas, duas formas de fazer biografia

Duas figuras marcantes da ópera e da moda têm suas trajetórias contadas em filmes recém-lançados no streaming

Escrito em Opinião el
Jornalista (USJ), mestre em Comunicação e Semiótica (PUC-SP) e doutor em Ciências Socais (PUC-SP). Professor convidado do Cogeae/PUC e pesquisador do Núcleo Inanna de Pesquisas sobre Sexualidades, Feminismos, Gêneros e Diferenças (NIP-PUC-SP). É autor do livro “A construção da heternormatividade em personagens gays na televenovela” (Novas Edições Acadêmicas) e um dos autores de “O rosa, o azul e as mil cores do arco-íris: Gêneros, corpos e sexualidades na formação docente” (AnnaBlume).
Maria Callas e John Galliano: duas vidas, duas formas de fazer biografia
Maria Callas e John Galliano: duas vidas, duas formas de fazer biografia. Divulgação

Protagonizado por Angelina Jolie, o filme “Maria Callas” (2025) — que está disponível na Prime Video — é o tipo de obra em que os primeiros dez minutos já nos mostram que a experiência não vai ser boa.

Dirigido por Pablo Larraín e escrito por Steven Knight, Maria Callas começa com um videoclipe de vários momentos históricos da soprano, completamente solto, como se estivéssemos vendo um trailer em vez de um filme. E tudo piora com o desenrolar da trama.

Com duas horas de duração, “Maria Callas” se concentra nos últimos dias da soprano, quando acompanhamos a artista completamente drogada e alucinando. E o filme se resume a isso: transformar aquela que é considerada a maior soprano da história em uma mulher "louca, drogada e solitária".

Não tenho nada contra filmes biográficos que retratam sem filtro o biografado — pelo contrário, sou entusiasta —, mas isso não pode ser o todo. Em Callas, não somos informados sobre como ela chegou àquela situação. Tudo é mal construído e se resume a algo que beira o sadismo: transformar a maior soprano da história em uma simples adicta.

Para efeito de comparação: a cinebiografia de Édith Piaf (Piaf, 2007) não alivia ao mostrar o vício da cantora francesa em morfina e álcool, mas isso é uma parte da história — e não o todo. Em Piaf, somos apresentados a todos os meandros de sua vida e, principalmente, à sua genialidade e seus paradoxos.

John Galliano: ascensão e queda

Se, por um lado, o filme “Maria Callas” é o típico exemplo de como não se fazer uma obra biográfica, o mesmo não se pode dizer do documentário “Ascensão e Queda – John Galliano” (2024), dirigido por Kevin Macdonald — vencedor do Oscar de Melhor Documentário em 2000 por “Munique, 1972: Um Dia em Setembro”, que está em cartaz na Mubi.

A primeira cena do documentário sobre John Galliano mostra as gravações em que ele aparece disparando ofensas antissemitas contra algumas pessoas em um bar de Paris. A partir daí, o filme regressa no tempo e nos apresenta quem é aquele homem.

Sem tomar partido, o documentário “Ascensão e Queda” mostra a revolução que John Galliano promoveu nas passarelas da moda entre os anos 1980, 1990 e 2000. Ao mesmo tempo, o longa mergulha nos vícios de Galliano e aponta para a indústria como corresponsável, já que, como o próprio estilista revela no filme, ele chegou a produzir mais de 20 coleções em um único ano.

O documentário poderia ter reduzido John Galliano a uma pessoa adicta e racista, mas preferiu construir um arco histórico e mostrar a glória e a ruína de um dos maiores estilistas da moda contemporânea.

John Galliano é racista? O estilista, que é o principal entrevistado, não consegue responder — e é pressionado pelo entrevistador, que repete a mesma pergunta a Anna Wintour, Kate Moss e Naomi Campbell. 

O diretor Kevin Macdonald consegue revelar, de maneira magistral, o melhor e o pior de John Galliano e deixar a conclusão no colo do espectador. Já o filme sobre Maria Callas não: a soprano é reduzida aos seus vícios e alucinações, e toda a sua obra é enterrada mais uma vez.

Dessa maneira, temos duas vidas e duas formas de montar uma biografia: uma mergulha no brilho e na escuridão; a outra, busca matar novamente aquela que é considerada a maior soprano da história. Dito isso, não é muito difícil entender como se faz — e como não se faz — uma biografia.

 

 

 

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