Maria Callas e John Galliano: duas vidas, duas formas de fazer biografia
Duas figuras marcantes da ópera e da moda têm suas trajetórias contadas em filmes recém-lançados no streaming
Protagonizado por Angelina Jolie, o filme “Maria Callas” (2025) — que está disponível na Prime Video — é o tipo de obra em que os primeiros dez minutos já nos mostram que a experiência não vai ser boa.
Dirigido por Pablo Larraín e escrito por Steven Knight, Maria Callas começa com um videoclipe de vários momentos históricos da soprano, completamente solto, como se estivéssemos vendo um trailer em vez de um filme. E tudo piora com o desenrolar da trama.
Com duas horas de duração, “Maria Callas” se concentra nos últimos dias da soprano, quando acompanhamos a artista completamente drogada e alucinando. E o filme se resume a isso: transformar aquela que é considerada a maior soprano da história em uma mulher "louca, drogada e solitária".
Não tenho nada contra filmes biográficos que retratam sem filtro o biografado — pelo contrário, sou entusiasta —, mas isso não pode ser o todo. Em Callas, não somos informados sobre como ela chegou àquela situação. Tudo é mal construído e se resume a algo que beira o sadismo: transformar a maior soprano da história em uma simples adicta.
Para efeito de comparação: a cinebiografia de Édith Piaf (Piaf, 2007) não alivia ao mostrar o vício da cantora francesa em morfina e álcool, mas isso é uma parte da história — e não o todo. Em Piaf, somos apresentados a todos os meandros de sua vida e, principalmente, à sua genialidade e seus paradoxos.
John Galliano: ascensão e queda
Se, por um lado, o filme “Maria Callas” é o típico exemplo de como não se fazer uma obra biográfica, o mesmo não se pode dizer do documentário “Ascensão e Queda – John Galliano” (2024), dirigido por Kevin Macdonald — vencedor do Oscar de Melhor Documentário em 2000 por “Munique, 1972: Um Dia em Setembro”, que está em cartaz na Mubi.
A primeira cena do documentário sobre John Galliano mostra as gravações em que ele aparece disparando ofensas antissemitas contra algumas pessoas em um bar de Paris. A partir daí, o filme regressa no tempo e nos apresenta quem é aquele homem.
Sem tomar partido, o documentário “Ascensão e Queda” mostra a revolução que John Galliano promoveu nas passarelas da moda entre os anos 1980, 1990 e 2000. Ao mesmo tempo, o longa mergulha nos vícios de Galliano e aponta para a indústria como corresponsável, já que, como o próprio estilista revela no filme, ele chegou a produzir mais de 20 coleções em um único ano.
O documentário poderia ter reduzido John Galliano a uma pessoa adicta e racista, mas preferiu construir um arco histórico e mostrar a glória e a ruína de um dos maiores estilistas da moda contemporânea.
John Galliano é racista? O estilista, que é o principal entrevistado, não consegue responder — e é pressionado pelo entrevistador, que repete a mesma pergunta a Anna Wintour, Kate Moss e Naomi Campbell.
O diretor Kevin Macdonald consegue revelar, de maneira magistral, o melhor e o pior de John Galliano e deixar a conclusão no colo do espectador. Já o filme sobre Maria Callas não: a soprano é reduzida aos seus vícios e alucinações, e toda a sua obra é enterrada mais uma vez.
Dessa maneira, temos duas vidas e duas formas de montar uma biografia: uma mergulha no brilho e na escuridão; a outra, busca matar novamente aquela que é considerada a maior soprano da história. Dito isso, não é muito difícil entender como se faz — e como não se faz — uma biografia.