Crônica

Em Moscou – Por Esther Rapoport

Cheguei na Rússia soviética. Mais do que o período medieval ou imperial (sem falar da Praça Vermelha), o que mais se destacava ali era a digital de Stalin e a face de Lenin

Escrito em Opinião el
Esther Rapoport é graduada em História pela Universidade de São Paulo, mas se dedicou nos últimos 40 anos à indústria do Turismo, tendo trabalhado em diversas empresas do setor além de oferecer palestras e cursos para profissionais do turismo e viajantes curiosos, interessados em ampliar seu repertorio sobre a História dos mais variados destinos do planeta. Mora atualmente na Alemanha.
Em Moscou – Por Esther Rapoport
Moscou. Wikimedia Commons

Moscou.

Cheguei na Rússia soviética. Mais do que o período medieval ou imperial (sem falar da Praça Vermelha), o que mais se destacava ali era a digital de Stalin e a face de Lenin (não tinha mais quase nenhuma face de Stalin e não pude conferir a digital de Lenin porque o Mausoléu estava fechado até o dia 22 de abril, data do seu aniversário e período de renovar a maquiagem). 

Mas Lenin era o grande ícone e seu rosto aparece em estátuas, alto relevos, baixo relevos, mosaicos, pinturas, enfim, de todas as formas e tamanhos. Stalin foi quase apagado e o vi em poucos lugares. Trotsky nunca existiu e encontrei, em toda a viagem, apenas um Marx, em uma estátua que fica próxima ao teatro Bolshoi. 

Mas se é para falar de propaganda, conto do último passeio que fiz, pelas estações de Metrô de Moscou. 

Aqui também tive que descer os 60 metros em escadas longuíssimas para chegar a verdadeiros palácios subterrâneos. Cada uma das estações de metrô desta cidade é decorada de uma maneira diferente, com enormes lustres de cristal, paredes de mármore, esculturas em bronze, vitrais, mosaicos que nem sei como qualificar, mas a ideia do Regime fica clara: enquanto no Mundo Capitalista só os ricos podem curtir o luxo, nosso proletariado tem acesso no seu dia a dia, a beleza e ao glamour nestes espaços. 

No metrô descobri também outra coisa: o russo sabe fazer fila! Para comprar o bilhete, todo mundo ficava em linha, direitinho, só que de vez em quando vinha alguém lá de trás e subornava alguém que estava quase chegando ao caixa, para entrar na sua frente. Vi isso várias vezes e tive a oportunidade de perceber como a corrupção era mesmo um way of life russo. 

Conto mais uma: um dos sonhos da minha vida era assistir uma apresentação do Ballet Bolshoi em sua casa, em Moscou. 

Já havia pesquisado e sabia que teria uma apresentação naquela semana. Pedi para a minha operadora de turismo, aquela que viajou comigo, para comprar o ingresso, mas na bilheteria do teatro disseram que estava lotado. Ela então fez contato com uma empresa “dealer”, eufemismo de cambista, mas que aqui tem cartão de visita e escritório. 

Fomos lá, a assistente lacônica e eu, buscar o ingresso que eles nos confirmaram, por 2.500 rublos, que eu aceitei sem nem fazer a conversão para o dólar. A primeira dificuldade foi achar o prédio, dentro de um pátio, rodeado por outros átrios de outros prédios, escuros e frios. Depois fomos procurar a sala, no final de um de vários corredores escuros e frios, o que me fez imaginar como seriam os subterrâneos da cidade durante os anos soviéticos. 

Encontramos a “empresa”, mas para nossa surpresa o cara já tinha vendido meu ingresso porque demoramos para ir buscar. Minha parceira, a assistente lacônica, e naquele jeito duro dela, começou a brigar com os dois homens que estavam no escritório. Você pode imaginar três russos brigando? Eu acompanhei como se fosse uma partida de tênis, para lá e para cá, sem entender lhufas. Depois ela me explicou o que estava acontecendo e disse que eles estavam esperando outro homem, alguém do staff, que poderia conseguir outro ingresso. 

Este homem chegou, e começou outra briga com ela, outro set de tênis .... O cara saiu da sala e eu perguntei baixinho: e aí? E aí que nem ela tinha entendido bem, mas o cara tinha voltado ao teatro para comprar outro ingresso e me revender. Agora já estava querendo 3.500 rublos e ela começou o tie break. Ele voltou ao preço original e ela ficou indignada porque ouviu entre eles que o custo real deste ingresso é 1.000 rublos mas é quase impossível comprar qualquer ingresso na bilheteria do teatro porque são os próprios funcionários do teatro que fazem o câmbio paralelo. 

Ela concluiu: isso é a Rússia!!

Descobri ainda que a linha quatro do metrô de Moscou faz exatamente o mesmo percurso da linha três. Vai paralela em todo o percurso mas não se conecta nem com ela, nem com nenhuma outra linha. Por quê? 

Veio a explicação. Essa linha foi construída por Stalin, era secreta e saía do prédio onde ele trabalhava indo direto até a sua Dacha. 

Ele mandou construir uma linha de metrô privada, só para ele usar. 

Mas uma linha de metrô!!! 

Que mentalidade proletária!!!

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum

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