O tema de hoje é complexo e o texto é curto. Então, vamos direto ao ponto.
A aprovação do governo de Lula caiu bastante neste mês de março de 2025, mostraram as últimas pesquisas. Entre evangélicos, a desaprovação foi a 69%, disse o Datapoder. Claro que esse cenário pode mudar, possivelmente mudará etc. Mas por que entre os eleitores religiosos mais ativos ou mais imersos em suas crenças a queda foi 30% maior que entre a média da população (53%)? Quero apontar alguns fatos.
Primeiro fato, sabido por todos: a direita, que vem dominando a política brasileira desde 2013 (apesar da vitória de Dilma em 2014 e do incrível retorno de Lula em 2022), tem um dos seus principais pilares de sustentação no apoio que recebe da maioria dos eleitores evangélicos e de seus pastores. Essa aliança foi sedimentada no correr de pelo menos duas décadas sob olhar indiferente dos progressistas; que, de resto, talvez pouco pudessem fazer para barrá-la, visto que em geral não se sentem bem prometendo uma refeição que não podem entregar (no caso, o prato principal da riqueza material na Terra e a sobremesa do Paraíso pós-morte).
Fato número dois: a esquerda surgiu historicamente assentada em pilares laicos, antirreligiosos - anticlericais, mais precisamente – e a maior parte de suas correntes (os católicos progressistas surgidos na América Latina nos anos 1960 foram exceções à regra geral) tem dificuldade em se relacionar com as religiões e as instituições que as representam. Sua história está perpassada de conflitos com elas, muitas vezes sangrentos. Os fundamentos filosóficos esquerdistas, vindos do Iluminismo, da ciência, dificultam lidar bem com deuses e seus autodenominados representantes terrestres, mesmo quando fazem um esforço sincero nesse sentido.
Fato terceiro: nós, a raça humana, temos uma necessidade atávica de deuses e religiões, seja para tentarmos dar um sentido à vida, seja por questões de sobrevivência. Desde a aurora da humanidade nós usamos as crenças como formas de fortalecer os vínculos da tribo, combater ameaças externas ou tentar curar membros doentes do grupo (como argumenta Robin Dunbar em “How Religion Evolves And Why it Endures”, Pelican Books, 2022). Para não falar do controle da sociedade pela elite, que sempre teve nas crenças religiosas uma de suas principais ferramentas.
Fato número quatro e final: as tentativas de construção de sociedades ateias nos países comunistas europeus e asiáticos não funcionou bem, nem sobreviveu, ao fim desse modo de produção: duraram umas, enquanto durou o outro.
Concluo voltando à pergunta do título. Precisará a esquerda brasileira fazer um esforço real de associar-se a alguma religião (a algum ramo protestante, por exemplo) para voltar a ser competitiva e poder fazer avançar a sua agenda? Será esse um dos preços a pagar – depositar oferendas para os deuses, como se fazia no mundo antigo – para voltar a ter condições de vencer a guerra? E, finalmente, estarão os membros da esquerda dispostos a isso?
Até a próxima coluna.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.