A luta de classes: piqueteiros x pelegos - Por André Lobão
No primeiro dia da greve de 48 horas dos trabalhadores administrativos da Petrobrás, uma cena me chamou atenção: de um lado estavam piqueteiros e de outro, a pelegada formada por chefões e gerentes da companhia
Nesta semana presenciei uma situação que não tinha me dado conta nesses 10 anos de jornalismo sindical. A de perceber que a luta de classes não fica restrita somente a trabalhadores e burguesia.
In loco, na cobertura da greve dos petroleiros, da Petrobrás, que atuam nos prédios administrativos, no Rio de Janeiro, em sua luta para reverter retrocessos no modelo de Teletrabalho da empresa, observei os famosos fura greves, também conhecidos como pelegos, em embates verbais e quase físicos com os chamados piqueteiros. Na sua grande maioria os "pelegos" se apresentavam como gerentes, ostentando crachás e forçando a entrada diante das barreiras dos piquetes grevistas.
Os piqueteiros geralmente são contratados por sindicatos em situações como essa de greve para segurarem faixas, distribuírem boletins e panfletos, ajudando na formação do piquete, barrando assim o pelegões que amam seus patrões, já que não há dirigente sindical suficiente para dar conta disso, e pelo fato das comissões locais de greve terem poucas pessoas que se disponibilizem a ajudar neste momento de luta.
Na manhã desta quinta-feira (29/05), no primeiro dia da greve de 48 horas dos trabalhadores administrativos da Petrobrás, na sede da empresa, no Edifício Senado (EDISEN), uma cena me chamou atenção quando de um lado estavam os piqueteiros e de outro, a pelegada formada por chefões e gerentes da companhia.
Os piqueteiros seguravam faixas que entre outras coisas versavam contra a privatização da Petrobrás e o seu processo de vamprirização que já entregou entre 2024 e 2025 mais de R$ 110 bilhões em dividendos para acionistas, cortando 30% da Participação de Lucros e Resultados (PLR) dos trabalhadores próprios da empresa.
Homens e mulheres negros, desempregados que estavam ali fazendo um bico, recebendo R$ 150 de diária, com direito a um lanche e verba para almoço. Estavam ali na sua sobrevivência e alienação, não sabendo realmente o que representa a Petrobrás para as suas vidas.
Arrogância pequeno burguesa
Por sua vez, do outro lado da trincheira, estavam homens e mulheres em sua maioria brancos, bem arrumados com roupas e bolsas de grife, cheirosos e pilotando seus carrões caros.
O contato inicial em alguns momentos era amistoso, mas quando estava configurado impedimento da entrada dos chefes e gerentes, o caldo engrossava. Os chefões quando percebiam que não conseguiriam passar já colocavam em prática o discurso da arrogância e petulância, bem caracterizado de quem tem poder e dinheiro.
"Você sabe com quem está falando, você nem é funcionário terceirizado da Petrobrás, saiam da minha frente", dando uma "carteirada" de boca.E neste momento, você acaba notando como o preconceito social e até racial é destanpado da garrafa.
O piqueteiro então sente o baque e externa sua raiva do sistema e da sociedade. Como não tem sangue de barata, xinga, se segura para não brigar, em determinado momento alguns ficam com seus olhos marejados de raiva. E ali, como observador, fazendo meu trabalho jornalístico, vejo um enfretamento de classes, a reprodução em um micro ambiente, um recorte claro do que é um país dividido, desigual e injusto.
Alienação e realidade
Um piqueteiro que é contratado, ouvindo do sindicalista que a Petrobrás é do povo e do Brasil, segurando faixas reproduzindo frases feitas de protesto, então percebe que um grupo de trabalhadores, a qual ele se dirige, não se enxerga como trabalhadores, mas sim como empreendedores, absorvendo a cultura corporativa neoliberal que individualiza ao extremo as relações dentro do seu ambiente de trabalho. A Petrobrás é isso, poucos que trabalham ali, principalmente no administrativo compreendem que a empresa tem, em tese, uma função social. É um ambiente de competição extrema, seguindo a lógica de seus grandes acionistas, gente que está nos escritórios da Faria Lima, Barra da Tijuca e Wall street.
Daí quando esse pequeno burguês, chefão da Petrobrás, se sente acuado, em situação de bloqueio, afrontado em uma greve como essa, acaba expondo sua ideia e juízo de valor de mundo, em uma sociedsde partida, em que absorve valores de um universo extremamente corporativo, esse pequeno burguês se revolta.
"Se você não me deixar entrar em vou chamar a polícia, seu vagabundo, saia da minha frente" , disse uma madame, segurando uma bolsa de couro, detrás de um óculos escuro de marca, empunhando um IPhone, última versão.
E o piqueteiro come seu sanduíche de mortadela, bebendo um xarope gelado de guaraná e com a boca cheia comenta: "Essa aí pensa que é quem para esnobar a gente desse jeito?" , pergunta.
Logo depois, a assembleia dos grevistas começa, e é aprovada a continuidade da greve. Os piqueteiros, cansados, ficam invisiveis somem da pequena multidão de trabalhadores da Petrobrás que entoam gritos de luta pelos seus direitos, dizendo não às mudanças impostas pelo regime de Teletrabalho, afetando quem mora longe, e , principalmente, PcDs.
A greve continua e no dia seguinte os piqueteiros vão voltar para perturbar os pelegos.