A desculpa esfarrapada do Comitê de Política Econômica (Copom) do Banco Central (BC) para aumentar a taxa Selic em 0,25% foi comemorada pelo mercado e pela mídia liberal em editoriais e artigos de colunistas, que usam a "coesão" em torno da decisão para atacar Lula.
A elevação da Selic para 10,75% colocou o Brasil no segundo lugar do ranking mundial de juros reais entre 40 países, segundo o site MoneYou, especializado no tema.
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Com a subida dos juros, o Brasil passa a ter uma taxa real de 7,33%. O país ficou atrás apenas da Rússia, de Vladimir Putin, que está em guerra desde fevereiro de 2022 e paga 9,05% de juros reais - descontada a inflação - aos especuladores.
Em editorial no jornal O Globo, a família Marinho comemorou a decisão e o "recado nítido de coesão ao mercado". "Contribui para afastar incertezas a respeito da próxima gestão no BC, que começa em 2025", diz, sobre a desconfiança que havia dos financistas na indicação de Gabriel Galípolo para assumir o posto de Roberto Campos Neto na presidência do "autônomo" BC, sequestrado pelos agentes do sistema financeiro.
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Em nota, o Copom - que é presidido por Galípolo - usa dados dos agentes do mercado para justificar o aumento a partir das "expectativas de inflação para 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus", que "encontram-se em torno de 4,4% e 4,0%".
"Considerando a evolução do processo de desinflação, os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual, para 10,75% a.a., e entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante", diz a nota, sinalizando um novo ciclo de alta, que deve elevar a Selic para no mínimo 11% até o final do ano, segundo desejos dos "analistas econômicos".
Por incrível que pareça, o Copom justifica os "riscos de inflação" detectados pelo mercado justamente nos dados da economia real, que tem crescido e gerado emprego acima das expectativas reveladas no "Focus".
"Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho tem apresentado dinamismo maior do que o esperado, o que levou a uma reavaliação do hiato para o campo positivo", diz o BC, resgatando um argumento que não era usado desde 2015.
Ou seja, o Copom e o mercado querem frear o efeito Lula na economia. No mundo real, longe da Faria Lima, o governo baixou a taxa de desemprego a 6,8% - a menor da série histórica medida pela PNAD Contínua, do IBGE, iniciada em 2012.
Vale lembrar que, no domingo anterior, também em editorial, O Globo mentiu descaradamente para tentar minimizar o efeito Lula na economia e creditou a queda no desemprego à "reforma trabalhista feita pelo governo Michel Temer". Para isso, espancou dados do IBGE que mostram justamente o contrário - veja aqui.
No segundo trimestre, o Produto Interno Bruto (PIB) fechou em 1,4%, meio ponto acima da expectativa do mercado de 0,9%. A perspectiva, é que o crescimento da economia chegue a 3,2% em 2024. Em situações normais, o índice é o maior desde 2011, quando o PIB bateu 3,97% no primeiro ano do governo Dilma Rousseff (PT) - em 2021, sob Jair Bolsonaro (PL) a economia cresceu 4,6% devido à retração provocada pela pandemia no ano anterior, quando caiu 3,88%.
Já a inflação, principal argumento usado pelo Copom para aumentar a taxa de juros e manter "o firme compromisso com a meta" - que é de 4,5% no ano -, foi negativa, em -0,02% em agosto. No ano, o IPCA acumula alta de 2,85% e, nos últimos 12 meses, de 4,24%. Ou seja, tudo indica que a alta de preços estará dentro da meta.
Cooptação de Galípolo e pressão sobre Lula
Após a divulgação do novo ciclo de alta da Selic, a mídia neoliberal, alinhada ao mercado, soltou fogos, especialmente pela sinalização de que Galípolo, que assume a presidência do BC em fevereiro, já teria se juntado à horda de banqueiros e da Faria Lima, que lucram com o estelionato em torno da taxa de juros e do dólar.
No editorial, O Globo cita elementos corrosivos da alta da taxa de juros - "ao tornar o crédito mais caro, inibe o consumo e o investimento" -, mas mesmo assim celebra "a subida gradual de agora" e "o mais provável é um novo ciclo de alta", que beneficia diretamente os megaespeculadores em sua ação lucrativa e criminosa com os títulos da dívida pública.
"O fato de os diretores do BC terem votado de forma unânime é um sinal de que compartilham essa opinião. E o momento para essa demonstração de sabedoria e unidade não poderia ter sido mais propício. Em janeiro, haverá troca de guarda na presidência do BC. Sai Roberto Campos Neto, alvo contínuo de críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e entra Gabriel Galípolo, ex-secretário executivo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e atual diretor de Política Monetária. A promoção de Galípolo, ainda dependente de confirmação do Senado, coincidirá com a chegada de mais diretores indicados por Lula. Tal cenário chegou a levantar dúvidas pertinentes sobre a atuação do Copom a partir de 2025. Seguiria a rotina de decisões técnicas ou abriria as portas para opiniões heterodoxas, como as que vigoraram durante o governo Dilma Rousseff? O anúncio desta quarta-feira ajuda a dissipar as dúvidas e sugere que a gestão Galípolo deverá seguir os mesmos parâmetros da atual", celebra a família Marinho, que opera empresas offshore que especulam com a economia brasileira, como revelou o Pandora Papers.
Cortes na saúde, educação e contração do emprego
Porta-voz da Faria Lima, William Waack aproveitou a deixa para dar o recado a Lula em nome do "mercado".
"A oportunidade de fazer algum ajuste nas contas via cortes foi perdida logo no começo do mandato, quando Lula deixou claro que nem queria ouvir falar disso. Apostou na expansão do gasto público como motor do crescimento e impulso do consumo", diz o "analista", que considera "gastos" o investimento em educação e "investimento" o pagamento de juros ao sistema financeiro.
Ao atacar o presidente por "bufar por conta de juros altos" - como classificou as críticas ao BC -, Waack criticou Lula por não fazer a aliança com a Faria Lima logo no início do mandato e "perdeu talvez a única chance de mobilizar forças políticas que o ajudassem de fato a se contrapor aos poderes ampliados do Legislativo frente ao Executivo. Acabou formando uma aliança com o STF".
Na Folha, coube ao "colonista" - como dizia o saudoso Paulo Henrique Amorim -, Vinicius Torres Freire traduzir o recado do Banco Central, propondo "bons remendos no arcabouço fiscal".
Os remendos são mais do mesmo: corte de investimentos nas ações essenciais para a população mais pobre. "Um plano de contenção do aumento de gastos em Previdência, saúde e educação, para 2026 e além, teria algum feito imediato", diz.
Segundo o "colonista", o arrocho nos investimentos em saúde e educação e nos salários dos aposentados "facilitaria muito a vida de Gabriel Galípolo, futuro presidente do BC".
"Aliás, é o plano que está na cabeça de todo o mundo na direção do BC, inclusive dos nomeados por Lula", emenda, celebrando a cooptação pela Faria Lima dos novos membros do BC, indicados por Lula.
Por fim, o colonista da Folha tem uma ataque de realidade e mostra quais seriam os reais objetivos do aumento da Selic.
"O país cresce mais do que quase todo o mundo esperava. A inflação está fora da meta [NR.: uma mentira descarada], mas algo contida, estável e, para padrões brasileiros, baixa. Mas as taxas de juros (atenção para o plural) estão em níveis teratológicos. Vão levar a dívida do governo a níveis assustadores, dado, de resto, que não haverá superávit primário nas contas públicas tão cedo. Isso não vai prestar", diz.
Para Paulo Kliass, doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal, a decisão do Copom é "crônica da profecia autorrealizada", ao se referir às expectativas do mercado no boletim Focus, que embasam as decisões do Copom.
"A diretoria do Banco Central se reúne a cada 45 dias e toma uma decisão a respeito da taxa de juros, a Selic. Da última reunião para agora começou uma grande pressão do sistema financeiro, donos de bancos, jornalistas a soldo da banca privada nos grandes meios de comunicação dizendo: não, agora acabou, não dá mais para continuar nesses 10,5% - como se fosse muito baixa -, temos que aumentar. Só que sem argumento efetivo", disse Kliass ao Fórum Café.
"Isso é um crime de lesa-pátria", sentencia o economista sobre a cooptação da diretoria do Banco Central pelos 171 agentes do sistema financeiro ouvidos semanalmente no boletim Focus.
O mesmo número que no Código Penal Brasileiro define o estelionato, crime que consiste, basicamente, na prática de golpes, nos quais o criminoso engana a vítima para obter algum tipo de vantagem, na maioria da vezes em dinheiro.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.