OPINIÃO

O Porto Seguro e a sua gente ainda resistem

O que também chama atenção na região é a descaracterização das praias. Em Porto Seguro e arredores, as praias foram totalmente privatizadas

Porto Seguro.Créditos: André Lobão
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Desde criança construí um imaginário de que as praias da Bahia seriam exatamente como cantadas nas músicas de Caymmi, Vinicius de Morais, Caetano Veloso, Gal, Bethânia, Gil, e nas descrições bucólicas dos livros de Jorge Amado.

Viajando com os inocentes do Leblon

Saí do Rio de Janeiro para Porto Seguro com a ideia de que  encontraria o paraíso hippie das canções e dos escritos literários. Para minha tristeza sobrou pouca coisa, ou quase nada do que meu falecido amigo, fotojornalista, Antonio Duarte também contava a partir de suas andanças nos paraísos hippies do Nordeste brasileiro.

As minhas constatações já começaram no voo de ida para a terra do descobrimento do Brasil.

Na primeira classe, gente de pose e bem vestida que ostentava seus chapéus Panamás, óculos Ray ban, bolsas de Vuiton e outras indumentárias de grife.

Eu que sou um observador, esclarecendo que não sou fofoqueiro, fiquei captando conversas do tipo: "e aí fulano trouxe o cabrobó?". Bom, para qualquer cascudo que já curtiu uma "onda", como eu, o cabrobó é uma gíria para aqueles "cigarrinhos" que deixam as pessoas mais relaxadas.

Logo vi que eram antigos frequentadores de terras baianas, gente de grana que mora no Leblon, e que no passado deve ter vivido momentos marcantes nos tempos hippies dos anos 1970/80, e que hoje desfruta de suas mansões em Trancoso.

Chegar em Porto Seguro me deu uma boa sensação. Da janela do avião enxerguei um mar esverdeado com praias e coqueiros balançando com o vento do Atlântico.

No pequeno aeroporto, a simplicidade e o cantar do sotaque baiano, que dizem ser diferente da capital dos baianos, Salvador. Confesso que ainda não consigo distinguir a diferença.

Uma cidade histórica que resiste

Após chegar com minha família no hotel, saímos em busca da Porto Seguro da minha imaginação. Logo ao lado, de onde nos hospedamos, encontramos uma grande escadaria para a chamada cidade histórica. No alto de um morro, o ponto mais alto da cidade, descobri uma pequena vila bucólica com uma vista linda para o mar.

Pequenas casas simples, com fachadas pintadas em cores vivas. Uma capela , a de São Benedito, rodeada por ruínas do que foi um dia um colégio de jesuítas. O lugar cercado por fitas coloridas, como aquelas do Senhor do Bonfim, é a terceira igreja construída no Brasil, com construção de 1549. De início, o espaço foi usado para catequizar indígenas, provavelmente o povo Pataxó, originário da região.

Aliás, esse também foi um dos motivos do meu interesse em conhecer Porto Seguro. Saber a realidade dos povos originários da região, em especial dos Pataxós. Em vários pontos da cidade você encontra muitos deles, trabalhando no comércio e turismo, e também de forma autônoma em barracas do comércio ambulante vendendo artesanato.

Nesse ecossistema de serviços da região, em uma visão inicial, essa população de origem indígena, negra, mulata em sua maioria, é subalterna, ocupando vagas precarizadas de baixa formação acadêmica e profissional. Quem manda são gerentes e chefes com sotaques das regiões Sul e Sudeste, em maioria gaúchos e paulistas. Os nativos são gentis e simpáticos, sempre com um sorriso acolhedor.Alguns em seus carros, agregados aos aplicativos de transporte, em conversas chegam a brincar, se auto depreciando, zombando do jeito relaxado e lento, do porto-segurense.

Nas praias sobrevivem vendendo água de coco, camarão frito e tatuagens temporárias, guardando vagas de estacionamento para os brancos turistas de classe média que chegam com sua arrogância de quem pensa que é burguês.

Na cidade nota-se a presença de moradores em situação de rua, vivendo o drama do abandono e do alcoolismo.

Praias privatizadas

Mas o que também chama atenção na região é a descaracterização das praias. Em Porto Seguro e arredores, as praias foram totalmente privatizadas. Onde era areia e vegetação nativa, espaço de convivência harmônica entre o homem e a natureza, como decantado nas cartas de Pero Vaz de Caminha, e nos tempos modernos hippies, hoje dá lugar a grandes restaurantes que hoje são chamados de "barracas" que tomam praticamente toda orla local, invadindo o espaço público com a dinâmica voraz de ganhar dinheiro, enchendo o "bucho" dos turistas, apresentando shows de questionável qualidade musical, o axé music, valorizando belos corpos e letras que não são mais de duplo sentido, sendo diretas na sexualização dos corpos que dançam, um legítimo produto da indústria cultural brasileira.

Um motorista de aplicativo me conta que uma dessas grandes barracas, o “Toa Toa”, pertence ao vice-prefeito de Porto Seguro, Paulo Cesar Onishi, o “ Paulinho Toa Toa”, do União Brasil,  um goiano que chegou na cidade há 21 anos. É bom lembrar que o município de Porto Seguro é governado por um prefeito do PL, Jânio Natal. A dupla bolsonarista vai tentar a reeleição nas próximas eleições municipais. A Câmara Municipal local possui 17 vereadores, sendo dois apenas da esquerda: Priscila Bittencourt (PT) e Robinson Vinhas (PC do B). Assim é possível compreender o processo pelo qual passa Porto Seguro.

Em praias como a de Coroa Vermelha não há espaço na areia para jogar uma canga, deitar e  desfrutar do sol. Ainda na praia de Coroa Vermelha, vimos o monumento da primeira missa católica realizada logo no descobrimento no ano de 1500. Há também uma pequena capela, a de Santa Cruz, em que não cabem 10 pessoas. No momento que passamos pelo local estava sendo celebrada uma missa para três pessoas.

Em Arraial d'Ajuda vi um pequeno portal, cercado que não passam duas pessoas, cercado por casas e muros, anunciando o acesso para uma praia pública.

Mas ainda há um certo ar bucólico em alguns locais e serviços como no transporte da balsa de carros e pedestres para Arraial d'Ajuda. O tempo de travessia leva no máximo 10 minutos , mostrando o encontro da foz do Rio Buranhém com o mar. No pôr do sol o visual é muito bonito.

Assim é o Porto Seguro de tantas histórias e de gente simples, onde o tempo dá a sensação de demorar a passar. A região ainda resiste ao avanço do turismo predatório e dos endinheirados.

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