OPINIÃO

O "churrascato" e o pequeno-burguês – Por André Lobão

Começa uma roda de samba que contagia os manifestantes que dançam na entrada da maior empresa do Brasil

Churrascato pelos olhos de André LobãoCréditos: Arquivo Pessoal
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Recentemente estive envolvido na cobertura de um "churrascato", um churrasco ato promovido por uma entidade sindical que trabalho atualmente. A iniciativa fez parte do acampamento vigília que esteve presente na sede da Petrobrás, por 14 dias, no Edifício Senado (Edisen), Centro do Rio, uma ocupação promovida pelo Fórum de Defesa dos Participantes e Assistidos da Petros na defesa do fundo de pensão dos petroleiros ativos e aposentados da Petrobrás.

A ocupação foi iniciada em 20/06 e encerrada em 4/07, já o “churrascato” foi realizado em 2/07. 

Os "velhos combatentes" aposentados e pensionistas do sistema Petrobrás vêm sofrendo nos últimos anos cobranças escorchantes da Petros, sob a justificativa de equacionamento dos déficits apurados nos resultados do plano. Por isso, exigem que a Petrobrás pague suas dívidas com o fundo.

Criado em 1970, o Petros é o segundo maior fundo de pensão do país com um patrimônio de R$ 130,5 bilhões, e mais de 130 mil participantes ativos e assistidos. Esse valor corresponde a 1,2% do PIB do Brasil.

Neste momento, a Petros está aplicando o NPP (equacionamento que engloba os PEDs de 2015 e 2018) e mais um PEDs, tanto para o PPSP-R, quanto para o PPSP-NR, que começou a ser cobrado em abril de 2024. O tal de déficit acumulado até 2020 era de R$ 35 bilhões. Isso faz com que aposentados e pensionistas tenham descontos de até 20% na sua complementação previdenciária.  

Acesse o Dossiê Petros.

Um puro suco de Rio de Janeiro

Em meio às barracas e colchões colocados na entrada principal da sede da Petrobrás, passam seus funcionários, com seus crachás verdes. Elegantes com suas roupas e bolsas de grife eles e elas passam. Os mais antigos e integrantes da comissão de base local param e conversam com os ocupantes. Mas grande parte passa direto, sem esboçar reação ao ato, alguns nitidamente expressam em seus rostos uma feição de incômodo. 

A partir de 11h da manhã a churrasqueira é acesa, formado o braseiro espetinhos são colocados e assam na grelha, no melhor estilo pré-jogo de futebol em dia de clássico no Maracanã. Começa uma roda de samba que contagia os manifestantes que dançam na entrada da maior empresa do Brasil. Apesar da seriedade do movimento, é um momento de descontração e leveza para os velhinhos que sofrem no bolso o preço de uma má-gestão de seu patrimônio previdenciário com dinheiro torrado em investimentos furados pelos gestores do fundo Petros. Mas segue o baile.

É hora do almoço é a passagem parece uma rua de subúrbio em dia de festa de rua, como nas festas juninas do bairro da Abolição, só falta cachorro-quente e mocotó. Mas tem churrasco saindo, no “churrascato” contra os equacionamentos da Petros. A calçada já fica impraticável, um tumulto que já foi típico no Centro do Rio, que agora vive às moscas com lojas fechadas, mostrando a decadência econômica da cidade.

E os crachás verdes circulam, comentam achar pitoresca a mobilização. Alguns saboreiam o churrasco que está saindo no espetinho, também batizado pelo carioca de “churrasquinho de gato”. Já outros se incomodam com a fumaça, o tumulto e a música. Um crachá verde das antigas comenta sorrindo, “isso é suco de Rio de Janeiro, e na sede da Petrobrás, muito bom!”. Tento pegar uma sonora, mas ele se recusa educadamente: “irmão não vou falar, pode me gerar problema. Você sabe como é”.

O pequeno burguês 

Em quase dez anos de trabalho no meio sindical, cobrindo esse tipo de manifestação em unidades administrativas da Petrobrás observei que há uma cultura corporativa muito forte entranhada nos empregados da empresa. O método neoliberal de gestão, que há tempos se faz presente na Petrobrás, que desumaniza o ambiente coletivo de trabalho, individualizando processos e tratando empregados como empreendedores, em uma relação escamoteada de exploração com o objetivo final de aumentar a mais-valia dos outros sócios da empresa, além da União, os acionistas privados, os caras que ditam as regras na companhia. Assim se criou um trabalhador avesso a movimentos reivindicatórios, que fica arrepiado ao ouvir o termo “luta de classe”. 

Então, no “churrascato”, esse era um perfil de trabalhador fácil de ser identificado. Era aquele que franzia a testa ao tentar entrar e sair do tumulto, que tapava o nariz ao passar pela churrasqueira e que balançava a cabeça, negativamente, ao ouvir os acordes do samba de roda presente na mobilização.

Obviamente, que a maioria deles expressa esse tipo de comportamento não necessariamente por preconceito e nojo, mas por ter arraigada na sua formação profissional uma cultura impregnada que desvaloriza a atividade sindical, e que não considera quem luta por seus direitos. Esse cidadão neoliberal, formado neste mundo pós-moderno, que trabalha na Petrobrás, que é também precarizado, não se comove com as dificuldades enfrentadas pelos aposentados e pensionistas da Petrobrás que participam do plano de previdência complementar da Petros. 

“Um dia você será um aposentado como nós”

Um velho combatente do movimento sindical e, também, do movimento de aposentados e pensionistas, cita isso em suas falas e intervenções. “Você atual trabalhador do sistema Petrobrás um dia será um aposentado como nós, e vai sentir o desprezo da mesma forma que vocês nos tratam hoje.”

O churrasco segue, a maioria que consome os espetos de carne, linguiça e coração de frango é de aposentados e pensionistas que se deslocaram para o acampamento-vigília. A farofa pronta é despejada numa bandeja para empanar os espetinhos prontos.  As bocas balançam e mastigam, como aquele casal que baila ao som da roda de samba. 

Em determinado momento chega uma notícia. Após uma reunião com os representantes do movimento, a Petrobrás informa que criou uma comissão para resolver o problema dos participantes do fundo Petros. É um começo, a luta segue. Tem gente que não se anima muito com a notícia, “é, criaram mais uma comissão. É sempre assim”. 

Mas a esperança de dias melhores prossegue, nunca acaba como os churrascos.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum*