OPINIÃO

Precisamos falar de CPI do licenciamento ambiental na Bahia - Por Jailton Andrade

R$ 16,5 milhões em propina é uma pequena amostra do grande negócio que envolve o agro, a especulação imobiliária a transição energética e o crédito de carbono.

Gaeco cumprindo um dos mandados de busca e apreensão na Operação Ceres.Créditos: MPBA divulgação
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Nada como o tempo para trazer à tona as evidências do que tanto se disse sobre os desmandos ambientais na Bahia.

Essa semana o GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas e Investigações Criminais com base nas investigações do Ministério Público da BA), deflagrou a Operação Ceres, que cumpriu 7 mandados de busca e apreensão em 'barracos' como o da foto acima pra desmontar uma quadrilha no INEMA (Instituto de do Meio ambiente e Recursos Hídricos) que vendia 'sentença', quer dizer, vendia licenciamento ambiental.

A estimativa do MP-BA é de que um total de quase R$ 16,5 milhões em propinas foram cobradas para viabilizar ilegalmente a concessão de licenças ambientais e autorizações de supressão de vegetação, entre os anos de 2019 e 2023, ou seja, uma pequena janela de 5 anos e em uma determinada região da Bahia.

Desde março de 2023 viemos apresentando informações divulgadas pelo MPF, MPBA, DPU, DPBA e SPU, bem como de instituições de defesa do meio ambiente, sobre os desmandos praticados, dentre outros, pelo INEMA, autarquia ligada à Secretaria do Meio Ambiente da Bahia.

Um dos casos que denunciamos foi o da grilagem na Ilha de Boipeba, que o MPF preferiu chamar de “explícita ilegalidade de caráter fundiário” e que envolve o presidente da fundação Roberto Marinho, o ex-ministro Armínio Fraga e seu sócio na Gavea Investimentos, o golfista Marcelo Stallone. Junto, os mangabos Armínio e Stallone têm 60% da empresa Mangaba Cultivo de Coco, criada pra cultivar dinheiro com terra pública.

E eu digo envolve porque o processo de grilagem da ilha não acabou, graças a uma ajudinha do prefeito de Cairú, Hildecio Meireles, do União Brasil. Mas isso é tema pra outro artigo.

Durante o processo de grilagem de Boipeba no ano passado, período em que o INEMA transformou seu perfil no Instagram num portal em defesa do empreendimento dos mangabos, o MPF chegou a enviar ofícios ao governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, ao secretário estadual de Meio Ambiente (Sema), Eduardo Sodré Martins, e à Superintendência do Patrimônio da União na Bahia (SPU/BA), afirmando que o caso da grilagem em Boipeba era gravíssimo e que a cúpula do INEMA agia “como obstáculo ao modo de ser, viver e existir das Comunidades Tradicionais”.

Trocando em miúdos, chamou a direção do INEMA de racista.

E quem era a direção do órgão? A velha conhecida dos ambientalistas baianos, Márcia Cristina Telles de Araújo Lima.

Marcia foi secretária do Meio Ambiente e diretora do INEMA no governo de Jaques Wagner, passou pelas mesmas pastas no governo Rui Costa, e voltou para o INEMA na gestão Jerônimo, tendo sido finalmente exonerada em setembro de 2023.

Durante a gestão de Marcia Telles, a Bahia, ou liderava ou ficava em segundo lugar entre os estados que mais desmataram a Mata Atlântica. Também, graças à dama da motosserra, a Bahia ficou entre os 5 estados que mais desmataram o cerrado. Estima-se que entre 2010 e 2020 a caneta bic de Marcia desmatou 800 mil hectares de floresta, o que equivale à área de Salvador multiplicada 11 vezes.

Esses dados estão numa carta assinada por 93 entidades ambientais da Bahia e enviada ao governador Rui Costa em maio de 2021, protestando contra a indicação de Marcia Telles para a Secretária de Meio Ambiente da Bahia, e essa não foi a primeira carta aberta.

Uma outra, assinada pelos servidores do INEMA em 2015, já denunciava Marcia Telles por usurpação de poder, confisco do Fundo de Meio Ambiente e Fundo de Recursos Hídricos com o intuito de dificultar a execução da política ambiental e por enfraquecer o Conselho Estadual de Meio Ambiente (CEPRAM).

Isso sem falar na quantidade de autorizações para o uso gratuito de imensas quantidades de água pelos empresários do agronegócio no oeste baiano. Tudo isso foi autorizado pelo INEMA sob a gestão da farmacêutica Marcia Cristina Telles, a mesma que liberou a licença de operação da refinaria da ACELEN com vários passivos ambientais.

Essa é a cúpula do INEMA, que o MPF chama de racista, que atua contra as populações quilombolas e pesqueiras de Boipeba.

Essas 2 cartas, tanto a dos ambientalistas como a dos servidores, serão muito úteis nas novas incursões do GAECO, principalmente pra mostrar que o problema não se limita ao oeste baiano.

É preciso verificar como se deram os licenciamentos de eólicas e da mineração na região central da Bahia; de empreendimentos imobiliários na região de guarajuba no litoral norte; em Maraú; em Morro de SP; o loteamento de outras ilhas federais na Bahia. Sem esquecer da pressão imobiliária exercida na própria capital, como no caso da Praia do Buracão onde a Odebrecht tenta construir 3 torres praticamente na areia.

É preciso que o GAECO verifique também a participação do INEMA na apropriação e acumulação de terras indígenas no extremo sul da Bahia, onde aldeantes estão sendo queimados vivos, além de entender sob quais argumentos permitiram destruir manguezais na Baia de Aratu. O MP e o GAECO ajudarão muito também se desenvolverem a tese inaugurada pelo MPF sobrea possível relação entre o INEMA e a morte de Mãe Bernadete e de seu filho Binho do Quilombo.

Quanto a nós, da sociedade civil, cabe pressionar a opinião pública, a imprensa e os deputados estaduais da Bahia para a instalação na Assembleia Legislativa da CPI do Licenciamento, porque aí nós poderemos observar que a equipe que foi alvo da operação do GAECO, é somente o baixo clero desse grande negócio que é o 'agro', a especulação imobiliária, a transição energética e o crédito de carbono.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum