PRIVATIZAÇÃO DAS PRAIAS

Dono da Globo e seu economista favorito seriam prováveis beneficiários da PEC das Praias

Conheça a Fazenda Ponta dos Castelhanos: o condomínio de luxo que José Roberto Marinho e Armínio Fraga querem construir em Área de Proteção Ambiental no litoral da Bahia

A ilha de Boipeba, na Bahia.Créditos: Beto Quissak via Wikimedia Commons
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Relatada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2022 está na boca do povo como a “PEC da privatização das praias”, e até o atacante Neymar e a atriz Luana Piovani entraram no debate em torno do absurdo que pode ser aprovado no Congresso.

O texto transfere a propriedade dos terrenos próximos à costa brasileira – sobretudo os terrenos de Marinha, que estão a até 33 metros da costa - da União para estados, municípios e proprietários privados. O projeto não determina expressamente que as praias estão 'para jogo' com a iniciativa privada, mas abre brechas para a prática. Sobretudo em relação à construção de cassinos e resorts de luxo à beira-mar.

Um desses exemplos é a Fazenda Ponta dos Castelhanos, um mega resort de luxo planejado pela Mangaba Cultivo de Coco LTDA, empresa que tem entre seus sócios José Roberto Marinho, dono da Globo, e Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central durante segundo governo FHC (1999-2002) e economista de preferência do Grupo Globo. Recentemente esteve na mídia defendendo a reforma trabalhista de Michel Temer (MDB).

Marinho possui 20% da empresa ao lado dos empresários Clóvis Macedo, Marcelo Stallone e a empresa Filadélfia Empreendimentos Imobiliários, que é de propriedade de Antonio Carlos de Freitas Valle. Armínio Fraga detém 12% da sociedade através da Fraga I, sua empresa com sede nos EUA. Os outros 8% estão nas mãos do empresário Arthur Baer Bahia.

Armínio Fraga (esq) e José Roberto Marinho (dir). Créditos: Agência Senado

Os detalhes do empreendimento foram revelados por matéria do The Intercept Brasil de 23 de março de 2023. A questão é que agora, com a possibilidade da PEC 3/2022 ser aprovada, é possível que o projeto consiga sair do papel.

Estamos falando de uma fazenda de 1651 hectares localizada na Ilha de Boipeba, no sul da Bahia. A área da propriedade corresponde a 20% do território de toda a ilha e está em boa parte dentro de uma Área de Proteção Ambiental (APA).

De acordo com a apuração do Intercept, a área está próxima à comunidade pesqueira tradicional de Cova da Onça e ao quilombo Monte Alegre, ambos ameaçados com a construção do empreendimento. Além disso, o próprio terreno teria tido irregularidades na sua aquisição. Foi comprado em 2008 por R$ 20 milhões de Ramiro José Campelo Queiroz, um ex-prefeito de Valença, cidade vizinha. O empresário e político é acusado de ter grilado a área e uma série de processos a esse respeito correm na Justiça baiana.

Mapa do empreendimento. Fonte: Inema

No contrato de compra o antigo proprietário tinha a obrigação de retirar aproximadamente 50 posseiros que ocupavam a área, além de conseguir junto à Secretaria de Patrimônio da União (SPU) o aforamento da área, ou seja, o direito de se possuir uma propriedade da União ao fazer o pagamento de 0,6% do valor do terreno.

O empreendimento prevê a construção de um condomínio de 25 casas, duas pousadas com 25 quartos cada, pista de pouso para jatinhos, uma marina de médio porte e um campo de golfe de 370 hectares. Em 7 de março de 2023 o Inema, órgão ambiental estadual, concedeu a licença para a construção do projeto e a derrubada da mata nativa para início das obras. Apenas o campo de golfe ficou de fora da autorização.

No entanto, como o regime de propriedade das ilhas previsto pela Constituição de 1988 aponta, a ilha de Boipeba é de propriedade da União e a Mangaba não teria maiores documentos do terreno além de uma inscrição de ocupação do Registro Imobiliário Patrimonial de Valença.

Ou seja, ainda falta uma documentação mais robusta para que o empreendimento saia do papel, desmate a região de proteção ambiental e encurrale as comunidades tradicionais entre o mar e os muros do condomínio. E a PEC das Praias é justamente o regramento que pode dar aquela ‘mãozinha invisível’.