Em meio a repercussão das enchentes no Rio Grande do Sul, os embates entre bolsonaristas e jornalistas da Globo têm chamado bastante atenção (realidade semelhante ao que ocorreu durante a pandemia da Covid-19). Até aqui, três nomes da emissora da família Marinho, em especial, são os principais alvos da fúria dos fanáticos seguidores do inelegível: Natuza Nery, Daniela Lima e Maju Coutinho.
Na GloboNews, Natuza se referiu ao coach bolsonarista Pablo Marçal como “mentiroso”, em referência ao compartilhamento de notícia falsa sobre a Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul, por falta de notas fiscais, impedir a entrada de doações para os atingidos pelas enchentes no estado. Também no canal por assinatura, Daniela revelou os três principais eixos que estão por trás dos disparos de fake news sobre os acontecimentos no sul do país São eles: 1) O Estado nada faz; 2) O Estado atrapalha e 3) Pânico econômico. Por sua vez, Maju disse no Fantástico que “o espírito de união muitas vezes é interrompido pelo espírito de porco, pelas notícias falsas que invadem os celulares e as redes sociais”.
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Enquanto Natuza Nery, Daniela Lima e Maju Coutinho foram atacadas de todas as formas por bolsonaristas (anônimos ou conhecidos), parte considerável da esquerda saiu em defesa das três jornalistas, a partir de frases como “Eu gosto muito do Jornalismo da Rede Globo, nem outra emissora assisto“, “Daniela Lima é um exemplo de jornalista”, “Maju tem toda razão”, “Fantástico reverteu a narrativa da extrema direita”, “Daniela Lima o terror dos bolsonaristas” e “Se essa turma podre está espumando de raiva, Daniela acertou na jugular dos caras, preciso e certeiro”.
Claro que não vou engrossar o coro dos bolsonaristas, com seus delírios terraplanistas e discursos de ódio, mas as colocações de setores progressistas apresentadas acima revelam uma crescente debilidade registrada no debate público nacional já há algum tempo. Parcela da esquerda brasileira, pela falta de uma agenda política própria, tem ficado a reboque da direita tradicional. Ou seja, não usam as próprias armas discursivas na luta contra a extrema direita; mas se munem de materiais fornecidos pela grande mídia. Nem parece que a Globo, no passado recente, apoiou a Operação Lava Jato, o golpe de 2016, a prisão de Lula e, principalmente, lembrando o saudoso Paulo Henrique Amorim, ajudou a parir Bolsonaro.
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Nesse sentido, as falas das jornalistas da emissora da família Marinho, apesar de corretas, soam demagógicas. Trata-se do criador falando mal da cria, que, descontrolada, passou a mordê-lo. Bolsonaristas, como todo filho feio, não têm pai. Juntamente com os outros veículos da grande mídia, a Globo ajudou a tirar o fascismo da coleira para morder o PT; agora quer se livrar do monstro e finge não ter nada a ver com isso.
Além do mais, num ponto capital, bolsonaristas e Globo estão em acordo: o chamado “Estado mínimo”. Não por acaso, durante os quatro anos do mandato de Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, encarregado de colocar em prática a política neoliberal de terra arrasada, foi blindado de críticas nos noticiários da Globo. As únicas menções negativas a Guedes foram por ele não ter contribuído para entregar suficientemente o patrimônio brasileiro para os grandes capitalistas.
Nesse sentido, quando Daniela Lima cita os três eixos que estão por trás dos disparos de fake news por bolsonaristas – “Estado nada faz”, “Estado atrapalha” e “Pânico econômico” – está também explicando ipsis litteris a linha editorial adotada pela Globo, alinhada aos valores neoliberais (e não apenas na cobertura da tragédia gaúcha). A diferença é que os bolsonaristas usam fake news, e a Globo se esconde sob o verniz de “jornalismo de qualidade, imparcial, objetivo e confiável”. Quem não se lembra, por exemplo, do “pânico econômico” em relação ao preço do tomate, durante o governo Dilma?
O paradigma do “Estado mínimo”, tão defendido por bolsonaristas e a Globo, adotado tanto pela prefeitura de Porto Alegre, quanto pelo governo estadual de Eduardo Leite, responsável por não direcionar os recursos públicos suficientes para políticas preventivas, explica, em grande medida, a tragédia no Rio Grande do Sul (por mais que os “pensadores” liberais da internet formulem malabarismos retóricos para dizer o contrário).
Já a frase de Maju Coutinho, sobre o espírito de união muitas vezes ser interrompido, nos remete aos noticiários inflamados da Rede Globo sobre a Operação Lava Jato e aos ataques a políticos do Partido dos Trabalhadores, na suposta campanha anticorrupção, o que favoreceu para que todo tipo de discurso de ódio pudesse sair do armário. Na época, o importante era tirar o PT. Mas, como bem sintetizou Lula, o tiro saiu pela culatra: plantaram Aécio e colheram Bolsonaro, o subproduto do ódio contra o PT. Chocaram o ovo da serpente.
Por falar nisso, em relação à atuação do presidente da República sobre a tragédia gaúcha, Globo e bolsonaritas também convergem. Enquanto a emissora esconde Lula em suas coberturas in loco das enchentes, privilegiando o governador Eduardo Leite, os seguidores do “mito” acusam o presidente da República de se omitir frente aos dramas dos moradores do Rio Grande do Sul (o que, evidentemente, como tudo vindo da bolha da extrema direita, não condiz à realidade).
Portanto, Globo e bolsonaristas, a despeito das divergências na chamada “pauta dos costumes”, têm mais pontos em comum do que pensamos. Ambos estão juntos na defesa dos interesses do grande capital. Só que por caminhos distintos: sofisticadas técnicas de manipulação de um lado, e grosseiras fake news, de outro. Infelizmente, parte da esquerda não tem se atentado a essa questão.
Em última instância, a campanha da Globo não é, necessariamente, contra as fake news, está mais para um lamento em perder o monopólio de divulgá-las em larga escala. Nesse mercado comunicacional, não aceitam concorrentes.