E não é que de uma hora pra outra parte da esquerda brasileira resolveu falar sobre teologia? Continua não gostando de evangélicos e até mesmo os rejeitando em seus encontros e articulações, mas aqui e ali já aparecem os vários “especialistas” em teologia. Nunca imaginei que minha formação seria tão imprescindível em um momento histórico como esse. Na verdade não é (com raras exceções, como a Fórum, que me abre esse espaço na Revista e o “Papo de Fé” na TV Fórum – toda segunda-feira às 20:15 – jabá feito), já que teologia virou o novo futebol brasileiro: se antes tínhamos 200 milhões de “técnicos”, agora temos 200 milhões de “teólogos”.
Isso tudo porque a onda agora é falar da tal “teologia do domínio”, que aos poucos substituiu a onda de falar sobre “teologia da prosperidade” e de descer a lenha nos “neopentecostais”, sem ter a mínima noção de quem eles são e sem perceber que a maior parte do núcleo duro do bolsonarismo nem era neopentecostal. Os terrivelmente evangélicos do desgoverno Bolsonaro eram, em sua maioria, presbiterianos e batistas. Sim, aqueles evangélicos que a maioria acha “esclarecidos” em detrimento dos pobres ignorantes neopentecostais.
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Por conta disso, resolvi na coluna de hoje jogar um pouco de luz sobre três temas muito (mal) falados nesses dias e que, aqui e ali, aparecem algumas confusões, não intencionais, claro, mas que muitas vezes acabam não correspondendo aos fatos e causando mais distorções nas falas e “matérias” sobre os temas. Falemos então sobre DISPENSACIONALISMO, TEOLOGIA DO DOMÍNIO E TEORIA DOS SETE MONTES, três coisas a priori distintas, mas que se misturam em algumas práticas, o que favorece toda desinformação e análise crítica.
DISPENSACIONALISMO
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O dispensacionalismo é uma interpretação teológica que interpreta a história bíblica como uma série de "dispensações" ou períodos distintos, durante os quais Deus trata de forma diferente com a humanidade em relação à sua revelação, responsabilidade e propósito. Essa perspectiva teológica ganhou popularidade principalmente nos círculos evangélicos nos séculos XIX e XX, especialmente nos Estados Unidos.
Uma das características mais distintivas do dispensacionalismo é sua ênfase na distinção entre Israel e a Igreja. Isso significa que os dispensacionalistas tendem a interpretar as promessas feitas a Israel no Antigo Testamento de maneira literal e aplicá-las a um futuro físico e nacional de Israel, enquanto as promessas feitas à igreja são interpretadas de forma espiritual e aplicadas aos crentes em Jesus Cristo.
É a partir dessa linha de interpretação, que ganhou muita força no Brasil, principalmente nas igrejas pentecostais e neopentecostais (mas com muitos adeptos nas igrejas chamadas “históricas”) que entendemos essa “paixão” dos evangélicos por Israel, já que tudo o que acontece com o Estado de Israel (já que interpretam literalmente o Israel bíblico como sendo o Estado sionista de Israel) reflete na escatologia bíblica e é um sinal para a igreja. Para esta teoria, Israel é “o relógio de Deus para a humanidade”. Essa importância fica evidenciada no uso das bandeiras de Israel e de expressões do Antigo Testamento “ressignificadas” para a igreja de hoje.
TEORIA DOS SETE MONTES
A "teoria dos sete montes" é uma perspectiva teológica e política que sugere que existem sete esferas principais de influência na sociedade que precisam ser "dominadas" ou "ocupadas" pelos cristãos para promover a transformação cultural e a implementação dos valores cristãos na sociedade. Essas sete esferas são frequentemente descritas como "montes", uma metáfora derivada de passagens bíblicas que falam sobre montanhas como símbolos de autoridade e influência.
As sete montanhas da teoria geralmente incluem (com exemplos entre parênteses para observarmos onde já chegaram):
- Governo e Política: (os terrivelmente evangélicos no STF / Bancada evangélica)
- Educação: (Nikolas da Comissão de Educação / Homescholling / Ideologia de gênero)
- Mídia: (Record / mídias evangélicas / sites de fofoca gospel)
- Economia: (Já viu alguma loja de “moda evangélica” / cartão de crédito gospel / mercado gospel / acarajé gospel)
- Família: (Precisa dizer alguma coisa?)
- Religião: (“liberdade” de culto – ou seja, livres para todo mal “em nome de deus”)
- Artes e Entretenimento: (Yeshua substituindo Yemanjá / Apocalipse no carnaval / capoeira de Jesus)
Os defensores da teoria dos sete montes acreditam que, ao ocupar posições de liderança e influência nessas esferas, os cristãos podem exercer um impacto positivo na cultura e na sociedade, promovendo valores morais e éticos baseados na fé cristã. Resultado prático disso: intolerância, racismo religioso e demonização de quaisquer movimentos antifundamentalistas, com o discurso pronto de “perseguição religiosa” para as consequências dos abusos que eles mesmos causam.
TEOLOGIA DO DOMÍNIO
A história da Teologia do Domínio, também chamada de Reconstrucionismo Cristão ou Teonomia (uma espécie de Teocracia Cristã) remonta ao final do século XX, quando líderes e teólogos começaram a enfatizar a importância da influência cristã em todas as esferas da vida, incluindo a política, a economia, a cultura e a sociedade em geral. A Teologia do Domínio argumenta que os cristãos têm a responsabilidade de exercer autoridade espiritual sobre o mundo natural e influenciar todas as áreas da vida de acordo com os princípios cristãos.
Apesar de parecer muito com a “teoria dos sete montes”, a “teologia do domínio” tem aspectos mais trabalhados “teologicamente”. Esta teologia muitas vezes está associada ao conceito de "domínio" encontrado em Gênesis 1:28 da Bíblia, onde Deus diz ao homem para "subjugar a terra" e "dominar sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se movem sobre a terra".
A teonomia é a ideia de que a lei moral de Deus, conforme revelada no Antigo Testamento, deve ser a base da legislação e da justiça na sociedade. Isso implica a rejeição da separação entre a religião e o Estado, defendendo que a lei divina deve governar todas as áreas da vida, incluindo governo, educação, economia e moralidade pública.
É claro que essas abordagens são apenas iniciais. Cada item desta coluna daria um livro inteiro, se analisado em todas as suas implicações e consequências. A realidade é que estamos diante de um problema seríssimo na política brasileira: um projeto de poder autoritário, antidemocrático e com forte viés religioso. Nada diferente do que foram o nazismo e o fascismo. E é bom que saibamos entender esse momento para enfrentarmos os desafios de forma assertiva e eficaz. E não é atacando “os evangélicos” (como se fossem uma massa uniforme e totalmente alienada) que resolveremos isso.
Entender realidades, contextos e processos será fundamental para disputarmos corações e mentes, até que esse perigo seja de uma vez por todas afastado de nós. Paciência, esquerda! Paciência e um pouco de humildade para aprender de vez em quando.
Na próxima semana, vamos distinguir quem são os protestantes históricos, evangélicos pentecostais e neopentecostalismo. Não é tão simples quanto parece...
Temos muito chão pela frente.