OPINIÃO

Manipulações midiáticas sobre as animosidades entre Irã e Israel

Os noticiários não manipulam apenas o presente; também ocultam condicionantes históricos essenciais para entender as animosidades entre Teerã e Tel Aviv

Comentaristas da GloboNews em debate sobre a guerra no Oriente Médio.Créditos: Reprodução / GloboNews
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Quem quiser compreender o que se passa no (complexo) xadrez geopolítico global, e se posicionar em favor dos povos oprimidos como nós, brasileiros – afinal de contas não existe neutralidade possível –, uma primeira sugestão é não acreditar nas manipulações presentes nos noticiários internacionais da grande mídia brasileira. Aliás, a palavra “noticiários” é até suave, pois, na prática, estamos falando em veículos de comunicação que atuam como verdadeiras máquinas de propaganda de guerra do imperialismo estadunidense e seu aliado estratégico no Oriente Médio, o sionismo.

Como temos acompanhado, a pauta do momento diz respeito aos mísseis lançados pelo Irã contra Israel, em resposta à ofensiva sionista no Líbano (em especial à morte do chefe do Hezbollah, Hasan Nasrallah, ocorrida semana passada). 

Para noticiar o acontecimento, a Rede Globo interrompeu sua programação normal. Com expressão firme e tom de voz mais sério que o habitual, a apresentadora Renata Vasconcellos anunciou: “Sirenes de alerta foram acionadas em todo o país assim que foram identificados os ataques. Os mísseis teriam sido interceptados, em sua maioria, pelo sistema de defesa antiaéreo de Israel. [...] Você vê nas imagens”. 

A estratégia editorial, sobretudo ao mostrar os mísseis cruzando o espaço aéreo israelense, era apresentar Israel como “vítima” e o Irã como “algoz”. Ironicamente, não vemos a emissora da família Marinho parar sua programação quando Israel ataca (de forma muito mais violenta) o Líbano, o Irã ou a Palestina.

Por falar nisso, nos discursos geopolíticos da Rede Globo e da mídia hegemônica em geral, quando Israel ataca países árabes e muçulmanos é comum o uso de expressões como “defesa de Israel” e “retaliação”. Por outro lado, investidas contra o território israelense são apresentadas como “escalada do conflito” ou “provável início da guerra regional”. Assim, é ocultado o fato de o sionismo – com seu caráter colonial e expansionista – ser o principal fato de instabilidade política do Oriente Médio. 

Também é importante destacar que, no referido ataque a Israel, não houve vítimas fatais, pois o Irã, ao contrário do Estado sionista, visa alvos militares; e não a população civil. Redundante dizer que, também nesse caso, os discursos geopolíticos da grande mídia invertem a realidade. 

Mas não basta demonizar o governo de Teerã. É preciso reforçar estereótipos sobre as populações dos países árabes e muçulmanos, representando-as como inerentemente beligerantes; “terroristas” em potencial. Nesse sentido, uma matéria do Jornal O Globo trouxe o seguinte título: “Pessoas celebram nas ruas de Teerã, Bagdá e Gaza após ataque iraniano a Israel”. 

Não é novidade! A mesma estratégia discursiva foi utilizada na repercussão do famoso atentado de 11 de setembro, quando, no Jornal Nacional, Willian Bonner apontou que “nos territórios ocupados por Israel palestinos comemoravam a maior ofensiva terrorista de todos os tempos”. Já a Folha de São Paulo foi mais longe. Reproduziu uma fake news, divulgada pela Reuters, em que imagens de comemorações por um jogo de futebol foram noticiadas como “celebrações de árabes pelos ataques às Torres Gêmeas”. 

Por outro lado, se há uma população que apoia esforços de guerra, é a israelense. Segundo pesquisa recente do Instituto de Democracia de Israel, a maioria da população do país é contra um acordo político detalhado para acabar com o genocídio em Gaza, e dois terços se opõem à ajuda humanitária ao território palestino. Certamente, Bonner não dirá isso no Jornal Nacional. 

Mas os noticiários não manipulam apenas o presente; também ocultam condicionantes históricos essenciais para entender as animosidades entre Teerã e Tel Aviv. Comumente, ouvimos/lemos/assistimos na imprensa hegemônica que a inimizade do Irã com Israel (e também com os Estados Unidos) tem início em 1979, com a Revolução Iraniana, quando o Xá Reza Pahlevi (o governante monárquico do Irã), aliado do Ocidente e de Israel, foi derrubado por “fundamentalistas islâmicas”. 

Porém, não se fala que, em 1953, Israel, em conluio com Estados Unidos e Reino Unido, apoiou o golpe de Estado no Irã que derrubou o governo nacionalista de Mohammed Mossadegh e instituiu a ditadura submissa ao Ocidente do anteriormente mencionado Xá Reza Pahlevi. Posteriormente, o Mossad – agência de inteligência nacional de Israel – ajudou na criação da SAVAK, a polícia secreta iraniana, conhecida por sua truculência e práticas de tortura.

Portanto, além do genocídio do povo palestino – o que, por si só, já é motivo para qualquer nação se opor a Israel – a ingerência passada de Tel Aviv também explica a hostilidade do Irã ao Estado sionista. 

Desse modo, diante dessas linhas jornalísticas pró-Israel, é oportuno lembrarmos as históricas palavras de Malcolm X: “se você não for cuidadoso, os jornais farão você odiar as pessoas que estão sendo oprimidas, e amar as pessoas que estão oprimindo”.