MÚSICA

Clube da Esquina, clássico da música mineira, é reconhecido internacionalmente - por Francisco Fernandes Ladeira

Clube da Esquina ainda é da América do Sul, é do ouro, e, sobretudo, é de Minas Gerais

Créditos: Divulgação
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O álbum duplo Clube da Esquina – gravado por Milton Nascimento e Lô Borges, em companhia de outros músicos mineiros, como Toninho Horta, Beto Guedes, Tavito e Wagner Tiso – quando foi lançado, em 1972, não causou muito alarde; tampouco teve o devido reconhecimento que uma obra-prima da música merece. 

Como bom habitante das alterosas, o disco permaneceu “retraído”, restrito, de alguma forma, às fronteiras de Minas Gerais.  Teve a paciência necessária para esperar ser valorizado. 

Poucos movimentos musicais se fundiram tanto com a paisagem de sua região quanto o Clube da Esquina. Se os fenômenos endógenos e exógenos que formaram e esculpiram o ondulado relevo mineiro tivessem trilha sonora, certamente seriam as músicas de Milton Nascimento, Lô Borges e companhia. O álbum também forneceu as músicas que acompanharam as viagens no trem azul, com o sol na cabeça, e as paisagens das janelas laterais dos quartos de dormir.

A musicalidade do Clube da Esquina reflete o que é ser mineiro. Não esquece suas raízes (vide influência do Barroco), mas não deixa de estar conectado com o que acontece no mundo (como nas harmonias influenciadas pelos Beatles e pelo rock progressivo). 

A última faixa do lado B, “Clube da Esquina nº 2” (ainda em sua versão instrumental) é uma espécie de hino informal de Minas Gerais. No final da década de 70, a música ganharia os clássicos versos de Márcio Borges (irmão de Lô): “Porque se chamava moço, também se chamava estrada, viagem de ventania [...] Porque se chamavam homens, também se chamavam sonhos e sonhos não envelhecem…”

Não por acaso, um internauta comentou no Youtube: “quando escutei essa linda música foi amor à primeira vista, sinto cheiro de terra molhada, som de Maria Fumaça e café ‘fresquim’ (assim mesmo, com sotaque)”

Parafraseando a bandeira de Minas Gerais, meio século depois do lançamento, veio o reconhecimento nacional, ainda que tardio. Em 2022, uma seleção realizada por 162 especialistas em música, consultados pelo podcast Discoteca Básica, apontou Clube da Esquina como “o melhor disco brasileiro de todos os tempos”. Escolha justíssima e uma reparação histórica. 

No entanto, lembrando o recado apresentado em “Para Lennon e McCartney”, o mundo ainda não conhecia o “lixo ocidental” do Clube da Esquina (referência ao pouco reconhecimento que a cultura brasileira tem no exterior). Mas isso também era questão de tempo.

Eis que, recentemente, a revista cultural estadunidense Paste Magazine elegeu “Clube da Esquina” como um dos dez melhores discos da História da música mundial (o único interpretado em uma língua não inglesa). Para formar a lista, foram avaliados os quesitos “influência” e “atemporalidade”. “Com malhas de pop barroco e folk, com toques de psicodelia e MPB, o 'Clube da Esquina' se inspira tanto nos Beatles quanto em Chopin, criando um dos projetos sul-americanos mais ricos já compostos. Com 64 minutos de duração, o álbum duplo nunca supera a sua própria criatividade”, apontou a publicação dos Estados Unidos. 

Não que o reconhecimento internacional seja necessário para avaliar a qualidade inquestionável. Mas podemos dizer que, Clube da Esquina, “mineiramente”, agora é do mundo, porém ainda conserva as lembranças do que era, quando estava na estrada de terra, na boleia de caminhão. Remetendo novamente a “Para Lennon e McCartney”, mesmo ganhando o mundo, o Clube da Esquina ainda é da América do Sul, é do ouro, e, sobretudo, é de Minas Gerais. 

*Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Unicamp

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.