Uma contadora de casos, que logo se transformam em histórias que a gente não quer que acabem. Repórter experiente, ela busca a notícia não importa onde estiver. Mas não se engane, ignora a política, os escândalos de corrupção, as denúncias.
O que atiça a morena de sotaque baiano são casos de gente, cenas da vida. Ter detalhes, minúcias, essa é a marca principal de suas tramas mirabolantes. A gente ouve atento e ri com gosto.
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Rita, esse é nome dela, não se aperta. Quando não tem novidade, inventa. E todos riem do mesmo jeito. Se bem que alguns perguntam: Será? É bom demais pra ser verdade...
Um bom amigo de Rita, o Jurandir, se assustou numa madrugada. Ela estava ofegante, quase a gritar ao telefone, nem deu tempo de ele ver as horas.
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Rita contou que saía de uma balada e se viu diante de um acidente.
Jurandir oferece ajuda e ela pede para não ser interrompida – é a cara da Rita, ele pensa e começa a despertar porque a história é mesmo de tirar o sono.
- O SAMU chegou e o Super-Homem está na maca. A Mulher-Maravilha parece tonta, já o Batman teve um corte no supercílio.
Jurandir acende a luz, vê que são quatro e meia da madrugada.
- Que isso, um trote?
Rita não dá chance à reclamação e descarrega os detalhes, os tais detalhes.
- O carro verde dos três super-heróis bateu na traseira de um caminhão de lixo reciclável. Eu estava atrás e vi quando os lixeiros, ainda assustados, foram socorrer as vítimas. Por causa dos vidros escuros não conseguiam ver quem estava lá dentro. Quando a porta se abriu e apareceu um super-homem de um metro e oitenta com aquela capa, eles quase desmaiaram. Em seguida, surgiram a Mulher-Maravilha e o Batman. Os lixeiros esfregavam os olhos. Ficaram paralisados.
Rita se empolga.
- A Mulher-Maravilha pediu meu celular emprestado e ligou pra família.
Jurandir já está desperto.
- Rita, não brinca. Quem são essas pessoas? Super-Heróis no meio da rua, na madrugada? É uma gravação pra TV?
- Jurandir, se toca. Eles saíam de uma festa à fantasia. Se você não acredita eu vou desligar!
- Não, agora não. Quero saber de tudo.
- Acabam de chegar o Homem-Aranha e o Zorro. Uau, que fantasias, que heróis.
- Posso ir até aí? Jurandir pergunta já a vestir a calça, a amarrar o tênis e com o celular no viva-voz.
- Vem. Ah, meu Deus.
- O que foi?
- A mãe da Mulher-Maravilha saiu de um táxi de pijama de bolinhas, pantufas e está em choque. Não entende como a filha se despediu há poucas horas de camiseta e jeans e agora está com essa roupa. A menina disse que ia ver o namorado, que agora virou Batman.
- Estou indo. Jurandir entra no elevado, liga o carro. O acidente é a 5 quilômetros.
O telefone continua ligado.
- A polícia tá na área.
Mais detalhes.
- São quatro soldados, um cabo e uma sargento. A sargento Mirian. Ela me contou que vai dividir a equipe. Metade presta socorro e os outros três vão averiguar essa história de festa à fantasia.
- Como assim?
- Está desconfiada, acha que pode ter droga no meio.
Jurandir já está caminho e não consegue deixar de rir da amiga, sempre repórter. Sempre sonhadora e aventureira.
- Vem logo, acho que não vai dar tempo.
- Estou a dois minutos daí.
- Corre, corre.
O asfalto brilha com a chuva fina.
- Vou desligar. Nossa como você dirige devagar. Tchau.
Ele está alerta, olha e não encontra polícia e muito menos ambulância. Nenhum sinal de super-heróis. Silêncio total.
Embaixo do viaduto uma luz cintilante reflete na pista. É o pisca alerta do carro de Rita. Jurandir estaciona. Vai até a amiga, que ouve Marina Lima no rádio.
- Jurandir, eu avisei que não ia dar tempo. Acabaram de sair...
- Pô, isso não é brincadeira.
- Na real? Se eu fosse a Mulher-Maravilha, te levava agora para suíte de um hotel 5 estrelas.
Jurandir fecha os olhos. Rita acelera.
É segunda-feira. Primeiro de abril de 2019.
Essa crônica, publicada em 2010 no livro Ponte Aérea, foi reescrita pelo autor Luis Cosme Pinto
*Luis Cosme Pinto é autor do livro de crônicas, Birinaites, Catiripapos e Borogodó, da editora Kotter.
**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.