CRÔNICA

Josefa; Parte 2 – Por Luis Cosme Pinto

Ninguém sabe, ninguém viu. Procura-se quem assaltou Josefa, a famosa moradora da rua das Palmeiras

Luis Cosme Pinto.Créditos: Editora Kotter/Reprodução
Escrito en OPINIÃO el

A memória certeira de minhas poucas e fiéis leitoras e leitores, não tropeça: há uma semana festejamos Josefa e seus quarenta anos.

Nome de benzedeira, dona de curvas discretas e tímida no silêncio de todo dia, é, desde que nasceu, moradora da rua das Palmeiras, na Vila Buarque. A surpresa da última crônica foi que Josefa é uma árvore*.

Mangueira que distribui sombra, ar puro e dá muito mais do que manga. Dá história.

No tronco de Josefa, uma placa escrita com fita isolante informava: EU SOU JOSEFA, PLANTADA EM 15/03/1983. Pelo menos aqui na Vila, não há outra árvore com certidão de nascimento.

Dois dias depois, a placa sumiu, se escafedeu. É, Josefa foi assaltada. É possível roubar uma árvore? E a polícia onde estava? Prefeitura, Guarda Civil, câmeras de segurança...

A placa de fórmica abraçava o caule com uma corrente prateada e tinha o reforço de parafusos.

Cícero, um manobrista que podia ser detetive, já começou a investigação e me conta de suas suspeitas. Teria sido um vizinho que levou a placa pra enfeitar a sala de casa? Ou a modesta sucata mexeu com a cobiça de algum endividado, que surrupiou a certidão pra vender em ferro-velho? Puro vandalismo, maldade?

Que dó! O enfeite já fazia parte daquele corpo roliço de casca rígida. Bem fixada, enrolada no caule, parecia um crachá, ou um colar. O charme de Josefa.

E além da estética, era a prova: a árvore tinha mãe.  

Cicero me repete a história eternizada na rua das Palmeiras. Há quarenta anos, uma moradora, a dona Josefa, plantou a árvore. Deu-lhe nome, carinho, adubo e um cercadinho para que a muda crescesse com segurança. A filha, a mangueira, deslanchou; a mãe, a mulher, sumiu.

Voltei à sombra generosa de Josefa em busca de explicação.

Ninguém sabe, ninguém viu.

A mulher, com criança, cachorro e compras, se arregala por cima dos óculos.

- Certidão de nascimento de árvore? Tá brincando comigo, moço?

Insisto, em vão. A Palmeiras não é rua de contemplação, é de trabalho. O carreto sai com geladeira quebrada, o bate-estaca amassa o subterrâneo do arranha-céu; o passageiro corre atrás do carro de aplicativo, o casal dorme em sua cama de papelão.

Ninguém olha Josefa, além de Cicero e eu. Odiosa indiferença com a vizinha altiva, que viveu suas linhas de fama há poucos dias. Fama fugaz, é verdade, como o voo do sabiá que rodeia a mais carnuda das mangas, agora já um pouco rosada, quase pronta pro bote.

Nas redes sociais, a história de Josefa experimentou um sopro de visualizações e curtidas. Roberto estava de olho. Leitor mais que especial, lá do Leblon, no Rio de Janeiro, me conforta com palavras e imagem. Conta que se a mangueira daqui tem mãe, a de lá tem pai.

Roberto manda a foto de uma árvore frondosa, companheira do chaveiro que trabalha em sua sombra numa calçada do bairro. Escreve assim, esse meu leitor tão querido, amigo do verde e das boas histórias.

“O Marco que trabalha de chaveiro há vários anos aqui e que gosta de manga foi quem plantou. Ele é botafoguense e sempre que tem manga e o Botafogo ganha ele come uma. Se a vitória for em cima do Flamengo, saboreia com mais prazer ainda.”

E você, leitora ou leitor, pouco importa o time, a cidade, ou o país, também conhece outros amigos e amigas das mangueiras?

 Mangueira do RJ enviada pelo leitor/Luis Roberto de Miranda

*Luis Cosme Pinto é autor do livro de crônicas Birinaites, Catiripapos e Borogodó, da editora Kotter.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.