A memória certeira de minhas poucas e fiéis leitoras e leitores, não tropeça: há uma semana festejamos Josefa e seus quarenta anos.
Nome de benzedeira, dona de curvas discretas e tímida no silêncio de todo dia, é, desde que nasceu, moradora da rua das Palmeiras, na Vila Buarque. A surpresa da última crônica foi que Josefa é uma árvore*.
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Mangueira que distribui sombra, ar puro e dá muito mais do que manga. Dá história.
No tronco de Josefa, uma placa escrita com fita isolante informava: EU SOU JOSEFA, PLANTADA EM 15/03/1983. Pelo menos aqui na Vila, não há outra árvore com certidão de nascimento.
Dois dias depois, a placa sumiu, se escafedeu. É, Josefa foi assaltada. É possível roubar uma árvore? E a polícia onde estava? Prefeitura, Guarda Civil, câmeras de segurança...
A placa de fórmica abraçava o caule com uma corrente prateada e tinha o reforço de parafusos.
Cícero, um manobrista que podia ser detetive, já começou a investigação e me conta de suas suspeitas. Teria sido um vizinho que levou a placa pra enfeitar a sala de casa? Ou a modesta sucata mexeu com a cobiça de algum endividado, que surrupiou a certidão pra vender em ferro-velho? Puro vandalismo, maldade?
Que dó! O enfeite já fazia parte daquele corpo roliço de casca rígida. Bem fixada, enrolada no caule, parecia um crachá, ou um colar. O charme de Josefa.
E além da estética, era a prova: a árvore tinha mãe.
Cicero me repete a história eternizada na rua das Palmeiras. Há quarenta anos, uma moradora, a dona Josefa, plantou a árvore. Deu-lhe nome, carinho, adubo e um cercadinho para que a muda crescesse com segurança. A filha, a mangueira, deslanchou; a mãe, a mulher, sumiu.
Voltei à sombra generosa de Josefa em busca de explicação.
Ninguém sabe, ninguém viu.
A mulher, com criança, cachorro e compras, se arregala por cima dos óculos.
- Certidão de nascimento de árvore? Tá brincando comigo, moço?
Insisto, em vão. A Palmeiras não é rua de contemplação, é de trabalho. O carreto sai com geladeira quebrada, o bate-estaca amassa o subterrâneo do arranha-céu; o passageiro corre atrás do carro de aplicativo, o casal dorme em sua cama de papelão.
Ninguém olha Josefa, além de Cicero e eu. Odiosa indiferença com a vizinha altiva, que viveu suas linhas de fama há poucos dias. Fama fugaz, é verdade, como o voo do sabiá que rodeia a mais carnuda das mangas, agora já um pouco rosada, quase pronta pro bote.
Nas redes sociais, a história de Josefa experimentou um sopro de visualizações e curtidas. Roberto estava de olho. Leitor mais que especial, lá do Leblon, no Rio de Janeiro, me conforta com palavras e imagem. Conta que se a mangueira daqui tem mãe, a de lá tem pai.
Roberto manda a foto de uma árvore frondosa, companheira do chaveiro que trabalha em sua sombra numa calçada do bairro. Escreve assim, esse meu leitor tão querido, amigo do verde e das boas histórias.
“O Marco que trabalha de chaveiro há vários anos aqui e que gosta de manga foi quem plantou. Ele é botafoguense e sempre que tem manga e o Botafogo ganha ele come uma. Se a vitória for em cima do Flamengo, saboreia com mais prazer ainda.”
E você, leitora ou leitor, pouco importa o time, a cidade, ou o país, também conhece outros amigos e amigas das mangueiras?
*Luis Cosme Pinto é autor do livro de crônicas Birinaites, Catiripapos e Borogodó, da editora Kotter.
**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.