Borrachinha, Caixa D’água, Joia, Magrão e Chumbinho;
Pudim, Asa e Danone;
Brinco, Cebolinha e Chegado.
Escalação de um time de várzea? Não, essa era a equipe de editores de imagem de uma das principais redações do telejornalismo brasileiro.
Profissionais respeitados, ganhavam bem e trabalhavam num velho e apertado prédio na região central de São Paulo. Tudo isso bem antes da internet, da TV a cabo, do Streaming, quando a TV tinha muito mais audiência, poder e dinheiro. Diante da tela, o Brasil parava e - naqueles tempos - acreditava.
Os apelidos faziam parte de uma realidade mais divertida, mais improvisada, mais criativa. Gostando ou não, a regra era aceitar. Uma boa estratégia quando se recebia um apelido? Arrumar outro pra alguém. Quem iria se aborrecer com a doçura de um Pudim ou o brilho de uma Joia? A gente até esquecia os nomes verdadeiros daqueles Campeões de Audiência.
Editores ou editoras, de texto ou imagem, trabalhavam em dupla. Um pensava na informação, nas entrevistas, no que devia ser reescrito; o outro selecionava as cenas mais quentes, o melhor áudio e montava a matéria. Erravam e acertavam juntos. Na penumbra das ilhas de edição se aprendia muito.
Também se conversava, brigava e se apaixonava. Amores verdadeiros surgiram ali, amizades pra toda vida, nem se fala.
Os profissionais competentes e bem preparados que estão hoje na redação da mesma empresa não possuem mais apelido. Têm nome e sobrenome, alguns com tantas consoantes que a gente precisa perguntar a pronúncia; têm também curso superior, muitos falam mais de um idioma, possuem especializações. Isso é ótimo e faz parte de uma mudança profunda.
Na nova era, editores de texto e imagem deixaram de trabalhar lado a lado nas ilhas. Cada um tem seu monitor, às vezes só conversam por aplicativo, mesmo a dez metros de distância.
Hoje - proporcionalmente - as emissoras empregam menos, pagam menos e também faturam menos. Os profissionais se adaptam, é o jeito.
Diverte-se pouco nas redações e menos que o necessário lá fora. Sabe-se lá porque as TVS se isolaram aqui em São Paulo. Uma se mudou para a beira da estrada, outra se esconde num bairro triste e distante e mais uma ocupa o meio do nada.
Quase todas estão escondidas atrás de muros altos. As filas de pessoas que pediam ajuda em programas populares desapareceram, os candidatos a figurantes em novelas ou cantores nos programas de calouros também.
Os funcionários chegam e saem do estacionamento subterrâneo em carros fechados e escondidos pelos vidros escuros. No tempo daquele time afiado e seus fantásticos apelidos, passava-se antes no botequim, que era colado na emissora. Real, Solar, barraca do João, lanchonete do seu Zé, cada TV tinha como vizinho um boteco bem abastecido. Ali se conversava, se pendurava a conta e, mais uma vez, se aprendia. Sem cair na armadilha empoeirada do saudosismo, a tecnologia nos separou. Na ilha e na vida.
É claro que as amizades e namoros não acabaram, tampouco as brigas. Mas o dia a dia é outro, se tornou sisudo e contido em ambientes em que não se pode gritar, fumar, comer ou beber.
São redações cenário e camisetas de time, partido ou bandeiras são proibidas. Gargalhadas e lágrimas também não são bem vindas. Nada de bagunça.
Sobrevivem a memória e os apelidos.
Nescau, Tonelada, Picolé, Beleza e Caju;
Melado, Capeta e Patrão;
Porpeta, Jarrão e Gralha.
A lista é farta e brota com incrível rapidez.
Prego, Dinossauro, Zé Lagoa, Dengue e Prugue (assim mesmo);
Madruga, Coelhão e Marcha Lenta;
Aqui sabedoria e uma dose de sarcasmo.
Beiço, Caveira, Feinho, Boca de Arame, Apertadinho;
Capacete, Perfumado, Baliza, Coquinho, Geleia.
Esses todos, também Campeões de Audiência, são os craques que iam - e alguns ainda vão - pra rua em busca de notícia em todo o Brasil. As equipes de externa. Cinegrafistas, operadores, motoristas.
Uma usina de criação de apelidos e de histórias. Como a do jovem repórter que começou a ser chamado de Cabeção. O novato, de testa larga e alta e cocoruto espichado, acreditou que com bico e bronca resolveria o problema.
Numa segunda feira de manhã, cerrou sobrancelhas, apertou a gravata e falou grosso.
- Não admito mais que me chamem de Cabeção. Quem insistir vai virar meu inimigo e se explicar na chefia.
No dia seguinte, os colegas anunciaram arrependidos.
- Foi mal aí. Nunca mais te chamaremos de Cabeção. A partir de agora teu nome de guerra é... Corpinho.
* Agradeço ao amigo Abiatar Arruda, que me ajudou com sua memória fantástica e generosa.
* Luis Cosme Pinto é autor do livro de crônicas Birinaites, Catiripapos e Borogodó, da editora Kotter.
**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.