De uma em uma, de um em um, igual pingo de garoa, leitoras e leitores responderam à minha pergunta: você conhece algum amigo do verde?
De repente, os lugares estavam trocados. Era eu a ler as histórias que eles me contavam. Histórias cada vez mais numerosas. A garoa já era chuva.
Tudo começou com Josefa, personagem central das duas últimas crônicas. Lá embaixo, deixo os links dos textos para refrescar a memória.
Josefa, a única árvore com certidão de nascimento que tive o prazer de conhecer na vida, foi assaltada. Nas mangas, ainda verdes, ninguém buliu, o larápio levou foi a placa de identificação presa ao tronco, tal qual um colar.
Meus escassos leitores e leitoras, que agora começo a descobrir que não são tão poucos assim, reagiram. Muitos reclamaram e um deles, o Roberto, nos confortou ao escrever sobre o chaveiro Marco, que plantou mangueira no Leblon, no Rio. Começou com muda, depois o caule esticou, a sombra espalhou e a manga espada, macia e carnuda, não falta.
Marco conta uma tradição. Quando o Botafogo ganha ele saboreia uma manga. Craque em trocar segredo de fechadura e fazer cópia de chave, Marco também alimenta os micos que visitam o local, um trecho bastante verde do bairro.
- Com tantas vitórias do meu Botafogo, acho que os micos vão ter que procurar outra freguesia, estou comendo duas ou três por semana.
Do Canadá, a leitora Wanja lembrou do sítio da família, no interior da Bahia.
- A fruta era super doce e a gente se perguntava: será que vovô botou um pote de mel quando plantou a mangueira?
A mensagem de duas linhas chega da Serra Gaúcha minutos depois. O paulistano Luiz, morador de Nova Petrópolis, deixa a manga pro passarinho, Ele curte mais a sombra que a copa frondosa oferece que o sabor da fruta.
Já o gaúcho Marcelo digita do Planalto Central. Plantou muda junto com a filha. Bastou ler a crônica e bateu saudade. Lembrou que há alguns anos deixou de visitar a árvore. Promete voltar lá e mandar foto.
É a vez do seu Tokunaga. O homem que conversa com as árvores garante que mangueirasó não nasce onde neva, ou seja, está em quase todo o Brasil. Há 70 e poucos anos, ele, garoto de calça curta, escalava tronco e galhos para saborear a manga coquinho, no quintal de casa, no interior paulista.
Teresinha vive e trabalha perto de Josefa, a árvore da rua das Palmeiras. Ela acreditava que a tal certidão de nascimento atraía respeito e não vandalismo. Com sabedoria e tristeza, me escreveu assim: “Como é possível alguém atacar a mangueira Josefa? A gente não vive sem as árvores, só que elas não precisam da gente.
A boa notícia é que a “família Josefa”, tem gerações e gerações com incontáveis primos, tias, genros e sogras. Almir trocou São Paulo por Santos. Muitas vezes está de frente pro mar e em vez das ondas vê os amigos e a boa conversa do balcão do bar do Tutu, no paulistano bairro de Pinheiros.
Do outro lado da rua, um tronco forte, qual pilastra, folhas largas e bem verdes. Quantas tardes Almir e sua turma não passaram na companhia da mangueira de pelo menos 30 anos e mais de 20 metros de altura? Ah, se mangueira falasse...
Seu Artur, o dono do Tutu, viu quando o tio Américo, recém chegado de Portugal, inaugurou o bar e em frente plantou a muda. Américo fez cercadinho e não economizou em água, adubo e carinho.
Américo se foi e a mangueira é a mais bela árvore do pedaço. Houve tempos de tanta manga que Artur amarrava uma garrafa pet ao cabo de vassoura e colhia as frutas mais maduras. No mínimo, duas safras por ano. Mangas grandes, doces, de se lambuzar.
A mangueira cresce a cada dia, está forte, bonita e até floriu, mas uma outra mudança é preocupante. Quem me conta é o próprio seu Artur.
- Faz quase três anos que eu nunca mais colhi uma fruta. As mangas sumiram.
É mais um mistério na sinuosa história de Josefa e sua grande família.
(https://revistaforum.com.br/opiniao/2023/6/22/josefa-por-luis-cosme-pinto-138113.html)
(https://revistaforum.com.br/opiniao/2023/6/29/josefa-parte-por-luis-cosme-pinto-138531.html)
*Luis Cosme Pinto é autor do livro de crônicas, Birinaites, Catiripapos e Borogodó, da editora Kotter.
**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.