Política é teatro. Nos Estados Unidos, de fato existe um “estado profundo”, como alegam os apoiadores de Donald Trump.
A formulação de políticas de Estado, que dependem mais ou menos dos governos de turno, é feita em think thanks sustentadas por gente endinheirada e pela burocracia do Pentágono. Cabe à Central de Inteligência Americana (CIA) implementá-la.
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Diferentemente do que nos fazem crer os filmes de Hollywood, a CIA recruta para sua cúpula homens brancos sem calos nas mãos, formados nas melhores universidades da Ivy League. Eles contratam políticos, diplomatas e militares estrangeiros como “informantes” e assassinos de aluguel demandados pela ocasião.
Por circunstâncias muito específicas do sistema eleitoral dos Estados Unidos, alguns eleitores valem muito mais que outros. Os eleitores de Nova York ou da Califórnia pouco importam para os Republicanos. São dois estados que majoritariamente votam em candidatos Democratas à Casa Branca.
O mesmo não se pode dizer dos chamados “campos de batalha”, como Ohio, a Pensilvânia e a Flórida, que ora votam com Republicanos, ora com os Democratas.
O peso destes estados relativamente pequenos é desproporcional no Colégio Eleitoral que escolhe o presidente.
O presidente Ronald Reagan, que governou entre 1980 e 1988, produziu os chamados “Democratas do Reagan”, ou seja, uma fatia significativa de eleitores que é liberal nos costumes mas conservadora em questões econômicas.
É uma franja do eleitorado que decide eleições.
Quando Donald Trump, em entrevista recente, disse que os Estados Unidos estavam “perdendo” o Brasil para a China, é nestes eleitores que ele mirava.
São, majoritariamente, homens de classe média branca, que se importam muito com a “América” como exemplo para o mundo. São os herdeiros do Destino Manifesto, segundo o qual os Estados Unidos foram escolhidos por Deus para civilizar o planeta.
Esta franja de “swing voters” decide a eleição. Mal comparando, representam o PSD na antiga configuração da política brasileira, ora votando com o PTB, ora com a UDN.
Estes eleitores são suscetíveis ao discurso de extrema-direita, que remete a um passado idealizado, em que a hegemonia dos Estados Unidos era coisa divina e a “ameaça externa” é sempre presente — seja na forma de muçulmanos de turbante, seja na dos amarelos de olhos puxados do Oriente.
Donald Trump é expert em mobilizá-los usando o que se convencionou chamar de “apito do cachorro”, um discurso que não é abertamente supremacista, nem xenofóbico, mas desperta emoções profundas, herdadas de um mundo que coloca os homens brancos no topo da pirâmide social.
Do ponto-de-vista de um homem branco de Ohio, quando um presidente do “quintal dos Estados Unidos”, no caso Lula, fala contra aquilo que ele ouve martelado na TV como sendo a verdade, é um acinte.
Foi o que tornou possível Juan Guaidó ser recebido com palmas em plena sede do Congresso dos Estados Unidos, com os parlamentares em pé, sem que ninguém notasse que era um presidente fake da Venezuela, inventado pela diplomacia de Washington.
É só por isso que porta-vozes do governo Biden se deram ao trabalho de dizer que os brasileiros estão mais preocupados com a fome do que com as opiniões de Lula sobre a Ucrânia, de desqualificar o ocupante do Planalto como “papagaio” de Moscou e Beijing ou de insistir que o ocupante da Casa Branca não é promotor de guerras.
Trump, oportunista, tem dito ao eleitor de Ohio, um estado-pêndulo, que os Estados Unidos devem investir mais em si próprios do que em guerras no estrangeiro. Que é preferível gastar na reforma do viaduto de Dayton do que na reconstrução de Kiev.
Quando ocupou a Casa Branca, Trump demonizou os chineses até conseguir que Beijing comprasse bilhões de dólares em soja dos produtores de Ohio, dentre outros compromissos comerciais.
Foi à Coreia do Norte pessoalmente, mas rejeitou o tratado nuclear com o Irã e apertou as sanções contra Cuba, de olho na fatia de eleitores judaicos e hispânicos da Flórida, que decidem as eleições no estado.
É dentro deste contexto que temos de entender o comportamento da Casa Branca em relação ao Brasil e a Lula. São nuances que, ainda bem, temos o ex-chanceler Celso Amorim para entender como ninguém.
Lula faz a sua parte: joga os Estados Unidos contra a China e vice-versa, para extrair dividendos. Como, aliás, seu antecessor Getúlio Vargas fez com Estados Unidos e Alemanha.