Ele já foi fardado duas vezes ao programa de Jô Soares, no SBT e na Globo. Convidado de Danilo Gentili, compareceu ao estúdio com o colete que tem um imenso SWAT escrito no peito, além da palavra “instructor” em inglês. Além disso, pendurou bem visível o símbolo de sua empresa, o CATI, e fez merchan da Action X, que se apresenta como a principal fornecedora de equipamentos para a prática de airsoft, jogo em que são disparados projéteis fake, de plástico.
Mas, não foi só. Ao lado de Sabrina Sato, que portava um fuzil fake, Marcos do Val, com uma vistosa camisa amarela – com “instructor”, sempre em inglês, escrito nas costas – comandou diante das câmeras o que definiu como “progressão em área de risco”.
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No Facebook, tem hoje mais de 3,8 milhões de seguidores, boa parte dos quais angariou antes de ser eleito senador pelo Espírito Santo, em 2018, com 863.359 votos, na onda do bolsonarismo.
Tendo sua trajetória catapultada pelo fato aparentemente extraordinário de ser instrutor da SWAT nos Estados Unidos, Marcos do Val queria abrir a CPI do Terrorismo na Câmara, Senado ou na Câmara Distrital de Brasília para provar que o governo Lula sabia com antecedência que as sedes do Congresso, do STF e o Palácio do Planalto seriam atacadas no dia 8 de janeiro.
“O Presidente Lula, após ter ciência dos atos de vandalismo que seriam praticados [...] solicitou, de última hora (no sábado), aeronave presidencial com destino ao interior de São Paulo”, ele postou em sua página no dia 24 de janeiro.
Dias depois, deu entrevistas gravadas à revista Veja dizendo que o ex-presidente Jair Bolsonaro pediu a ele que gravasse o ministro do STF Alexandre de Moraes.
“Ele é sem noção das consequências”, afirmou em relação a Bolsonaro, que teria dito a ele que o Gabinete de Segurança Institucional “ia me dar o equipamento para poder montar para gravar”.
Nos dias seguintes, Marcos do Val foi se desdizendo, até publicar um vídeo (obviamente, com o botton da SWAT na lapela do paletó) em que afirmou: “Tem repórter dizendo que o senador tá se contradizendo, que o senador tá tendo desequilíbrio emocional. Tudo isso é proposital. Falei para vocês sobre o good cop, bad cop, tem várias técnicas que são utilizadas. E eu tô fazendo uso de todas elas”.
No vídeo, ele disse que Jair Bolsonaro estava sendo comunicado de sua estratégia e chamou os filhos Flávio e Carlos de “parceiraços”.
Marcos do Val nunca foi policial
O que chama atenção, no entanto, é que ainda hoje o senador se escora num pretenso conhecimento de técnicas policiais nas quais ele seria especialista, o que é contestado por um grupo de militares dos Estados Unidos.
Acredite quem quiser, Marcos do Val nunca foi policial, ainda que no seu avatar do twitter ele apareça abrindo a camisa, como se fosse um Clark Kent pronto a se transformar em Superhomem – só que em vez do S aparece escrito SWAT.
Embora muitos dos seus votos tenham sido obtidos com a defesa da segurança pública, a experiência militar do senador foi apenas a de ter servido como soldado no 38° Batalhão de Infantaria, em Vila Velha, na juventude.
Em sua biografia oficial, Marcos do Val diz que desenvolveu técnicas de imobilização a partir do aprendizado de aikido, no Japão, o que teria sido o embrião de sua empresa, o CATI (Centro Avançado em Técnicas de Imobilização), com base no Espírito Santo.
Em 2008, ele ganhou notoriedade ao aparecer no Fantástico, da TV Globo, como se fosse especialista em sequestros, criticando o comportamento da polícia paulista no caso Eloá, em que o Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE) da polícia paulista tentou uma invasão desastrada do cativeiro que acabou na morte da refém.
No dia seguinte, Reinaldo Azevedo, próximo do governador de então, o tucano José Serra, polemizou com Marcos do Val:
“O sujeito atarracado e evidentemente fora de forma que tem aparecido na TV como ‘instrutor da SWAT’ para criticar a polícia brasileira quando os assuntos são técnicas de invasão e controle de situações como a do sequestro de Santo André não tem credenciais para isso”, escreveu Azevedo.
“Parece ser também especialista na arte do engodo e da autopromoção”, acrescentou.
Foi além: “A SWAT não existe. A SWAT, assim, com artigo definido, não existe. Aos fatos: SWAT – sigla para Special Weapons and Tactics – é o nome convencional para grupos de operações especiais e de alto risco nas polícias americanas. Muitos nem têm esse nome”.
Isso é fato. Mas, atribuindo as críticas à amizade entre o jornalista e José Serra, Marcos do Val perseverou no ramo, até se eleger em 2018 com fama de durão contra o crime.
Com fuzil na mão, Marcos do Val consolidou imagem de treinador da polícia
Em 2015, no livro “Um brasileiro na SWAT”, de Ana Lígia Lira, o hoje senador apareceu em destaque na capa, vestido de preto e portando um fuzil. Sua imagem de guerreiro extraordinário, capaz até de treinar a polícia dos Estados Unidos, estava consolidada.
Ainda hoje, em seu perfil do twitter, o senador aparece numa montagem entre o símbolo da SWAT de Dallas, no Texas, e um blindado onde está escrito Dallas Police – ele veste uma camiseta escura onde também aparece o escudo da SWAT local.
No entanto, além de nunca ter sido policial, Marcos do Val ou o CATI nunca tiveram relação institucional com a polícia de Dallas.
Respondendo à Fórum, a cabo Melinda Gutierrez, assessora de relações públicas do Departamento de Polícia de Dallas, disse que “o senhor Do Val conduziu treinamento aqui nos Estados Unidos em conjunto com a Texas Tactical Peace Officers Association (TTPOA), não especificamente com o Departamento de Polícia de Dallas. Muitos anos atrás, tivemos oficiais da SWAT que viajaram ao Brasil em seu tempo livre, mas não como representantes oficiais da SWAT de Dallas”.
A TTPOA é uma espécie de clube de policiais, uma entidade que não faz parte do aparato de Estado no Texas.
Marcos do Val já foi denunciado como "uma farsa"
Em 2017, a Gazeta Brazilian News, que se anuncia como o principal jornal brasileiro da Flórida, deu voz a dois brasileiros que denunciaram Marcos do Val como “uma farsa”.
Lincoln Batista, cidadão americano que serviu ao Exército dos Estados Unidos no Afeganistão, foi um dos autores da denúncia.
Lincoln foi baseado nos fortes Hood e Lewis entre 2006 e 2017 e passou 9 meses em Cabul. Hoje, é reservista e vive em Huntsville, no Alabama.
Ele diz que não tem nenhuma pendenga pessoal ou comercial com Marcos do Val, apenas se revoltou por acreditar que o agora senador brasileiro cometeu crime que no Brasil seria equivalente a se fazer passar por policial.
“A SWAT é uma instituição que conta com os melhores policiais que são os que dão crédito à instituição. Mas, uma pessoa que foi contratada para dar aula de imobilização sair falando que é membro da SWAT, tirar fotos mostrando ‘police’ no uniforme e sem passar uma imagem clara do que realmente ele faz para a população é uma vergonha”, afirmou.
“Ele é instrutor de imobilização, mas não um membro da SWAT. Por isso, ele não utiliza arma de fogo, sendo que o trabalho dele não é policial. Mas a propaganda se passando por um policial está explícita. Não é culpa dele que o pessoal entende errado, mas ele passa essa imagem segurando armas como se fosse ferramenta de trabalho dele, mas não é”, acrescentou.
Lincoln se deu ao trabalho de montar uma página no Facebook, com outros colegas da área militar e de segurança, batizada de Stolen Valor Brasil, dedicada a “desmascarar falsos militares, policiais, veteranos e instrutores que falsificam suas credenciais”.
"Stolen Valor" é literalmente "valor roubado".
É uma referência à lei de 2005, assinada pelo presidente George W. Bush, que tornou contravenção punível por até seis meses de cadeia “o uso, manufatura ou venda não autorizada de qualquer condecoração ou medalha militar”.
A página, que chegou a 17.144 curtidas, foi tirada do ar no Brasil, segundo Lincoln por ação de Marcos do Val. Ele teria tentado processar o militar na Justiça do Espírito Santo, sem sucesso.
Mas, Lincoln insistiu: lançou outra página, a Stolen Valor Brasill, com dois eles, “dedicada à caça de embusteiros, falsários e estelionatários que se passam por policiais”.
Em troca de mensagens e por telefone, Lincoln reafirmou à Fórum as denúncias que vem fazendo contra Marcos do Val nas redes sociais desde 2016.
“Ele sempre bloqueia as pessoas que questionam. Uma das [perguntas] mais simples é: qual sua patente na SWAT? Não existe cargo de instrutor, instrutores aqui são os mais experientes e qualificados pelo departamento [de polícia]”, escreveu Lincoln.
O senador se desfez do CATI antes de assumir o seu primeiro cargo público. Mas, ainda é perseguido pela denúncia de que teria inflado o seu currículo.
No caso do Texas, ele diz que é membro honorário da SWAT da pequena Beaumont, uma cidade de apenas 120 mil habitantes que não é exatamente uma capital do crime.
Em Dallas, Marcos do Val de fato desenvolveu relações com integrantes da associação TTPOA, a organização sem fins lucrativos formada por policiais e veteranos que edita uma revista e promove cursos de aperfeiçoamento.
De acordo com Lincoln Batista, o hoje senador usou sabiamente o marketing para promover cursos pagos em todo o Brasil, exagerando sua relação com tropas de elite dos Estados Unidos.
Embora a página do CATI na internet agora tenha acesso restrito, ainda está funcionando um perfil da empresa no Facebook.
A CATI International Police Training tem 22 mil seguidores e postou pela última vez em julho de 2018, ano em que Marcos do Val saiu candidato pela primeira vez na vida e se elegeu de forma surpreendente com apoio do bolsonarismo.
A página anunciou, ao preço promocional de U$ 2 mil, que faria um curso de “Super Swat” no Texas, entre 16 de abril e 5 de maio de 2017. O valor não incluía passagem aérea, alimentação, hospedagem e custos com o visto americano. Nela, aparecem ofertas de cursos em todo o Brasil.
As conferências nos Estados Unidos, no entanto, seriam dadas pela associação de policiais que não tem relação formal com a SWAT de Dallas.
Lincoln Batista sustenta que o acesso de Marcos do Val a policiais do Texas se deu por influência de um amigo, ex-militar e ex-policial da SWAT. A sede americana do CATI, segundo Lincoln, foi registrada num endereço ligado ao amigo de Do Val, em Lumberton, Texas, que fica a 20 quilômetros de Beaumont, onde o hoje senador conseguiu o título de membro honorário da SWAT por conta da influência do parceiro.
Em suas redes sociais, Marcos do Val se diz vítima de perseguição e argumenta que fez muitos inimigos ao defender a empresa brasileira Taurus, uma grande exportadora de armas para os Estados Unidos.
Uso da SWAT para ganhar dinheiro, diz dossiê
O soldado Lincoln e seus amigos prepararam um dossiê de 67 páginas com denúncias sobre o que consideram o uso inadequado da SWAT por um não policial, no caso do Val, para ganhar dinheiro.
Nas redes sociais, militares, ex-militares, policiais, ex-policiais, veteranos de guerra, atiradores e soldados da fortuna formam uma comunidade expressiva, que se organiza em torno de cursos e feiras de armamento.
Foi nesta comunidade que as denúncias contra Marcos do Val ferveram, a ponto dele publicar um vídeo em fevereiro de 2017 admitindo que nunca foi policial.
“Ressaltando o que disse neste vídeo, que não tenho nenhum vínculo empregatício com a cidade de Dallas, com a polícia de Dallas, com a SWAT de Dallas e nem com qualquer outro departamento de polícia. Eu dei e dou treinamentos de Imobilizações Táticas para essa unidade e tantas outras unidades da SWAT através da TTPOA - Associação dos Policiais Táticos do Texas”, ele escreveu.
Um vídeo disseminado pela página do Stolen Valor, no entanto, mostra que em ao menos três ocasiões Marcos do Val disse ser policial.
“Fui convidado para fazer parte do time, então trabalhei com a unidade cinco anos como policial”, diz ele numa entrevista gravada.
Em outro vídeo, uma pessoa pergunta se Marcos do Val é policial.
“Fui lá nos Estados Unidos durante cinco anos, hoje eu dou aula lá desde o ano de 2000, aula para a SWAT nos Estados Unidos”, responde.
No print de uma conversa por escrito que teve com um de seus questionadores, o hoje senador escreveu: “Camarada, acho que falta mais pesquisa sua. Veja na descrição do meu perfil, lá eu falo quem eu sou e o que faço. Apesar de ter sido policial por 5 anos aqui nos Estados Unidos, eu nunca falei que ainda sou”.
No dossiê organizado por Lincoln, consta uma visita que Marcos do Val fez a uma unidade policial de Paris, a convite do francês Alexandre Vigier. Do Val estava acompanhado por um PM do Paraná. Houve visita às instalações, exibição de técnicas de imobilização e torneios de tiro. O hoje senador deu de presente ao anfitrião uma caveira-símbolo do BOPE, o Batalhão de Operações Especiais da PM do Rio de Janeiro.
Vigier, instrutor de tiro tático, gravou um vídeo depois de receber questionamentos sobre Marcos do Val em sua página.
“Conheci o Marcos do Val pelo Facebook. Eu achava que ele era policial, instrutor da SWAT”, ele disse.
“Na Europa, quando você diz que é instrutor da SWAT, você faz parte da instituição”, acrescentou.
Vigier disse que foi advertido pelo comandante de sua unidade quando foi descoberto que Marcos do Val não era policial. Da mesma forma, disse que quando recebeu o símbolo do BOPE das mãos do brasileiro, diante de familiares e superiores hierárquicos, também acreditou que do Val era instrutor do BOPE. Só depois soube que Marcos tinha repassado a ele um presente que ganhou de um terceiro.
Defesa dos EUA nega treinamentos da CATI a agentes
Ainda hoje, em sua biografia, Marcos do Val diz que sua empresa treinou agentes da NASA, FBI, Navy Seals e do Vaticano.
Lincoln Batista diz que seu grupo questionou o Departamento de Defesa dos Estados Unidos e em fevereiro de 2017 recebeu a resposta do setor de Operações Especiais do Comando Sul de que não há registro de que Marcos do Val tenha participado ou dado instruções às Forças Especiais do Exército ou ao pessoal da US Navy Special Warfare, que inclui os Navy Seals.
A Fórum questionou as entidades citadas por Marcos do Val em sua biografia, mas ainda não obteve resposta.
De acordo com o senador, ele recebeu dois títulos de doutor honoris causa. Um da Facei, a Faculdade Einstein, de Salvador. Outro da Erich Fromm World University, da Florida.
O que não está escrito na biografia é que o diretor-geral da Facei é o mesmo reitor da Erich Fromm.
A universidade registrada na Flórida informa que oferece títulos de doutor honoris causa “para todos aqueles que tenham uma larga experiência curricular, de forma tácita e/ou explícita”.
E explica: “O prestígio da universidade que atribui o Doutoramento Honoris Causa para uma personalidade, geralmente de âmbito internacional, fica bastante enriquecido, porque a partir daquele momento esta pessoa fará parte do corpo de doutores daquela universidade”.
Os números de telefone das duas escolas que constam na internet não atendem, nem mesmo a contatos por WhatsApp.
No Instagram, onde tem 766 mil seguidores, o senador Marcos do Val se apresenta como “membro de honra e ex-instrutor da SWAT nos Estados Unidos e da unidade antiterrorismo da NASA”.
Lincoln Batista sustenta que Do Val tem um histórico de exageros em suas viagens internacionais. Num curso do CATI em Portugal, ele foi apresentado em uma TV local como “das forças especiais do Brasil”.
De uma publicação sobre "Grandes Mestres das Artes Marciais", compartilhada pelo próprio do Val, Lincoln sustenta que há claros exageros: que o brasileiro teria treinado a segurança do papa no Vaticano, participado oficialmente de operações da SWAT nos Estados Unidos e sido o único brasileiro a obter um visto especial do governo estadunidense por causa de sua qualificação.
Além disso, Lincoln aponta para a inconsistência dos diferentes currículos que o hoje senador apresentou ao longo do tempo. Da página marcosdoval.com.br, que já saiu do ar, Lincoln recolheu o seguinte print:
“Instrutor do DEA, US Army e de centenas de equipes das SWAT’s em todos os EUA. Ministra regularmente treinamentos para o grupo Antiterrorismo da equipe de operações especiais da NASA (Marshall Space Flight Center) nos EUA. Foi chamado com urgência para treinar soldados americanos das forças especiais que estavam para lutar na guerra do Afeganistão e Iraque”.
De todos os exageros que teriam sido cometidos pelo hoje senador brasileiro, segundo Lincoln, o que mais o chocou foi numa entrevista dada ao Fantástico, no qual Marcos do Val repetiu que teria treinado forças especiais dos Estados Unidos. "Eu tenho security clearance", diz o militar, referindo-se à checagem que antecede o acesso de qualquer pessoa a ambientes onde circulam informações confidenciais.
Marcos do Val nunca teve tal privilégio nos Estados Unidos e, portanto, não poderia ter treinado pessoalmente as unidades de elite do Pentágono. "Como ele não é cidadão americano, nem policial poderia ser aqui", afirma.
Lincoln disse que está à disposição do senador para um debate ou mesmo uma ação na Justiça dos Estados Unidos para comprovar os dados que reuniu no dossiê. "O máximo que ele vai conseguir é ter de se explicar", desafia.