OPINIÃO

Bagdá, Vietnã e mão invisível dos EUA no golpe contra Dilma - Por Luiz Carlos Azenha

O que incomoda os EUA não é o comunismo. Mas, o nacionalismo e a soberania alheia.

Jair Bolsonaro presta continência à bandeira dos EUA.Créditos: Reprodução/Youtube
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Sattar foi nos buscar em Amã, na Jordânia. Fizemos a longa travessia do deserto, em direção a Bagdá, na impecável estrada construída pela Odebrecht, antes da empresa ser destruída pela Lava Jato.

 A invasão de tropas dos Estados Unidos, para derrubar Saddam Hussein, já se anunciava.

Sattar, discreto, era de pouca fala. Só depois de muita insistência confessou: tinha planos para se refugiar com a família no interior.

Para minha surpresa e a de meu colega cinejornalista Sherman Costa disse que pretendia empunhar uma arma e enfrentar as tropas dos Estados Unidos.

O dilema de Sattar, adversário do regime de Saddam, só se resolveria para o repórter ocidental, dias depois.

Numa entrevista com um intelectual iraquiano, ele deixou claro: apesar de Saddam, vamos defender o Iraque de uma invasão estrangeira.

O nacionalismo que o próprio partido Baath, de Saddam, tratou de incutir na sociedade iraquiana falava mais alto que qualquer rejeição à ditadura que esmagava a maioria xiita ou os intelectuais de esquerda.

Apesar dos pesares, iraquianos como Sattar estavam conscientes de algo muito maior estava em jogo: a soberania sobre o petróleo, por exemplo.

Não por acaso, depois do Choque e Espanto de George W. Bush, os Estados Unidos trataram de proteger acima de tudo a sede do ministério encarregado do petróleo e os poços de onde jorrava a riqueza.

Tudo o mais ficou sujeito à depredação.

Corte brusco para o Vietnã, anos 2000.

Os turistas estadunidenses visitam Hanói, a capital que Washington bombardeou como nenhuma outra cidade, talvez tanto quanto a Dresden de Hitler.

São bem recebidos pelos vietnamitas.

No interior, vamos a uma procissão que precede o plantio do arroz. As famílias tiram fotos de seus antepassados de casa e as colocam em palanques, para desfilar pelas ruas.

É uma cerimônia religiosa, em que os de hoje pedem uma boa colheita aos parentes mortos.

O desfile tem a benção do Partido Comunista. No palanque que fecha o desfile, a imagem de Ho Chi Minh, o herói nacionalista que libertou o Vietnã do imperialismo francês e estadunidense.

Pergunto ao guia sobre o evento. Ele sustenta que a sociedade vietnamita era “comunista” muito antes de Marx e Lênin.

Como o arroz é plantado em terras alagadas, é impossível discernir exatamente entre as terras de Pedro e João, a não ser por um fio de barbante que marca a fronteira entre elas.

Não há como alagar a terra de Pedro sem fazer o mesmo com as de João. Por isso, todas as decisões são necessariamente comunitárias.

Comunismo antes mesmo dele existir nos livros.

Embora Marx e Lênin tenham eventualmente influenciado os vietcong, Ho Chi Minh é de fato a figura central. Não por ser comunista de extração Ocidental. Mas, por ser nacionalista. 

Um nacionalismo que levou o Vietnã a guerrear com a China e a derrubar o governo supostamente comunista do vizinho Camboja.

O guia, bem informado, explica em poucas palavras que os Estados Unidos nunca de fato tiveram problema com o comunismo. Nem o primeiro-ministro do Irã, Mohammed Mossadegh, nem o presidente da Guatemala, Jacobo Arbenz, eram comunistas. Ainda assim não foram poupados pela CIA.

Eram nacionalistas. Por isso, foram derrubados. O que incomoda, simplificando, é a soberania alheia.

Isso nos ajuda a explicar a privatização da Vale e da reserva mineral de Carajás. Auxilia no entendimento do golpe contra Dilma e na disputa pelo controle do pré-sal. Um fantasma do passado ajuda nossa compreensão: onde existia o manganês da Serra do Navio, no Amapá, essencial para o esforço da Segunda Guerra, ficaram uma cratera e a miséria locais.