ECONOMIA

Ouro Yanomami: BC, de Campos Neto, manteve compra de toneladas em sigilo, e a conexão HStern

Em meio à operação da PF e o bloqueio de R$ 2 bilhões dos investigados, informações já divulgadas de inquéritos anteriores seguem sem resposta, especialmente quanto ao destino do ouro banhado em sangue indígena

Dinheiro de suposto esquema de esquentar ouro ilegal apreendido pela PF.Créditos: DPF
Escrito en OPINIÃO el

Em meio à operação Sisaque, da Polícia Federal, que cumpre três mandados de prisão e 27 de busca e apreensão nesta quarta-feira (15) para desmontar uma organização criminosa de contrabando de ouro ilegal no território Yanomami, em Roraima, ainda há muito o que ser esclarecido sobre ações já desencadeadas e inquéritos instaurados pelos agentes que seguem sem resposta.

LEIA TAMBÉM: Campos Neto deu prejuízo de R$ 298,5 bi ao Banco Central em 2022 e população paga a conta

Na ação desta quarta-feira, a justiça autorizou o sequestro de mais de R$ 2 bilhões dos investigados - que ainda não tiveram seus nomes divulgados. 

O valor, no entanto, é quase irrisório diante do volume recorde de ouro adquirido pelo Banco Central durante o governo Jair Bolsonaro (PL).

Em maio de 2022, o Portal do Bitcoin, no Uol, revelou que em apenas três meses - entre maio e julho de 2021 -, sob o comando de Roberto Campos Neto, o Banco Central comprou o montante de 129 toneladas de ouro, que equivalia à época a R$ 39 bilhões.

Com Campos Neto na presidência, o BC foi o terceiro Banco Central do mundo que mais comprou ouro em 2021, atrás apenas da Hungria e Tailândia. 

A operação ocorreu sob sigilo e à época o BC e Campos Neto se recusaram a responder quaisquer questionamentos feitos por jornalistas, mesmo por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).

A aquisição do ouro pelo Banco Central é alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) movida pelo Partido Verde no Supremo Tribunal Federal (STF). A ação pede que Campos Neto explique a compra de ouro pelas Distribuidoras de Valores Mobiliários (DTVMs) com base no princípio da "boa-fé" - estipulado na Lei 12.844/2013.

De acordo com a ADI, as DTVMs estão autorizadas a comprar o ouro com base unicamente nas informações fornecidas pelos comerciantes, sem com que o metal passe por qualquer tipo de mecanismo de controle que aponte sua origem - legal ou não.

Relator do caso, que será colocado em pauta no plenário do STF, Gilmar Mendes questionou o BC, que disse estudar, em colaboração com órgãos públicos, soluções tecnológicas para "tornar as transações com o ouro recém-extraído mais transparentes e auditáveis". 

Segundo o BC, sua atuação é a fiscalização da regularidade da contabilização do ouro.

Compradores

Na investigação iniciada em 2021 - e que foi às ruas nesta quarta -, a Polícia Federal aponta que o ouro extraído da Amazônia Legal era exportado principalmente por meio de uma empresa sediada nos Estados Unidos.

A organização seria responsável pela comercialização em países como Itália, Suíça, Hong Kong e Emirados Árabes Unidos, de forma clandestina, mas com aparente legalidade. Uma das formas de fazer isso era criando estoques fictícios de ouro, de modo a acobertar uma quantidade enorme do minério sem comprovação de origem lícita.

Segundo a investigação, do início de 2020 até o final de 2022, as emissões de notas fiscais eletrônicas fraudulentas teriam sido superiores a R$ 4 bilhões, correspondendo aproximadamente a 13 toneladas de ouro ilícito.

O inquérito apura como o ouro fruto do garimpo ilegal na Terra Yanomami é "esquentado" para chegar às grandes joalherias instaladas em shoppings de luxo. 

Inquéritos da própria PF, divulgados pela Repórter Brasil em 2021, no entanto, já mostravam o esquema para esquentar o ouro extraído de forma ilegal no território indígena.

Segundo a PF, o esquema para esquentar o ouro tem início em Boa Vista, capital de Roraima, onde empresas como a Gold Joias, compram o ouro dos garimpeiros que atuam de forma ilegal.

De lá, o ouro é esquentado pelas chamadas Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs) por meio do princípio da boa-fé e negociado com grandes joalherias, como a HStern, presente na maioria dos shoppings de luxo do país.

Segundo o Repórter Brasil, o ouro extraído em território Yanomami tem dois destinos. Um deles são países vizinhos, como Venezuela, Suriname e Guiana Francesa. O outro são os pequenos comerciantes de Boa Vista que, sem permissão do Banco Central, compram o ouro e negociam com as DTVMs.

Para dar aparência legal, o atravessador preenche, manualmente, uma nota fiscal declarando que aquele ouro saiu de um garimpo legalizado – as chamadas Permissões de Lavras Garimpeiras, autorizadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM). 

A partir de então, é emitida uma nota fiscal pelas DTVMs, que vendem para os grandes grupos joalheiros ou instituições financeiras, como o Banco Central.