A crise climática está sendo convertida em catástrofe por conta da avalanche de desinformação que bloqueia, distorce e desacredita medidas urgentes, segundo o relatório Facts, Fakes, and Climate Science, divulgado nesta quinta-feira (19) pelo Painel Internacional sobre o Ambiente da Informação (IPIE).
Leia aqui o relatório na íntegra (em inglês)
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A publicação revisou 300 estudos científicos com revisão por pares e conclui que campanhas orquestradas por empresas de combustíveis fósseis, políticos de extrema direita e até governos vêm minando a confiança pública na ciência climática.
O estudo mostra que a estratégia negacionista evoluiu: se antes se negava a existência das mudanças climáticas, hoje o foco é deslegitimar soluções — como a falsa alegação de que a energia renovável teria provocado o apagão na Espanha.
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Robôs, contas falsas e influenciadores nas redes sociais amplificam essas narrativas, enquanto tomadores de decisão políticos são alvos preferenciais de pressões informacionais que visam atrasar políticas ambientais.
Brasil tem papel de destaque
O Brasil tem presença no grupo de pesquisadores que elaboraram o relatório: o cientista político Carlos Milani, da UERJ, integra o painel.
Apesar da escassez de estudos sobre o tema na América Latina, o documento aponta que o país poderá exercer liderança na COP30, em 2025, ao sediar em Belém uma das mais importantes conferências da ONU sobre o clima.
O governo brasileiro pretende mobilizar apoio internacional para uma resolução que combata juridicamente a desinformação climática.
Além disso, o Brasil participa da Iniciativa Global pela Integridade da Informação Climática, liderada pelas Nações Unidas. A proposta inclui a responsabilização legal de empresas de combustíveis fósseis e agências de publicidade que promovam conteúdos enganosos sobre o meio ambiente.
A “dupla farsa” da indústria fóssil
O relatório aponta que a indústria de petróleo e gás protagonizou uma “dupla farsa”: primeiro, negando o aquecimento global e suas causas humanas; depois, se reinventando por meio do greenwashing, tentando parecer sustentável sem de fato mudar suas práticas. Outras indústrias também são citadas como propagadoras de desinformação: o setor elétrico dos EUA, a agropecuária intensiva, a aviação, o turismo e cadeias de fast food.
Donald Trump é mencionado como um dos principais disseminadores de mentiras sobre o clima, com frases como “a ciência do clima é uma farsa”, amplamente replicadas por bots e redes coordenadas. O relatório também identifica o uso de fazendas de trolls por agências de inteligência da Rússia para espalhar desinformação ambiental.
Na Europa, partidos de extrema direita como o AfD (Alemanha), Vox (Espanha) e Reagrupamento Nacional (França) são apontados como responsáveis por atacar deliberadamente a ciência climática, enquanto veículos de mídia conservadores amplificam o ceticismo e teorias da conspiração.
Soluções propostas
O IPIE apresenta um pacote de soluções para conter a desinformação:
- Regulamentação das redes sociais para uma moderação mais eficaz de conteúdo;
- Obrigatoriedade de relatórios de emissões padronizados para empresas de energia;
- Litígios contra greenwashing e campanhas enganosas;
- Fortalecimento da educação científica e midiática, para que cidadãos e autoridades saibam identificar falsidades.
O relatório alerta que os próximos cinco anos são decisivos para cortar as emissões pela metade e limitar o aquecimento global. “Sem informações corretas, não haverá ação correta”, resume o professor Klaus Jensen, da Universidade de Copenhague, um dos coordenadores do estudo. Para ele, a integridade da informação é um pilar tão importante quanto as metas de carbono.
Reação da ONU
O impacto é tão sério que a ONU, pela voz da relatora especial para direitos humanos e mudanças climáticas, Elisa Morgera, propôs medidas inéditas para enfrentar o avanço da desinformação climática global.
Em relatório apresentado no último dia 13 de junho, ela recomendou que os Estados criminalizem práticas sistemáticas de greenwashing — ou seja, campanhas de marketing que apresentam falsas soluções ambientais — e também a disseminação intencional de informações falsas sobre o clima.
O documento foi divulgado oficialmente em Genebra, na Suíça, durante sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, e adverte que a integridade da informação climática é uma condição indispensável para a proteção dos direitos humanos frente à crise ambiental. Segundo Morgera, “os Estados devem desfossilizar seus sistemas de informação”, cortando vínculos estruturais com décadas de propaganda patrocinada por empresas de combustíveis fósseis.
A relatora propõe não apenas responsabilizar judicialmente as próprias empresas poluidoras, mas também criminalizar agências de publicidade, veículos de mídia e plataformas digitais que ampliem ou monetizem a desinformação climática. “A manipulação da verdade sobre o clima não pode mais ser tolerada como mera liberdade de expressão comercial. Está diretamente ligada à inação política e à degradação ambiental irreversível”, afirmou Morgera.
Ela defende ainda que os Estados adotem normas que obriguem empresas a divulgar dados padronizados sobre emissões de gases do efeito estufa e a rotular claramente conteúdos patrocinados com potencial de desinformação.
A proposta de Morgera chega às vésperas da Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP30, marcada para ocorrer em novembro de 2025, em Belém do Pará, no Brasil. O governo brasileiro, que lidera uma coalizão internacional sobre a integridade da informação climática, deve incluir o tema entre as prioridades das negociações multilaterais.
A iniciativa está inserida no âmbito da Global Initiative for Information Integrity on Climate Change, lançada em 2024 com apoio de países como Reino Unido, França, Chile e Marrocos.
Já o secretário-geral da ONU, António Guterres, havia se manifestado em junho de 2024 a favor da proibição global da publicidade de combustíveis fósseis, classificando essas empresas como os “padrinhos do caos climático”.