Faleceu na madrugada desta sexta-feira (5) o extraordinário Jô Soares, figura que deve ter inspirado milhares de pessoas neste Brasil, eu sou uma delas. Para mim, Jô sempre foi uma personagem que nos dizia que, muitas vezes, nós é que criávamos limites para a nossa vida, mas isso é assunto para outro texto.
Quero tratar do dia em que Jô Soares lavou a nossa alma, das LGBT, em um momento em que vivíamos sob forte ataque da extrema direita fundamentalista do Brasil. Sim, antes de virar moda nós já éramos perseguidas por esses representantes do obscurantismo que chegaram ao poder central.
Pois bem, o ano era 2010 e o Brasil vivia um intenso debate em torno do PLC 122/06, que visava tornar crime a LGBTfobia.
Digamos que foi neste momento que o fundamentalismo religioso do Brasil saiu completamente do armário e partiu para aquilo que eles próprios denominaram como “guerra santa”. À época, quatro personagens encampavam essa “batalha”: Magno Malta, Marco Feliciano, Silas Malafaia e Marcelo Crivella. Todos da extrema direita e fundamentalistas.
Para os representantes do fundamentalismo religioso, o PLC 122/06 era antidemocrático, pois, os proibiria de, em programas de TV e rádio, espalhar discursos de ódio contra as LGBT. O embate se dava em torno desse artigo do projeto de lei, que foi apelidado pelos pastores de “lei da mordaça”.
Aqui cabe fazer mais um contexto histórico: nesse momento, com exceção da imprensa LGBT e da alternativa, a Fórum entre elas, não havia uma cobertura digamos, positiva sobre as LGBT, geralmente figurávamos nos cadernos de saúde ou criminais e quase sempre em pautas que visavam nos humilhar.
À época, ter uma personagem das artes e da comunicação brasileira do porte de Jô Soares com um discurso favorável ao combate à LGBTfobia e ao PLC 122, foi um marco.
Mas Jô Soares foi além e esmagou uma das principais figura do fundamentalismo brasileiro em rede nacional.
Pois bem, munido de discurso de ódio, o fundamentalista Marcelo Crivella foi ao programa do Jô Soares para, em rede nacional, afirmar que os homossexuais eram, digamos, doentes. Com o seu jeito irônico, Jô desmontou os argumentos de Crivella.
Antes do diálogo entre eles, um destaque: em 2010 a palavra homossexualismo ainda era utilizada, algum tempo depois é que ela cairia em desuso. Em determinado momento, Marcelo Crivella diz: "Eu acho que é pecado, que não é natural e acho que tenho o direito de expressar".
Vamos ao diálogo:
Jô Soares: Mas porque não é natural se é uma coisa... você fala como se fosse uma opção, que a pessoa de repente diz 'hummm, eu acho que vou ser homossexual, tô gostando desse negócio aí, é bom, porque eu vou sofrer muito, vou ser um pária na sociedade, dizem que não há mais preconceito, mas há... é o que eu quero. Sou masoquista, quero sofrer mesmo' [...] então se isso... se ele nasceu assim, como é que pode ser contra a natureza, se tudo que Deus fez é bom? Por que a igreja tem que opinar sobre isso?
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Crivella: Eu acho que as pessoas têm que ter opinião própria, eu tenho a minha, você tem a sua e tem que ser respeitado, o que a lei da homofobia quer é transformar em crime de opinião, uma coisa antidemocrática, com pena de 2 a 5 anos, quem criticar o homossexualismo.
Jô Soares: Você acha que deve se deixar criticar... o homossexualismo é passível de crítica? Isso é que eu não entendo. Eu acho que é a mesma coisa que dizer assim "vamos criticar agora o gordo. O gordo é um pecador, porque é contra a natureza, é antinatural, logo é pecado". O cara é gordo. Eu? É pecador.
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Crivella: Você parte de um princípio de que a homossexualidade é uma coisa genética...
Jô Soares: Não necessariamente, algumas nascem assim, outras não... ou que seja uma opção, a pessoa chega, sei lá, 50 anos, "vou virar viado", o que é que a igreja tem a ver com isso? Por que o sujeito é mais pecador por causa de uma opção sua? Eu não vejo qual é o pecado já que não interfere na sua salvação. Eu não vejo ninguém no céu barrando a entrada de uma pessoa, "você é viado, vai pro inferno", eu não consigo ver isso".
Com o seu jeito único e irônico, Jô Soares desmontou a falácia dos fundamentalistas utilizando os próprios argumentos destas hostes religiosas que teimam em perseguir e promover ódio contra as LGBT. Um momento histórico da TV brasileira que não deve ser esquecido.