A retórica política diante da crise fiscal em São Vicente – Por Danilo Tavares
A promessa de prosperidade futura — improvável e politicamente irrelevante no curto prazo — paralisa a sociedade
A crise fiscal em São Vicente tornou-se o cenário para uma manobra de sobrevivência política, onde a mera possibilidade de uma jazida de petróleo passou a ser retratada como salvação iminente. Este ensaio examina como essa retórica serve para camuflar as causas estruturais do colapso financeiro local, deslocando o foco do debate democrático ao trocar políticas públicas reais por projeções incertas sobre o futuro.
Em um contexto de falência oficial, reconhecida pelo próprio governo municipal, o entusiasmo repentino diante de uma hipotética jazida offshore simboliza uma falácia discursiva — não uma solução concreta. Em vez de enfrentar sua própria ineficiência, a administração aposta em um artifício retórico, criando uma válvula de escape imaginária.
O prefeito Kayo Amado converte um simples ofício endereçado à Petrobras em narrativa de protagonismo, tratando um gesto institucional como se fosse garantia de acesso futuro a recursos ainda inexistentes. “Obrigado, meu Deus!”, ele diz. Essa interpretação ignora — por escolha ou desconhecimento — as normas legais que regulam os royalties do petróleo no Brasil.
A Lei nº 12.734/2012, que orienta a distribuição desses recursos, estabelece critérios objetivos definidos pela ANP. Apenas os municípios confrontantes — posicionados em linha reta com os campos produtores — têm direito aos repasses, o que depende de levantamentos técnicos e geológicos ainda não realizados para saber quais municípios estão aptos.
De acordo com a própria Petrobras, esses estudos estão previstos apenas para 2027. Mesmo que a exploração se mostre viável, a produção comercial — caso ocorra — só deverá começar na década de 2030. Essa defasagem temporal é essencial: atrelar um período de emergência fiscal a uma promessa distante revela mais que imprudência — mostra uma estratégia de desresponsabilização.
Como explicam Adams et al. (2009), trata-se de uma "futurologia performativa": o uso do futuro como ferramenta simbólica para administrar crises do presente. Essa retórica encobre falhas administrativas com projeções imaginárias.
Experiências em cidades como Ilhabela (SP), Macaé (RJ) e Campos dos Goytacazes (RJ) demonstram que os royalties muitas vezes geram dependência fiscal, sem garantir desenvolvimento sustentável. Ao investir em uma riqueza hipotética, São Vicente arrisca repetir o padrão da “maldição dos recursos” (Sachs & Warner, 2001), com crescimento ilusório seguido de estagnação institucional.
O maior impacto dessa narrativa ilusória é o esvaziamento do debate público. A promessa de prosperidade futura — improvável e politicamente irrelevante no curto prazo — paralisa a sociedade. A expectativa de que "algo virá" substitui a pressão por ações imediatas. Isso compromete a própria essência da política como prática transformadora.
É necessário reconhecer: São Vicente não enfrenta a crise por ausência de petróleo, mas sim por uma série de decisões políticas equivocadas — tomadas, muitas vezes, pelos mesmos atores que agora vendem a ideia de um futuro que sequer começou a ser construído.
*Danilo Tavares (@danilotavaressol) é produtor cultural, funcionário público municipal e secretário de comunicação do PSOL de São Vicente, além de membro do Conselho de Economia Solidária de São Vicente e do Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista.
**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.