OPINIÃO

Crônica: Creme do colarinho branco - Por Luis Cosme Pinto

Estamos num dos bares mais queridos do Brasil, o Amarelinho, na Cinelândia. As cadeiras na calçada que acomodaram multidões durante décadas e testemunharam comícios e passeatas, se viram desertas durante a Covid

Bar Amarelinho da Cinelândia, no Rio.Créditos: Facebook
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Mais gorda que magra, mais quente que fria e essencial: firme, rija; não era molenga, frouxa.

A mão do Toninho pegou a minha com vontade, direita com direita. Aperto sincero, com o balanço na medida, nem eufórico demais, nem indiferente.

Foi assim o meu primeiro aperto de mão, depois de quase dois anos de pandemia. Era o segundo semestre do ano de 2021.

Por um décimo de segundo deu medo. Confiava que o cauteloso soquinho, ou o encontro de cotovelos, resolvia bem a questão, sem a necessidade e o risco de tocar a mão de um desconhecido.

Com todo o respeito, vai saber onde aquela mão grande de dedos compridos não andou pegando? Ou melhor, sei bem por onde se meteu e já conto.

A verdade é que ninguém recusaria o cumprimento de Toninho com sua máscara de plástico transparente, o braço estendido, a mão e o sorriso abertos. Apertei e balancei com prazer. Senti as palmas unidas e a pressão dos dedos.

Um cumprimento que evitei com amigos íntimos e até parentes. Porém, com Toninho aconteceu.

Garanto que a mão que se aperta faz diferença, como faz! E não adianta se encharcar com álcool gel. Lembro de um chefe de mão mole, quase despencando do pulso. Nunca mereceu confiança e ainda atrasava o trabalho oferecendo por toda a redação a mão desengonçada para apertar. Do mesmo jeito que um deputado traíra, que antes das entrevistas coletivas fazia as unhas na manicure da Assembleia Legislativa e aí vinha se chegando com as palmas lisas e úmidas.

Melhor voltarmos a Toninho. Estamos num dos bares mais queridos do Brasil, o Amarelinho, na Cinelândia. As cadeiras na calçada que acomodaram multidões durante décadas e testemunharam comícios e passeatas, se viram desertas durante a Covid até que as portas fecharam. Reabriram, pra minha sorte, na semana em que eu estava na cidade.

Esse é um dos motivos da felicidade do Toninho. Emprego de volta é igual a contas em dia

As mãos do garçom Toninho se revezam entre o calor das bandejas com petiscos e refeições; e os copos gelados de drinques e chopps.  

Um deles chega à mesa ao lado, um chopp bem tirado com dois dedos daquela proteção branca, o polêmico colarinho. O freguês reclama, não gosta da espuma por cima do chopp. Toninho se desculpa e eu peço que aquela tulipa suada com sua cremosa espuma fique pra mim. Ele pisca o olho em agradecimento e quando o freguês vai ao banheiro, puxa assunto.

- Chopp sem colarinho pra mim não é chopp.

- É cerveja? Pergunto

- Não.

- É o que então?

- Guaraná, moço. Guaraná caçula.

Ele dá uma risada vistosa e eu acompanho.

Autoridade no assunto, o garçom me explica que o cremoso colarinho mantém a temperatura e o sabor do chopp, porque protege o líquido.

- É o creme do colarinho branco, já conhecia?

De novo, a gente cai na risada.

Nessa hora o garçom se apresenta e nossas mãos se encontram. Vou embora com vontade de ficar e vejo quando meu novo conhecido levanta a bandeja e oferece em outra mesa:

- Mais um gelado, doutor?

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Também estava apagada da memória a saborosa sensação de um tapinha nas costas.  Um gesto afetuoso, que às vezes é elogio, em outras um carinho na despedida. Também pode servir como incentivo, cumprimento, perdão, ou manifestação solidária do tipo: “conta comigo”, “tamo junto”. Puxa-sacos também adoram o gesto. Joga em todas, o tapinha.

Dessa vez a conversa é com um jovem forte e negro, na rua São José, no velho centro carioca. Na sombra da amendoeira, o soldado Joílson, da PM, me explica como pegar a barca pra Paquetá. Ele pousa a mão esquerda em meu ombro e com a direita sinaliza o zigue zague para chegar ao destino.

- Deu pra entender? Quer que eu vá lá com o senhor?

Impossível não se encantar com a delicadeza do homem da lei. Agradeço e, antes de me despedir, sinto três tapas suaves entre meu ombro e o pescoço. É um meio abraço, que termina com uma leve sacudida, enquanto o soldado Joilson ajeita a máscara.

- Vai pela sombra, cuidado com o celular e bom passeio.

O aperto de mão, o tapinha nas costas, a simpatia sincera de dois desconhecidos. O terror da pandemia por vezes ainda nos afasta das miúdas gentilezas do dia a dia, bálsamo tão brasileiro, capaz de curar qualquer melancolia.