Mais gorda que magra, mais quente que fria e essencial: firme, rija; não era molenga, frouxa.
A mão do Toninho pegou a minha com vontade, direita com direita. Aperto sincero, com o balanço na medida, nem eufórico demais, nem indiferente.
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Foi assim o meu primeiro aperto de mão, depois de quase dois anos de pandemia. Era o segundo semestre do ano de 2021.
Por um décimo de segundo deu medo. Confiava que o cauteloso soquinho, ou o encontro de cotovelos, resolvia bem a questão, sem a necessidade e o risco de tocar a mão de um desconhecido.
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Com todo o respeito, vai saber onde aquela mão grande de dedos compridos não andou pegando? Ou melhor, sei bem por onde se meteu e já conto.
A verdade é que ninguém recusaria o cumprimento de Toninho com sua máscara de plástico transparente, o braço estendido, a mão e o sorriso abertos. Apertei e balancei com prazer. Senti as palmas unidas e a pressão dos dedos.
Um cumprimento que evitei com amigos íntimos e até parentes. Porém, com Toninho aconteceu.
Garanto que a mão que se aperta faz diferença, como faz! E não adianta se encharcar com álcool gel. Lembro de um chefe de mão mole, quase despencando do pulso. Nunca mereceu confiança e ainda atrasava o trabalho oferecendo por toda a redação a mão desengonçada para apertar. Do mesmo jeito que um deputado traíra, que antes das entrevistas coletivas fazia as unhas na manicure da Assembleia Legislativa e aí vinha se chegando com as palmas lisas e úmidas.
Melhor voltarmos a Toninho. Estamos num dos bares mais queridos do Brasil, o Amarelinho, na Cinelândia. As cadeiras na calçada que acomodaram multidões durante décadas e testemunharam comícios e passeatas, se viram desertas durante a Covid até que as portas fecharam. Reabriram, pra minha sorte, na semana em que eu estava na cidade.
Esse é um dos motivos da felicidade do Toninho. Emprego de volta é igual a contas em dia
As mãos do garçom Toninho se revezam entre o calor das bandejas com petiscos e refeições; e os copos gelados de drinques e chopps.
Um deles chega à mesa ao lado, um chopp bem tirado com dois dedos daquela proteção branca, o polêmico colarinho. O freguês reclama, não gosta da espuma por cima do chopp. Toninho se desculpa e eu peço que aquela tulipa suada com sua cremosa espuma fique pra mim. Ele pisca o olho em agradecimento e quando o freguês vai ao banheiro, puxa assunto.
- Chopp sem colarinho pra mim não é chopp.
- É cerveja? Pergunto
- Não.
- É o que então?
- Guaraná, moço. Guaraná caçula.
Ele dá uma risada vistosa e eu acompanho.
Autoridade no assunto, o garçom me explica que o cremoso colarinho mantém a temperatura e o sabor do chopp, porque protege o líquido.
- É o creme do colarinho branco, já conhecia?
De novo, a gente cai na risada.
Nessa hora o garçom se apresenta e nossas mãos se encontram. Vou embora com vontade de ficar e vejo quando meu novo conhecido levanta a bandeja e oferece em outra mesa:
- Mais um gelado, doutor?
**
Também estava apagada da memória a saborosa sensação de um tapinha nas costas. Um gesto afetuoso, que às vezes é elogio, em outras um carinho na despedida. Também pode servir como incentivo, cumprimento, perdão, ou manifestação solidária do tipo: “conta comigo”, “tamo junto”. Puxa-sacos também adoram o gesto. Joga em todas, o tapinha.
Dessa vez a conversa é com um jovem forte e negro, na rua São José, no velho centro carioca. Na sombra da amendoeira, o soldado Joílson, da PM, me explica como pegar a barca pra Paquetá. Ele pousa a mão esquerda em meu ombro e com a direita sinaliza o zigue zague para chegar ao destino.
- Deu pra entender? Quer que eu vá lá com o senhor?
Impossível não se encantar com a delicadeza do homem da lei. Agradeço e, antes de me despedir, sinto três tapas suaves entre meu ombro e o pescoço. É um meio abraço, que termina com uma leve sacudida, enquanto o soldado Joilson ajeita a máscara.
- Vai pela sombra, cuidado com o celular e bom passeio.
O aperto de mão, o tapinha nas costas, a simpatia sincera de dois desconhecidos. O terror da pandemia por vezes ainda nos afasta das miúdas gentilezas do dia a dia, bálsamo tão brasileiro, capaz de curar qualquer melancolia.