ESCÂNDALO NA MODA

Ex-CEO de grife internacional famosa é acusado de tráfico sexual

Mike Jeffries é mais um predador sexual que manteve, como Jeffrey Epstein, sua posição de poder e influência para encobrir crimes durante décadas

Créditos: Fotomontagem (SkyNews e Weibo A&F) - Ex-chefão de marca icônica dos anos 1990 é acusado de tráfico sexual
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O ex-CEO da Abercrombie & Fitch (A&F), Mike Jeffries, foi formalmente acusado de tráfico sexual e prostituição envolvendo dezenas de homens nesta terça-feira (22) por promotores federais no Brooklyn, em Nova York (EUA).

A acusação contra Jeffries, composta por 16 denúncias, ocorre uma década após ele ter deixado a varejista que ele transformou ao longo de 22 anos em uma marca de roupas popular, conhecida por seu marketing com apelo sexual.

O caso foi baseado em uma investigação da BBC e uma ação coletiva que alegam que Jeffries atraía jovens com promessas de trabalho como modelos para então abusá-los sexualmente.

Jeffries, seu parceiro Matthew Smith e James Jacobson, que recrutava homens para o esquema, enfrentam penas mínimas de 15 anos de prisão por tráfico sexual, além de possíveis sentenças de até 20 anos por prostituição interestadual.

O caso levanta questões sobre o uso de "casting couch" no mundo da moda e do entretenimento. Esse termo se refere a uma prática abusiva na qual diretores, produtores ou outras figuras de poder prometem oportunidades de trabalho ou papéis importantes em troca de favores sexuais.

A condenação a esse tipo de prática só ganhou a opinião pública a partir de 2010, com a quarta onda feminista que deu origem a movimentos de mulheres como o #MeToo, que expôs casos de abuso de poder e exploração sexual em várias indústrias, inclusive da moda.

Marca se esquiva da responsabilidade 

A A&F optou por não se manifestar sobre as acusações envolvendo seu ex-CEO, informa a Reuters. A empresa enfatizou não ter envolvimento nos crimes e que não há evidências de que os supostos abusos tenham ocorrido em suas instalações. 

Mas, de acordo com os promotores federais do caso, Jeffries e Smith pagavam por encontros sexuais com homens em diversas localidades, como Nova York, França, Inglaterra, Itália, Marrocos e St. Barts.

A acusação alega que a dupla utilizava sua riqueza e influência para manter os crimes em segredo e preservar a reputação de Jeffries.

O esquema teria incluído o uso de relaxantes musculares, conhecidos como "poppers", e a exigência de que os homens assinassem acordos de confidencialidade, com ameaças de multas caso divulgassem qualquer detalhe sobre os encontros.

Além disso, o co-réu James Jacobson teria realizado "testes" sexuais com os recrutas antes de encaminhá-los para Jeffries e Smith.

A ação coletiva, liderada por David Bradberry, que colaborou com a investigação da BBC, também acusa a A&F de pagar pessoas para silenciar alegações de abuso sexual contra Jeffries.

Em resposta, a empresa solicitou a um juiz federal que rejeitasse o processo, alegando que as acusações eram "chocantes", mas que não tinham relação com suas atividades comerciais.

Investigação da BBC

A série de matérias produzida pela BBC foi usada como base nas acusações contra Jeffries e seus cúmplices. O veículo britânico trouxe à tona que, pelo menos, oito homens compartilharam detalhes sobre eventos organizados entre 2009 e 2015, período em que Jeffries ainda era o CEO da A&F. 

Em alguns casos, os assistentes de Jeffries injetavam drogas, como Viagra líquido, nos participantes. As acusações também apontam para o envolvimento de funcionários da A&F na organização desses eventos, embora a empresa tenha se recusado a comentar, alegando não se pronunciar sobre questões legais.

Moda, vitrine do espírito do tempo

Até a década de 1990 do milênio passado, a A&F era onipresente em shoppings, escolas de ensino médio e campi universitários nos EUA. A combinação do estilo estadunidense com uma tendência não tão sutil de exploração de corpos era a fórmula do sucesso. 

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Só que, sob a imagem tentadora, fervilhava uma cultura corporativa tóxica que, além de acolher predadores sexuais como Jeffries e seus comparsas, eliminava funcionários e clientes em potencial com base em raça e aparência física.

A ascensão e queda da A&F é um exemplo de como a moda é a vitrine do espírito do tempo. A relação das pessoas com as roupas que vestem muda de acordo com as transformações na sociedade. 

A história da marca é tão icônica que foi tema de um documentário da Netflix em 2022. O longa-metragem "Abercrombie & Fitch: Ascensão e Queda" explora o reinado da grife na cultura pop na virada do milênio e mostra como a A&F prosperou ao apostar em discriminação. E como essa foi a razão de sua derrocada.

Sob o glamour e o sucesso da A&F reinava uma natureza excludente recheada de processos e desastres de relações públicas. A discriminação era um recurso e não uma exceção ou estratégia equivocada.

Assista ao trailer

Homens brancos, ricos, influentes e predadores 

As raízes da A&F se estendem muito além dos dias de glória do shopping suburbano na década de 1990. A empresa começou como uma marca de peças para serem usadas ao ar livre, vestida por nomes como Teddy Roosevelt e Ernest Hemingway. Foi fundada em 1892 para atender pessoas brancas e privilegiadas de elite.

Ao longo do século 20, a grife despencou em popularidade, até que, em 1988, foi comprada pela operadora da cadeia de roupas The Limited, liderada pelo CEO Les Wexner. 

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Conhecido como “O Merlin do shopping” pelas táticas de marketing adotadas em marcas como Victoria’s Secret, Wexner levou Jeffries para ser o CEO da A&F, onde colocou em prática a fórmula discriminatória e de sucesso.

As práticas horrendas de Jeffries ecoam as de outro predador sexual: Jeffrey Epstein. Os dois violadores tinham em comum suas relações com Wexner e histórias ligadas a abusos de poder, exploração sexual e uso de suas posições de influência para manter redes de crimes ocultas por anos. 

Embora os três tenham atuado em diferentes esferas, suas conexões revelam paralelos sombrios na forma como utilizaram riqueza, status e controle sobre seus impérios para manipular e explorar pessoas vulneráveis.

Tanto Epstein quanto Jeffries usaram seu poder econômico e status de elite para atrair e coagir suas vítimas. Epstein, com sua proximidade a figuras poderosas, e Jeffries, com o controle de uma marca de moda de prestígio, exploraram jovens em situações vulneráveis.

Assim como Epstein, Jeffries impôs acordos de confidencialidade a suas vítimas, ameaçando-as com multas ou danos financeiros caso revelassem os abusos, o que ajudou a manter seus crimes longe da vista do público.

Ambos os casos de abusos envolvem redes de facilitadores. No caso de Epstein, havia uma rede de recrutadores que buscavam meninas para seu círculo de abuso. Jeffries contava com assistentes e intermediários que recrutavam homens para seus eventos sexuais. 

Os casos de Epstein, Wexner e Jeffries expõem um padrão de abuso de poder, onde homens brancos, ricos e influentes utilizaram suas posições para explorar sexualmente vítimas, ao mesmo tempo em que usavam suas conexões e fortunas para ocultar seus crimes. 

As denúncias e investigações contra eles mostram como redes de abuso podem ser estruturadas e mantidas dentro de sistemas aparentemente intocáveis de poder e privilégio, como o da moda.

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