Apesar de ser mais conhecido como o 'Dia da Mentira', 1° de abril também marca a data em que, em 1680, a Coroa Portuguesa revogou oficialmente a permissão para a escravização e o cativeiro de povos indígenas no Brasil.
No entanto, para fazer jus ao 'Dia da Mentira', aquele 1° de abril também tinha algo de mentiroso: a escravização dos povos originários perdurou no Brasil pelos séculos seguintes à assinatura do documento imperial, e a primeira tentativa de abolir sua condição não data de 1680.
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Em 1570, foi publicada a primeira legislação oficial da Coroa "contra o cativeiro indígena", que só permitia sua escravização "em caso de guerra justa" — o conceito, com raízes no catolicismo, que define determinadas condições para que um empreendimento violento seja moralmente legítimo, como a guerra que "objetiva o bem comum", ou declarada como "último recurso".
Durante a colonização do Brasil, no entanto, a 'guerra justa' era frequentemente invocada como iniciativa para a catequização e conversão dos nativos, embora também pudesse ser usada em defesa contra ataques de tribos indígenas a assentamentos europeus.
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"Para a coroa portuguesa, parecia intuitivo explorar as riquezas da nova colônia usando mão de obra escravizada indígena, [e ela] inventou até um nome para legitimar isso: Guerra Justa", afirma a Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP).
A resistência dos indígenas à sua escravização envolvia fugas, motins e alianças estratégicas contra seus colonizadores. Em 1680, embora tivesse proibido em definitivo a escravização de povos originários, a Coroa Portuguesa também instituiu a autorização à vinda ao Brasil de párocos e evangelizadores da Companhia de Jesus, afirma o historiador João Paulo Peixoto Costa à BBC.
Embora não fossem tomados como 'escravos', os indígenas continuaram a ser 'catequizados', empreendimento que envolvia, também, a obrigação com os serviços relacionados à Igreja, muitos deles físicos e demandantes — como a confecção de peças de roupas, que não usavam, ou o trabalho em plantações de culturas destinadas a alimentar os párocos e o clero, sempre imputados sob a ameaça da violência física e, em último caso, da ameaça à vida.
E, mesmo com a escravização tornada ilegal pela Coroa, isso não quer dizer que tenha cessado: ela era feita abertamente, de maneira ilegal, pelos colonos. Os indígenas, uma vez libertos da escravidão forçada, continuavam a ser, forçadamente, súditos do Império de Portugal, e a trabalhavam ativamente na sua implantação — sobretudo em atividades econômicas de extração e manutenção das terras.
De acordo com a ANADEP, o fim da possibilidade legal de escravizar os indígenas só ocorreu mesmo em junho de 1755, quando se instituiu uma lei, inicialmente válida apenas para o Estado Grão-Pará e Maranhão, que foi, em seguida, "estendida, através de alvará, para todo o país", em 1758.
Embora a escravização colonial tenha sido extinguida, a "escravidão moderna" da mão de obra, dos corpos e vidas indígenas continua: em regiões rurais de todo o país, o trabalho escravo e análogo à escravidão ocorre às escondidas, em lavouras e monoculturas de arrendatários — é o que indicam relatórios da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), que datam desde 1960 a 2023 e denunciam as condições de exploração de indígenas de tribos como a Guarani Kaiowá, que foram resgatados de suas condições análogas à escravidão em monoculturas de mandioca no interior do Mato Grosso do Sul, em meio à pandemia de COVID-19, em 2020.