História

O ar condicionado inventado por império esquecido que não usa energia elétrica

Poucos conhecem a tecnologia simples por trás deste ar condicionado milenar, obra oriental mais antiga que qualquer construção romana

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Historiadora e professora, formada pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Escreve sobre história, história politica e cultura.
O ar condicionado inventado por império esquecido que não usa energia elétrica
Persépolis foi uma das grandes obras arquitetônicas do império Persa, levou dois séculos para ser concluída e foi iniciada por Dário I. Wikimedia Commons

As maiores obras arquitetônicas da humanidade costumam ser atribuídas aos romanos ou gregos. Imponentes estruturas de mármore, majestosas estátuas, monumentos imortais e templos de colunas brancas e perfeitas — tudo isso reforça a ideia de que o auge da engenharia e da arquitetura ocorreu na Europa. No entanto, muito antes desses impérios florescerem, uma das mais engenhosas criações da engenharia foi concebida no coração do Oriente Médio: o sistema de ar-condicionado persa.

Enquanto o mundo ocidental celebrava a simetria e a monumentalidade, os povos da antiga Pérsia enfrentavam desafios diferentes: o calor extremo do deserto, a escassez de água e a necessidade de conforto térmico em regiões áridas. Em resposta a esse ambiente hostil, os persas desenvolveram soluções arquitetônicas sustentáveis e surpreendentemente eficazes — muitas das quais continuam influenciando projetos arquitetônicos modernos.

As origens do ar-condicionado persa

O sistema de climatização natural persa surgiu há mais de 2.000 anos, com os primeiros registros datando do século V a.C., durante o período do Império Aquemênida, que teve como uma de suas capitais a cidade de Persépolis. Naquela época, engenheiros persas já demonstravam um profundo conhecimento do ambiente árido em que viviam e desenvolveram sistemas arquitetônicos adaptados ao clima desértico, especialmente nas regiões centrais do atual Irã.

A técnica seria aperfeiçoada nos séculos seguintes, especialmente durante o Império Sassânida (224–651 d.C.), e continuou em uso ao longo do período islâmico medieval, alcançando níveis notáveis de sofisticação em cidades como Yazd, Kerman e Kashan — todas conhecidas por preservar exemplos históricos ainda em funcionamento desses sistemas de climatização passiva.

Badgirs e qanats: como funcionava o ar-condicionado da antiguidade

Badgir persa
(foto: Wikipédia)

O coração do sistema de climatização persa era o badgir, ou "captador de vento". Essas torres altas e estreitas, posicionadas estrategicamente nos telhados das casas, palácios e mesquitas, eram projetadas para capturar o vento e direcioná-lo para o interior dos edifícios. O ar fresco descia pelas passagens internas e empurrava o ar quente para fora, criando uma circulação natural e contínua.

Mas os badgirs não funcionavam sozinhos. Eles eram muitas vezes integrados aos qanats, um sofisticado sistema de túneis subterrâneos que levava água das montanhas até as cidades e vilarejos. Ao passar sobre esses túneis ou cisternas subterrâneas, o vento captado pelos badgirs era resfriado naturalmente pela água armazenada e pela terra fria, antes de chegar aos ambientes internos. Esse processo permitia uma queda significativa na temperatura, muitas vezes tornando os ambientes internos até 10°C mais frescos do que a temperatura externa.

Além disso, as construções eram feitas com materiais de alta massa térmica, como tijolos de barro e adobe, que ajudavam a manter os ambientes frescos durante o dia e liberavam calor lentamente durante a noite, garantindo conforto térmico contínuo.

Um legado de inovação sustentável

Mais do que uma curiosidade histórica, o sistema de ar-condicionado persa é um exemplo brilhante de engenharia bioclimática — ou seja, arquitetura adaptada às condições climáticas locais sem o uso de energia elétrica. Essa abordagem sustentável se tornou cada vez mais relevante no século XXI, em tempos de crise climática e busca por alternativas ecológicas ao consumo excessivo de energia.

Cidades como Yazd, no Irã, ainda preservam exemplos ativos desses sistemas, funcionando quase da mesma forma como há centenas de anos. A durabilidade e eficiência dessas construções provam que as soluções tradicionais podem ser não apenas eficazes, mas também essenciais para inspirar a arquitetura do futuro.

O ar-condicionado persa é mais do que uma inovação funcional: é um testemunho da criatividade humana diante das adversidades do clima. Ele mostra que o conhecimento e a engenhosidade não são exclusivos de uma única região ou época, mas sim frutos da observação, adaptação e respeito ao meio ambiente.

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