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A bandeira mais 'esquisita' do mundo — e seu significado

Tradicional de um dos poucos países asiáticos a resistir à colonização britânica, a bandeira é a mais curta do mundo, e a única não retilínea

Escrito em História el
Mestranda em Ciência Política e bacharel em Relações Econômicas Internacionais pela UFMG, já foi treinee de Ciência e Saúde da Folha de S. Paulo e escreve sobre Ciência e Tecnologia para a Revista Fórum. Tem interesse por temas de geopolítica e economia internacional.
A bandeira mais 'esquisita' do mundo — e seu significado
Ilustração de 1830, parte de um álbum de setenta pinturas de divindades indianas.. British Museum

A bandeira do Nepal é a única bandeira nacional do mundo a não seguir um formato retilíneo e retangular (ou, no máximo, quadrático, como ocorre com as bandeiras da Suíça e do Vaticano). 

Um triângulo sobreposto a outro, ambos unidos de maneira contínua, formam a flâmula nepalesa, com um fundo vermelho-vivo que representa a bravura e a flor oficial do país, o rododendro, família nativa do leste asiático e da região do Himalaia. As bordas da bandeira, que delineiam os triângulos, são de um azul escuro, uma cor tradicional nas decorações do país. 

O formato, para uma tradição vexilológica condicionada pelo modelo de estandarte nacional europeu, faz com que a bandeira nepalesa seja considerada a mais destoante do mundo, e também a mais curta, numa proporção 5:4.

Na verdade, a tradição das bandeiras retangulares nasceu de uma necessidade prática: seu içamento aos mastros de navios comerciais ou de exploração, que permitia que a bandeira, em formato de retângulo, fosse mais identificável em meio ao vento. 

Nepalês segura bandeira do país.
Créditos: fotografia de Pranish Shrestha, via Unsplash.

No interior do triângulo superior da bandeira nepalesa está um emblema todo em branco, formado por uma meia-lua de que desponta um sol; e, no triângulo inferior, um sol maior, também branco, aparece com doze raios. 

Os emblemas representam a união das duas principais dinastias nepalesas: Shah, que governava o reino de Gorkha, a responsável pela posterior unificação do país; e Rana, que governou o Reino do Nepal entre 1846 e 1951, enquanto os monarcas de Shah ocupavam cargos hereditários de caráter simbólico no governo.

Já os símbolos vêm de outras bandeiras mais antigas, como aquela avistada numa ilustração de Krishna, a maior deidade hindu, acompanhado de Arjuna, personagem do épico hindu Mahabharata e o terceiro dos irmãos Pandava. 

Parte de um álbum de setenta pinturas de divindades indianas. Na ilustração, de 1830, dois estandartes se anunciam, um à esquerda e um à direita. Aqeule mostra o emblema de Arjuna, a bandeira de Hanuman; e a outra é a bandeira com os emblemas do sol e da lua.
Créditos: British Museum

Na ilustração, Pandava carrega Krishna no interior de uma carruagem decorada com uma bandeira de formato similar à do Nepal, em direção à guerra da história épica de Mahabharata, que narra uma disputa dinástica entre os primos Kauravas e Pandavas pelo trono de Hastinapura. 

O formato peculiar da bandeira nepalesa foi criação do último rei da dinastia Shah, à frente do Reino de Gorkha: Prithvi Narayan Shah, o responsável por unificar o país no século 18. A bandeira de Gorkha era também seu brasão de guerra, de fundo vermelho e a representar deidades e outros símbolos de força e poder. 

A adição dos dois astros na bandeira que viria a se tornar a flâmula oficial do Nepal, um sol de doze raios e uma meia-lua a esconder um sol menor, deveria simbolizar, durante a unificação do Nepal por Prithvi, as duas dinastias unificadas: os reis Rajputs, da dinastia Lunar, e os Rana, da dinastia Solar. 

Antes que a Grã-Bretanha se lançasse sobre o subcontinente indiano (região que engloba Bangladesh, Butão, Índia, Paquistão, Nepal, Sri Lanka, Afeganistão e Maldivas), entre os séculos 17 e 19, mais de uma centena de reinos independentes existiam na região, e suas bandeiras próprias costumavam carregar os símbolos de suas dinastias fundantes. 

A família Rana em 1915. 
Créditos: Wikimedia Commons

"Frequentemente, os formatos e cores das bandeiras eram inusuais para padrões europeus", explica o Britannica. "A maioria dessas bandeiras desapareceu quando os britânicos estenderam seu controle [sobre a região]; [e] as remanescentes perderam sua validade internacional com a independência da Índia, em 1947."

Mas não o Nepal — ele continuou a ser um Estado e um Reino soberano, um dos poucos países asiáticos a fugir da colonização europeia, e manteve a tradição de sua bandeira centenária (com símbolos milenares). 

Bandeira do Nepal em 1927. Ela sofreu modificações em 1960: o fio verde que delineia os triângulos tornou-se azul, e os emblemas perderam as feições humanas. 
Créditos: Wikimedia commons

Originalmente, os dois emblemas dos astros na bandeira nepalesa carregavam uma expressão humana: olhos, boca e nariz. Acredita-se que o simbolismo, além de remeter às dinastias fundantes do reino, buscava conceder ao Nepal a longevidade do Sol e da Lua, e fazia referência aos picos himalaios (a lua) e às terras baixas do sul do Nepal, no sopé das montanhas (o sol), onde a região se abre numa savana que experimenta altas temperaturas.

Em 1962, no entanto, com os esforços pela formação de um novo governo constitucional (liderado pelo Rei Mahendra) e pela modernização da bandeira, as expressões humanas foram removidas dos emblemas. Mas nenhuma outra grande modificação foi feita: a bandeira do Nepal continua a ser uma das mais peculiares do mundo, e a única num formato tão diverso. 

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