Domingo e tenho um convite para visitar uma amiga que mora no Vale D’Aosta, a menor das regiões italianas, que fica na divisa com a França e a Suíça.
Na estrada passo pela cidade de Ivrea, famosa por seu carnaval. Mas da estrada se avista também uma planta industrial praticamente abandonada do que foi um dia, talvez, a melhor empresa do mundo para se trabalhar.
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Ainda se avista o luminoso escrito no alto de um dos prédios: Olivetti.
Vale a pena contar a história desta empresa.
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Seu fundador, Camilo Olivetti, nasceu aqui em Ivrea, em 13 de agosto de 1868, no seio de uma família burguesa. Seu pai era judeu, provavelmente de origem sefaradita, e sua mãe filha de um pastor valdense.
Camilo, após terminar seus estudos no Politécnico de Torino, foi para Londres, onde trabalhou como operário em uma fábrica e se inscreveu no partido socialista. Viajou para os Estados Unidos para estudar Física e depois visitou várias fábricas norte-americanas tentando entender seus métodos e aprender sobre os modelos industriais naquele país. Em 1908, de volta a Itália, inaugurou sua primeira fábrica de máquinas de escrever, onde trabalhou seu filho, Adriano, inicialmente como operário.
Camilo, mesmo tendo um espírito empreendedor e inovador, fundamental para um empresário, jamais esqueceu o que aprendeu (ou pediu que esquecessem o que tentou ensinar, como alguns sociólogos tupiniquins) e se manteve coerente com sua visão de mundo. Criou uma empresa que tinha como uma das metas a de qualificar seus empregados. De manhã ensinava seus trabalhadores, geralmente camponeses empobrecidos, a ler e escrever, e a tarde ensinava o trabalho na fábrica. Teve sempre um diálogo pacífico com seus operários e nunca conheceu uma greve.
Depois da primeira Guerra Mundial a empresa cresceu e Adriano foi assumindo novas funções, sempre obedecendo a primeira regra imposta por seu pai: “Faça as mudanças que achar necessárias, mas nunca demita um funcionário. Estar desempregado é o que de pior pode acontecer a um homem”.
No período entre guerras, Ivrea viu o jovem Adriano desenvolver um verdadeiro laboratório empresarial. Enquanto a lei italiana não oferecia nenhuma proteção ao trabalhador, a Olivetti oferecia os seguintes direitos aos seus empregados: assistência médica, assistência social, acomodação, transporte, refeitório, creche, licença maternidade de nove meses remunerados, biblioteca, serviços culturais e educacionais, formação profissional. E hoje a gente chama tudo isso de “benefícios”, vejam vocês.
Para Adriano, a fábrica devia produzir não só bens de consumo, mas o BEM. O homem era o centro do interesse da Olivetti, sua maior preocupação. Trabalhar devia dar um sentido positivo a vida. Imagina um trabalhador de call center hoje em dia ouvindo isso ....
O princípio fundamental de sua filosofia empresarial pode ser resumido assim: a fábrica “consome” o trabalhador, que lhe dedica seu tempo, sua saúde, sua vida e a de sua família, e por isso a fábrica lhe deve retribuição. Todos os direitos sociais que lhe são oferecidos (gratuitamente) são um direito e não uma generosidade do empregador. É a responsabilidade social da empresa.
Algumas criações da Olivetti, como a “creche” dos anos 1930, foi modelo imitado pelo Estado, décadas depois, para as escolas públicas.
Depois veio a Segunda Guerra Mundial, que além dos problemas políticos e econômicos, trouxe as cruéis Leis Raciais, que levou o pai a se esconder em outra cidade do Piemonte, onde morreu, e o filho ao exilio na Suíça.
Em 1945, com o final da guerra, Adriano retornou a Ivrea com ideias mais amadurecidas sobre um modelo não só empresarial, mas ideológico, filosófico, político, e desenvolveu ainda mais uma visão muito complexa do que devia ser sua fábrica, que se tornava uma empresa multinacional exemplar.
Adriano se converteu ao catolicismo depois de seu retorno a Itália, mas seu discurso negava tanto o capitalismo como o socialismo, em nome de uma nova forma de organização no trabalho que chamou de “comunitarismo”. Segundo seu modelo, a fábrica não deveria ser privada nem estatal, mas comunitária.
Questionou muito as bases do Plano Marshall, de reconstrução da Europa, que visava apenas ajudar as grandes empresas (de preferência as empresas norte-americanas ou suas representadas) em detrimento de pequenos empresários e de comunidades que se esforçam para reconstruir o país destruído.
Ele relembrava sempre o que o pai lhe havia ensinado: “a propriedade nasce sempre de um furto”. Era necessário fazer justiça. Adriano Olivetti aprofundou sua experiência empresarial e humana.
Um dos aspectos fundamentais da visão de Adriano, desde finais da década de 40, era contar com a inteligência de seus funcionários. Para isso, um dos pilares da sua fábrica estava na formação, educação e cultura oferecida aos empregados. Por exemplo: a contratação de cada técnico ou engenheiro devia ser acompanhada da contratação de um economista e de um humanista. Para Olivetti, eram profissionais necessários para equilibrar o progresso da empresa, especialmente um espaço de elevado discurso tecnológico, evitando o excesso de “tecnicismos”. Poetas, escritores, literatos, sociólogos, psicólogos, filósofos e outros humanistas faziam parte do quadro de gerentes e líderes de vários setores. Eles não desempenhavam funções decorativas. Trabalhavam em setores sensíveis como comunicações, publicidade, desenvolvimento de processos, relações com o pessoal e clientes.
Segundo testemunham os antigos gerentes, os princípios que norteavam o departamento de pessoal no momento da seleção de candidatos eram três: sua capacidade intelectual e afinidade com o trabalho; se tinha familiar já empregado na empresa e sua urgência em ter um trabalho. Leio isso e me lembro das regras da empresa (norte-americana) de turismo de negócios onde trabalhei, que deveriam ser observadas na entrevista de contratação: nenhuma pergunta pessoal era autorizada, apenas perguntas técnicas sobre a função a ser exercida. Uma concepção diametralmente oposta.
Dentro da fábrica a formação era contínua, com cursos, biblioteca e jornais à disposição dos operários nas pausas e horário de almoço, além da facilidade em obter uma bolsa de estudo para qualquer curso, mesmo que a carreira pretendida não tivesse nada a ver com a Olivetti, tipo medicina.
Quero trabalhar na Olivetti!!!
..... to be continued ..... no próximo texto.....
*Esther Rapoport é graduada em História pela Universidade de São Paulo, mas se dedicou nos últimos 40 anos à indústria do Turismo, tendo trabalhado em diversas empresas do setor além de oferecer palestras e cursos para profissionais do turismo e viajantes curiosos, interessados em ampliar seu repertorio sobre a História dos mais variados destinos do planeta. Mora atualmente na Alemanha
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