Como combinado ... (quer dizer, como decidido por mim mesma ....) começo agora a contar para vocês um pouco da minha experiência na Itália.
Morei em Torino, Piemonte, entre 2009 e 2016.
Fui atraída pelo coração, e voltei para o Brasil, 7 anos depois, com o coração partido. Coisas da vida...
Mas foram anos muito intensos, interessantíssimos, educativos, saborosos e cheios de histórias.
A gente que vive ou viveu em São Paulo acha que respirar o ar do Brás já serve como pós-graduação em sociologia peninsular, só que não, as diferenças são bem maiores do que aparentam, e alguns momentos do dia a dia italiano para um imigrante poderiam se confundir com cenas de teatro, comédia .... ou tragédia.
Nesses próximos textos vou contar alguns dos meus melhores momentos na Bota, e começo, como esperado, falando de comida.
Itália é sinônimo de comida.... de boa comida, do melhor lugar no planeta para comer.
Não precisa inventar moda. Entra na primeira trattoria que você encontrar, pede o prato do dia e o vinho da casa e tem 95% de chance de sair feliz.
E não dá para, vivendo aqui, não se tornar especialista em algo relacionado a comida. Especialista pode ser exagero, mas se tornar um entendido no assunto não é difícil porque comer aqui é algo sagrado, um tema diário e nobre. O italiano pode se corromper na política, na economia e até no futebol, mas na mesa nunca porque aqui reside a alma itálica!
Vai numa festa e presta atenção nas conversas (às vezes parece que estão brigando). Se não for futebol, estão discutindo uma receita de um prato qualquer. Sim, discutindo porque todo mundo tem uma receita, homem, mulher, criança ou idoso, seja do que for, do mais simples spaghetti al sugo, da polenta, da insalata caprese ao tiramisú, cada um faz de um modo diferente... não falha, qualquer prato que você mencionar, vem umas 10 receitas diferentes, diferente no detalhe, né, mas que pode causar uma nova guerra civil.
Aliás, eu continuo achando que o conceito de “ser italiano” só funciona quando a Azzurra entra em campo, porque no resto do tempo o povo daqui é piemontês, lombardo, napolitano, calabrês, toscano ou emiliano, cada um com sua receita e sua tradição à mesa. E se ofende se você confundir ou não se referir corretamente à uma determinada origem, especialmente na hora de comer. Não arrisque a pedir um risoto alla milanese em Roma, o garçom vai te mandar para .... Milão, ou perguntar se tem uma pasta ao Pesto no Piemonte, a resposta seguramente será: vai para Liguria... aqui a gente serve agnolotti ....
É um povo ainda mais conectado com a sua região do que com o país. E posso explicar.
Enquanto na França, na Inglaterra e na Espanha, a partir da baixa Idade Média, existia uma base histórica, política e cultural mais homogênea, a Itália estava ainda dividida em vários estados independentes, repúblicas, reinos, condados, ducados, marcas e cidades-estado, e rivalizando entre si o tempo todo.
Várias dessas unidades políticas estavam sob controle de uma outra potência europeia da época. Por exemplo: Parma, Lucca, Reino de Nápoles e a Sicília eram controlados pelos Bourbons (dinastia espanhola); Lombardia-Veneza e Modena eram controlados pelos Habsburgos (dinastia austríaca); tinha também os Estados Papais, onde estava o Vaticano (parênteses para contar que o Vaticano, apesar de ser um Estado soberano, não é reconhecido pela ONU como país autônomo porque é Governado por Deus, representado pelo Papa, e a ONU não reconhece este sistema de governo).
E foi o reino dos Savoia, no Piemonte, único reino que por mil anos sempre foi piemontês, ou seja, nunca subordinado a outro Estado estrangeiro, que arquitetou o processo de unificação, lutando com cada um desses outros pedaços da península para incorporar todos em um reino unido. Unidos a bala....
E conversando com amigos aqui sobre os últimos eventos políticos locais, cheguei a conclusão que a Itália ainda não faz parte do Primeiro Mundo porque a sociedade italiana não amadureceu, permanece como uma sociedade camponesa, apegadíssima às suas tradições sociais, religiosas, gastronômicas e políticas. O Estado de Bem-Estar Social vigente e agora em fase de agonia não foi uma conquista suada, fruto de lutas e de um amadurecimento do seu povo, foi um presente que veio dentro do pacote do Plano Marshall para “impermeabilizar” a península contra o socialismo que respirava do outro lado do Adriático, após a Segunda Guerra Mundial.
O nível de corrupção do Estado e da sociedade é assustador. Não existe um sentimento e nem um projeto nacional porque não existe um povo italiano. Resistem ainda os piemonteses, napolitanos, emilianos, sicilianos, toscanos, lombardos e veneziano, que defendem o seu pequeno universo territorial-cultural e encaram o vizinho como inimigo.
Agora, por que os times italianos, de todos os esportes, usam uma camiseta azul? A famosa “Azzurra”, cor que nem existe na bandeira italiana... Conto no próximo texto!!
Abraços!!
*Esther Rapoport é graduada em História pela Universidade de São Paulo, mas se dedicou nos últimos 40 anos à indústria do Turismo, tendo trabalhado em diversas empresas do setor além de oferecer palestras e cursos para profissionais do turismo e viajantes curiosos, interessados em ampliar seu repertorio sobre a História dos mais variados destinos do planeta. Mora atualmente na Alemanha
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