CRÔNICA

Pandemia na Grécia – Por Esther Rapoport

E entre o café da manhã, o sorvete, o almoço, o chá da tarde, o jantar e um drink, sem álcool, antes de dormir, seguia em busca de notícias e histórias gregas para contar, mas o que não faltou foram as fofocas. Não conheço a fundo, mas posso compartilhar o buchicho...

Um café na Grécia no período da pandemia de Covid-19.Créditos: Wikimedia Commons
Por
Escrito en DEBATES el

Temas de hoje? Pandemia e Grécia.

A quarentena em Bremen, durante a pandemia do coronavírus, foi mais leve do que em outras cidades. As pessoas podiam sair às ruas desde que sozinhas ou em duplas, deviam manter a distância, e a polícia ficava de longe acompanhando para que todos obedecessem às regras, o que aqui é uma moleza porque o povo germânico adora regras e as observa mesmo antes de serem obrigatórias. Sugeriu, faz sentido, está valendo.

Claro que estamos falando de uma cultura super pragmática, onde o bom senso e o debate/diálogo são premissas para se estabelecer regras e pouco olho no olho. As pessoas passavam por mim na rua e desviavam até o olhar, assim o vírus que habitava em mim não podia nem saudar o vírus que habitava no outro... Isso era muito esquisito!

Nesse pragmatismo todo, a primeira-ministra de então, Angela Merkel, que era uma conservadora, da direita, soube quando chegou a hora de virar o volante um pouco para a esquerda e reforçar a presença do Estado no momento de crise, afinal as lições de duas guerras estão presentes na memória de um país que me parece não sofrer de Alzheimer!

A partir de determinada data, o nosso horário de trabalho foi reduzido, e o salário também! Mas o Estado pagou 60% da diferença perdida. Ou seja, quem teve redução de 50% do salário, recebeu outros 30% do Estado, para trabalhar meio período. Esse acordo, que foi assinado entre a empresa e o comitê dos empregados, valeu até o final daquele ano, e, no período, rezava o acordo, ninguém poderia ser demitido. O capitalismo alemão não quer desempregados e gente sem poder aquisitivo!

Em Bremen, uma cidade de 560 mil habitantes, nem grande, nem pequena, a primavera explodiu em flores e passarinhos. Parece que a natureza estava feliz com menos gente na rua, menos poluição no ar, menos humanos ocupando seus espaços. Abertos na cidade, só os supermercados, as farmácias e as lojas de jardinagem, que é, definitivamente, o principal hobby deste povo.

Nos supermercados, algumas prateleiras estavam vazias, macarrão não tinha mais, diziam que como a Itália era o centro europeu do vírus, era melhor se precaver caso não houvesse mais trens para transportar a pasta. Mas o que mais me surpreendeu foi a prateleira do papel higiênico.

Não sei se os alemães estavam se cagando de medo ou cagando e andando para o corona, mas acabou o papel higiênico em terras germânicas. Não se achava mais em nenhum supermercado, e eu não sabia como funcionava o mercado... marrom (no caso). Na dúvida, fiz um estoque de toalhinhas úmidas. Um povo com tanta experiência em guerras como esse aqui tem know-how sobre quais são os produtos de primeira necessidade para se armazenar em tempos de crise, e pelo visto não é nem pão nem água, mas vai entender, né...

Lá pelas tantas, chegaram as minhas férias. Depois de tantos meses em Bremen, eu queria muito viajar, mas não sabia para onde ir.

Comecei uma busca incessante que chegava sempre no mesmo lugar: Grécia, que ainda estava aberta para os alemães.

E como? Em um cruzeiro marítimo, num desses navios-resorts para mais de mil pessoas, que mal para nas ilhas visitadas, fazendo apenas um tour super massificado, sem cuidado e sem interesse específico. E num cruzeiro alemão, para apenas residentes na Alemanha, Áustria e Suíça, cuja língua a bordo, escrita e falada, 24 horas por dia, é o alemão. Para uma agente de viagens que passou 40 anos convencendo seus clientes a nunca embarcarem em cruzeiros marítimos, especialmente em um desses navios-resorts para mais de mil pessoas, que mal para nas ilhas visitadas, fazendo apenas um tour super massificado, sem cuidado e sem interesse específico, mordi fatalmente a língua... e no sentido bíblico também.

Mas o mundo gira, a Lusitana roda e a gente se adapta, como Joseph Climber. Passei a curtir a ideia de fazer um cruzeiro na Grécia. Àquelas alturas, estar no mar, numa cabine com varanda, todas as refeições incluídas, e um tour super massificado e rápido em Atenas tem também seu charme, não é mesmo?

Acrópole... Atenas... Grécia... Falar da Grécia? Sobre o que? Mitologia? Filosofia? Democracia? Geometria? Não rola... Seguramente entre nós sou a mais ignorante de todos no que se refere à Grécia em seus vários aspectos. Não tenho autoridade nenhuma para vir agora, e rapidinho, contar algo de novo para vocês...

Só lembro que os gregos sucumbiram aos romanos porque eram muito sofisticados, enquanto os bárbaros itálicos formavam uma alucinante máquina de guerra. E foram levados para Roma como escravos, encarregados de educar e formar os nobres romanos. E estes, séculos depois, se desorganizaram, se sofisticaram em certo sentido, e outros bárbaros, interessados em conhecer sua cultura, provar seus produtos manufaturados e aprender sua língua, saíram dos bosques e invadiram o sul do continente, misturando seus idiomas bárbaros ao latim e iniciando uma nova era na história da Europa, aquela que eu mais gosto, a Idade Média.

Meus dias passavam entre o azul do mar e o azul do céu. Maravilhoso!

E entre o café da manhã, o sorvete, o almoço, o chá da tarde, o jantar e um drink, sem álcool, antes de dormir, seguia em busca de notícias e histórias gregas para contar, mas o que não faltou foram as fofocas. Não conheço a fundo, mas posso compartilhar o buchicho...

Atenas era virgem! Sei que existe uma fofoca sobre um filho, chamado Erictônio, que nasceu de um ataque de Hefesto, mas essa história cabeluda de sexo não consumado deixo para vocês pesquisarem na web.

A Medusa era loira! Foi fazer uma química caseira lá no Templo de Atenas, e deu no que deu! Bom, pelo menos ela conseguiu o contrato da Versace, para figurar na marca do estilista.

Soube também que o verdadeiro calcanhar de Aquiles era Pátroclo, seu melhor amigo e amante, assassinado por Heitor, que morreu de morte matada pelo próprio Aquiles, coisas que se contam em Troia.

Agora, o que me surpreendeu mesmo foi o lance de Píramo com Tisbe. Foi Ovídio que contou essa história, de que eles estavam super apaixonados, mas seus pais eram contra, parece que tinha uma questão política, ou seria econômica? Mas os pombinhos conseguiram se relacionar por uns tempos, às escondidas, por entre uma fissura na parede, até que tomaram coragem para fugir e assumir a relação. Marcaram então um encontro perto de uma amoreira, que até essa data dava frutos brancos. Tisbe, super ansiosa (deve ser seu signo do Zodíaco), chegou antes da hora marcada e deu de cara com uma leoa. Sei não se era mesmo uma leoa, não sei se existiam felinos na região, mas se Ovídio disse, eu preciso acreditar. A leoa estava tomando água na lagoa, com a boca toda ensanguentada de sua última vítima. Tisbe se assustou e se escondeu numa caverna. Mas, quis o destino, que sua echarpe voasse e ficasse presa em um galho de um arbusto.

Nesse ínterim, chegou Píramo, e quase morreu de susto ao ver a leoa naquela cena macabra, com a boca cheia de sangue. Quando viu o lenço, e imediatamente reconheceu que era de Tisbe (essa parte a gente nunca vai saber ao certo, de como foi que ele sacou de quem era o lenço), enlouqueceu de dor imaginando sua amada no ventre da leoa. A vida então perdeu todo o sentido para o jovem apaixonado, que, entendendo que não conseguiria matar a fera com seu canivetinho, se matou.

Nisso, Tisbe voltou da caverna à procura do amado e o encontrou no chão, sangrando em seus últimos suspiros. Fez o quê? Suicidou-se!

Shakespeare, agora, me decepcionou. Achei que ele havia se inspirado em Tristão e Isolda, mas parece que ele foi mais longe, no passado, e não deu nenhum crédito para Ovídio!! De qualquer forma, fica claro que o amor é um sentimento muito perigoso, por toda a eternidade!

E, me preparando para a próxima parada, que era Heraklion, na ilha de Creta, aprendi que todos os caminhos levam a Creta. Teseu foi para lá, para ser sacrificado ou sacrificar o Minotauro, que era filho de Pasífae (esposa do rei Minos) e do touro branco que Poseidon deu para Minos, para ser sacrificado (você já entendeu que Minos não sacrificou o touro e Poseidon deu uma sacaneada em Minos, mas isso conto em outra viagem).

Tinha Hércules, que na verdade se chamava Herácles (em grego), de onde vem o nome da cidade de Heraklion, mas não sabemos se é o mesmo personagem dos 12 trabalhos ou um homônimo. E tinha a própria Europa, que foi raptada por Zeus, que a seduziu na forma de um touro, e a levou para Creta. O que não faltava aqui eram touros, sacrifícios, traições e muito sexo entre todos.

Hummm... vou dar uma olhada no Tinder, fiquei curiosa para ver como rolam as coisas na Grécia.

Abraços!

PS.: lembram de Zorba, o Grego? Então, o autor do livro, Nikos Kazantzakis, nasceu em Creta, e foi lá que o filme foi rodado! Essa ilha... tão pequena e tão agitada!!!

PS2... lembram da amoreira que dava frutos brancos? Então, depois da tragédia de Píramo e Tisbe, os deuses mudaram a cor para vermelho, pelo sangue derramado, em homenagem aos pombinhos. Se a moda pegasse no Brasil de hoje, não sobraria outra cor na paleta divina...

*Esther Rapoport é graduada em História pela Universidade de São Paulo, mas se dedicou nos últimos 40 anos à indústria do Turismo, tendo trabalhado em diversas empresas do setor além de oferecer palestras e cursos para profissionais do turismo e viajantes curiosos, interessados em ampliar seu repertorio sobre a História dos mais variados destinos do planeta. Mora atualmente na Alemanha

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum