Em março deste ano, "O Avesso da Pele" foi censurado e recolhido de bibliotecas em Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná e depois voltou às escolas. Um parecer recente do Ministério da Educação (MEC) reforça que o livro não promove o “uso de drogas, a violência contra a mulher, nem o uso de expressões vulgares e sexuais”. O documento ainda destaca que as cenas narradas têm coerência interna, tornando a obra apta para o ambiente escolar.
Emitido em resposta à retirada dos exemplares das escolas nos estados mencionados, os trechos de "O Avesso da Pele" são, segundo o parecer, “parte da lógica da narrativa, trazendo uma coerência interna para o narrado. Há uma coerência narrativa que procura revelar as tensões sobre a vida e suas reflexões”, destacou o MEC. “A obra se caracteriza por um escrita fluida e linguagem coloquial, retratando o contexto de situação das histórias de vida das personagens o dia a dia das personagens negras que pertencem à família ou ao meio social do narrador.”
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Por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), na plataforma Fiquem Sabendo, uma organização sem fins lucrativos especializada em transparência pública, a Fórum obteve acesso ao documento do parecer (veja abaixo). Publicado em maio, o texto faz a análise de toda a narrativa da obra, buscando responder justamente as questões controversas postas por políticos de extrema direita nas redes sociais à época.
“É uma narrativa ao mesmo tempo sensível, pela construção da linguagem e, por vezes, brutal, quer pela construção temática, quer pelo tratamento da linguagem. Essa linguagem traz imagens e situações criadas pelo tom confessional e autoficcional que a narrativa assume desde o início, retratando um contexto sociocultural marcado por diversos tipos de violência, que precisam ser trabalhados em sala para que não sejam naturalizados ou assimilados de modo acrítico”
Do que trata ‘O Avesso da Pele’
O ponto de partida da obra é a busca de Pedro, após a morte de seu pai, a partir das memórias afetivas e materiais deixadas pelo seu progenitor, que era professor da rede pública, reconstruir as suas lembranças e afetos maternais e paternais. A partir do exercício memorial do personagem Pedro, o escritor Jeferson Tenório traça uma arqueologia da construção da estrutura racista no Brasil que nos leva ao fim da escravidão e à primeira etapa pós-colonial do país.
Dessa maneira, a partir das histórias do pai e da mãe do personagem central, nos é apresentada a formação geográfica, de classe e, consequentemente, racial das cidades de Porto Alegre, Florianópolis e Rio de Janeiro. Organização social que segue intocada até hoje.
No contexto geral de "O Avesso da Pele", a questão sexual é quase insignificante, visto que o foco do livro é apresentar como o racismo estruturado desumaniza, de forma gradual e violenta, as pessoas negras do país. Daí que Jeferson Tenório mostra, de maneira didática, os processos de tal política que insiste em expulsar as pessoas negras da esfera da cidadania.
A partir das memórias de Pedro, acompanhamos as batalhas de Henrique (pai) e Martha (mãe), que aqui podem ser lidas como alegorias sobre o cotidiano de pessoas negras no Brasil, que passam a entender ao longo de suas respectivas existências que o espaço público não é para eles. Os seus corpos estão sempre na expectativa de que serão expulsos.
Em determinado momento da obra, Jeferson Tenório faz uma lista, uma espécie de relatório de todos os enquadros policiais que o pai de Pedro recebeu ao longo da vida, mesmo quando homem adulto e professor (como o próprio personagem reflete), o seu corpo nunca deixou de ser suspeito. Uma realidade que persiste no Brasil. Leia mais nesta reportagem da Fórum.
Leia resposta do MEC abaixo: