Vanilson Rodrigues Fernandes é o juiz titular da Vara do Trabalho de Xinguara, no Pará, que declarou temer pela própria vida após assinar uma decisão que contrária os interesses de uma família ligada ao garimpo, conhecida na região por frequentemente lançar mão da violência para alcançar seus objetivos.
“Eles não estão acostumados a resolver por meio de processo legal, então resolvem as coisas por meio da violência”, contou o magistrado para o jornalista Piero Locatelli, da Repórter Brasil.
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De acordo com o relato do juiz e de documentos protocolados no Ministério Público Federal, tudo começou em fevereiro do ano passado quando Fernandes autorizou a apreensão de uma retroescavadeira que estaria em posse João Anilton Brandão da Silva, cuja família está envolvida com o garimpo. A máquina seria usada como garantia do pagamento de R$ 400 mil devidos em direitos trabalhistas.
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Naquele momento, outros três parentes de João Anilton já haviam sido condenados por não terem registrado a carteira de trabalho ou pago direitos como o FGTS, as férias e o décimo terceiro salário daqueles que trabalhavam nos garimpos da família.
No dia da operação, policiais militares e oficiais de justiça conseguiram cumprir o mandado e levaram a retroescavadeira, mas foram recebidos com xingamentos e ameaças por João Anilton. “Isso não vai ficar assim, vão se foder todos vocês! Vocês não podem roubar minha máquina, ela tem dono”, disse.
Segundo o MPF, João Anilton ainda teria dito que iria “matar todos”. Questionado sobre a declaração pela Repórter Brasil, João Anilton afirmou que não proferiu tais palavras e que sua presença nos autos do MPF se devem ao relato de um dos PMs presentes na operação, que teria o objetivo de prejudicá-lo.
Mas mesmo com a negativa de João Anilton, e dado o histórico de ameaças a juízes do trabalho na região, a declaração assustou Vanilson Rodrigues Fernandes. “A gente está muito aflito, nenhuma autoridade pública deveria ser ameaçada”, disse. Devidos às ameaças, Fernandes tinha autorização do Tribunal Regional do Trabalho para trabalhar fora de Xinguara, onde está sua vara, e nas ocasiões em que precisava ir ao município tinha a segurança feita por ostensiva escolta policial.
Mas desde o último dia 17 de março perdeu este direito após a investigação contra João Anilton ser arquivada. Um tenente da PM e dois oficiais de justiça afirmaram que as ameaças não foram proferidas – tal como o próprio João Anilton revelou. No entanto, o sargento que relatou as ameaças não foi ouvido.
Hoje o juiz está preocupado com uma nova rodada de ameaças dado o andamento do processo e pede o retorno ao trabalho híbrido. Isso ocorre porque a retroescavadeira vai a leilão e deve ser vendida a R$ 600 mil, valor pelo o qual é avaliada. Outros três juízes relataram, nos últimos 12 anos, terem sofrido ameaças de morte após o confisco de equipamentos como este, que garantem o funcionamento dos garimpos.
Além disso, a Comissão Pastoral da Terra de Xinguara lembrou a reportagem de que há mais de 600 assassinatos registrados no sul do Pará nas últimas quatro décadas que guardam relação com disputas por terra e ações trabalhistas.
A família Brandão
Na pequena cidade de Xinguara a família de João Anilton é conhecida por tais práticas violentas. Em 2019, Marcos Araújo, sobrinho de João Anilton, ignorou o fato de estar em uma audiência trabalhista e intimidou a advogada dos empregados do garimpo que exigiam seus direitos: “você pode ter o mesmo fim da irmã Dorothy”, disparou na frente dos presentes em referência à Dorothy Stang, religiosa católica que foi assassinada em 2005 no município de Anapu, também no Pará.
O mesmo Marcos Araújo também declarou ter contratado pistoleiros para matar duas testemunhas do caso. Uma delas admitiu à imprensa que a família Brandão é conhecida por empregar pistoleiros. Já a advogada ameaçada registrou um boletim de ocorrência. Mas o processo que Marcos Araújo respondia acabou arquivado após a desistência das testemunhas em seguir participando das apurações.
Ameaças a juízes do trabalho
Em 2011 a juíza Tatyanne Rodrigues de Araújo, de Xinguara, recebeu ameaças de morte após determinar a apreensão e penhora do carro de um empregador que devia direitos trabalhistas.
Dois anos depois foi a vez do juiz Jonatas dos Santos Andrade, da Vara do Trabalho de Marabá (PA) após penhorar 900 cabeças de gado e 18 meios de transporte de um fazendeiro da região que também devia aos seus trabalhadores. O terceiro caso foi no início deste ano no munício de Redenção e a vítima foi a juíza Alessandra Silva Meyer Maciel.