O governo Lula mal começava quando estourou a crise que envolve o chamado genocídio do povo Yanomami, causado pela atividade do garimpo na terra indígena correspondente, em Roraima, que além levar a violência aos povos indígenas também degradou a área florestal de onde os yanomamis retiram água e alimentos, causando uma epidemia de fome. Logo de cara, o novo governo enviou homens da Polícia Federal, do Ibama, Funai e de outras forças do Estado para retirar os criminosos da região. No entanto, a tarefa não é tão simples, haja vista que o próprio garimpo está armado, e não é de hoje.
Desde o começo da recente invasão massiva de garimpeiros na Terra Indígena Yanomami, entre 2020 e 2021, a imprensa especializada denunciava a presença do PCC (Primeiro Comando da Capital) entre os cerca de 6 mil garimpeiros que desembarcavam na região atirando nos indígenas. Hoje, após uma série de eventos e os constantes episódios de trocas de tiro entre agentes do Estado e garimpeiros, a tese está confirmada.
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Ao Uol, Rodrigo Chagas, pesquisador do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Fronteiras da UFRR (Universidade Federal de Roraima) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, destrinchou a relação existente entre o PCC e outras organizações criminosas com o garimpo.
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Para Chagas, a facção oriunda de São Paulo controla a estrutura logística dos garimpos, em especial o que se refere a aviões e pistas de pouso. O objetivo é facilitar o escoamento de drogas para outros países. Além disso, adolescentes são empregados pela facção para vender drogas nos garimpos. A grama da cocaína, por exemplo, valeria o equivalente a um grama de ouro, cerca de R$ 290.
O PCC ainda controlaria pontos de venda de drogas em Boa Vista, capital do Estado. Ainda, de acordo com o relatório ‘Yanomami sob ataque’, do Instituto Socioambiental (ISA), integrantes da facção criminosa também atuam como seguranças privados do garimpo, o que explica as dezenas de relatos de trocas de tiros com policiais federais, fiscais do Ibama, da Funai e com os próprios indígenas.
De acordo com Chagas, haveria 3 perfis de garimpeiros. O primeiro perfil abrange aqueles que deixaram a Terra Indígena Yanomami após operações da PF e da Funai. Entre os que se recusaram a deixar as terras, há aqueles que acreditem que as operações sejam algo passageiro e aqueles que resistem às operações, entre os quais estariam garimpeiros diretamente associados às facções criminosas.
Corrutelas
“Corrutela” é o nome dado às casas de prostituição que atendem os garimpos. Segundo o pesquisador, também são operadas pelo PCC e por outras organizações criminosas.
Em 14 de março, uma menina de 15 anos, traficada ao lado de outras 4 mulheres adultas para servir como prostituta em área ocupada por garimpeiros na Terra Indígena Yanomami foi resgatada. Elas navegavam pelo rio Mucajaí com os agenciadores.
A PF informou que a mãe da jovem já havia registrado seu desaparecimento em 12 de fevereiro através de um boletim do ocorrência protocolado junto à Polícia Civil de Roraima. Ela não tinha notícias da filha. Já a jovem disse aos policiais que recebeu proposta para trabalhar como cozinheira no garimpo. O contato para o suposto emprego teria sido feito através das redes sociais e ela seguiu para o local de avião no dia seguinte ao contato, onde passou cerca de 20 dias.
A adolescente relatou aos policiais federais uma série de agressões que sofreu no período e através das informações dadas pela adolescente foi possível identificar alguns dos suspeitos de envolvimento no esquema.
“Por meio de perfis falsos em redes sociais, os aliciadores fariam o contato com mulheres e adolescentes, ofertando a possibilidade de trabalharem no garimpo nas mais variadas áreas (inclusive na prostituição) com promessa de ganhos irreais”, disse a PF em nota.
De acordo com as investigações, após aceitarem a proposta dos aliciadores, as vítimas eram transportadas por um motorista particular até uma pista de voo clandestina, operada pelos garimpeiros, onde ia de avião até o garimpo. Ao chegarem, eram informadas que seriam cobradas pelo transporte e que, dessa maneira deveriam ficar ali para pagar a dívida.
“Lá chegando, em condições de extrema precariedade, as vítimas eram informadas e cobradas pelos custos do transporte, que poderiam valer até R$ 10 mil, gerando, a partir daí, uma dívida inicial com os gerentes do grupo criminoso”, explicou a PF.
Mas não era apenas o carro e o voo que as vítimas adquiriam como dívida. Também a alimentação e a moradia que utilizavam no garimpo entrava na conta. Elas não poderiam deixar o local, de acordo com informe da organização criminosa, enquanto ainda devessem. O problema é que a dívida só crescia. A cada dia que passava, mais alimentos eram consumidos e mais tempo de moradia era alugado.
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Na esperança de conseguir pagar a dívida e poder voltar para casa, as mulheres e adolescentes chegavam a fazer 15 programas por noite. Também sofriam ameaças caso não quisessem fazê-los.
Em 19 de março, as irmãs Francisca de Fátima (40) e Marilene (44) Guimarães Gomes foram presas acusadas de chefiar o esquema. As irmãs foram presas em casa e levadas à Cadeia Pública Feminina, em Boa Vista. Na residência de uma delas foram encontrados joias e ouro.
Também são investigados por encabeçar o esquema o marido de Marilene, Márcio Conceição Vieira, e uma terceira mulher, Thaliny Nascimento Andrade. Ambos tiveram prisões decretadas e estavam foragidos até as últimas informações divulgadas.
O delegado Marco Bontempo, responsável pela investigação, afirmou à Rede Amazônica que pela primeira vez ficou evidente o funcionamento da logística que permite esquemas de tráfico humano e exploração sexual para atender aos garimpeiros em terras yanomamis. “Já tínhamos o conhecimento de ‘cabarés’ no garimpo, mas essa é a primeira vez que identificam uma logística tão estruturada, e que é uma das logísticas que mantém o próprio garimpo”, analisou.
Outras organizações criminosas atuam na região
Não é só o PCC que atua na região. Com um modus operandi muito semelhante, também há registro da presença do Comando Vermelho e de facções venezuelanas. Os criminosos controlariam tanto o transporte terrestre, realizado por rotas que cruzam fazendas, como as infraestruturas aeroviária e fluvial.
Enquanto o PCC teve êxito em controlar uma grande porção das operações, obtendo enorme influência na atividade, o domínio do CV e das facções internacionais é mais tímido. Atuariam em conjunto e com foco apenas no tráfico de drogas. Entre as facções venezuelanas identificadas por Chagas estão Casa Podrida, Tren del Sur, Tren de Llanos e Tren de Aragua. “Defender a TI Yanomami é criar um escudo que seguraria o avanço dessas facções sobre o território nacional”, declarou o pesquisador.
Em conjunto, CV e venezuelanos teriam maior controle sobre o tráfico de drogas na região de Alto Alegre (RR), onde controlam pistas de pouso e aviões que levam drogas para Colômbia, Guiana e Suriname.