Um cartaz afixado a um muro com cola à base de água para protestar contra o genocídio do povo palestino por Israel está no centro de mais uma investida de entidades sionistas contra críticas ao governo de extrema direita do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu.
A tática sionista de silenciar vozes em defesa do povo palestino que está sendo massacrado em Gaza tem vários operadores mundo afora. No Brasil, em nível nacional, a Confederação Israelita do Brasil (Conib) e a StandWithUs Brasil, por exemplo. Ou em nível local, como a Federação Israelita do Rio de Janeiro (Fierj).
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No dia 19 de dezembro, a designer Marieta Tunes Dantas e o artista João Rivera Monteiro fixaram um cartaz com uma suástica sobre o nome de Israel em um mural dedicado a Carlos Drummond de Andrade no Teatro Municipal Sérgio Porto, localizado no bairro de Humaitá, no Rio de Janeiro (RJ).
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Os dois foram filmados e identificados, o vídeo circulou pelas redes sociais e fora delas, saiu em sites e jornais e chamou a atenção da Fierj, que adotou uma prática cada vez mais comum entre as entidades sionistas: distorcer a lei que combate o nazismo no Brasil para criminalizar as críticas ao governo de Israel.
A entidade sionista fluminense fez um Registro de Ocorrência na Delegacia de Crimes de Intolerância Racial (Decradi) dias após o ocorrido. Um entre os 650 que havia registrado até 27 de novembro naquele ano de 2023, 51 dias depois do ataque do Hamas contra Israel, em 7 de outubro e em meio à escalada do conflito. Desde o dia 1 de novembro do ano passado a Fierj mantém vários canais para receber denúncias, entre eles um site.
Lei antirracismo não proíbe protesto contra governos
A fundamentação usada por entidades sionistas como a Fierj para enquadrar protestos contra o sionismo na cota de antissemitismo é equivocada, avalia o advogado de defesa de Marieta, Fernando Fernandes.
Os dois artistas foram indiciados pela Polícia Civil do Rio de Janeiro (PCRJ) sob acusação de vandalizar o mural, além de racismo, intolerância religiosa e dano ao patrimônio público.
O delegado titular da 10ª DP (Botafogo), Alan Luxardo, informou que o indiciamento foi realizado com base no primeiro parágrafo do artigo 20 da Lei 7.716/89, que aborda os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor.
Em declaração a O Globo, o presidente da Fierj, Alberto David Klein, aprovou a medida do delegado. "Nada justifica expor uma suástica, pois é apologia ao nazismo e isso é crime. Fere a lei 7.716/89. Por isso, fizemos a denúncia", disse.
O artigo 20 da Lei 7.716/89 caracteriza como crime "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional," estipulando pena de reclusão de um a três anos e multa.
O primeiro parágrafo do artigo especifica que "fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo," pode acarretar pena de reclusão de dois a cinco anos e multa.
O advogado de defesa de Marieta, Fernando Augusto Fernandes, rebate essa interpretação da legislação adotada pelo delegado responsável pelo caso da cliente. Em petição enviada à autoridade policial competente ele argumenta:
"A tipificação do art. 20, §1º da Lei 7.716/892 exige um elemento subjetivo especial, uma finalidade específica, que a conduta seja praticada 'para fins de divulgação do nazismo'. A manifestação artística ou até mesmo política que vise, por exemplo, a denunciar o nazismo, quaisquer formas análogas ou novas manifestações, não pode ser punida", escreve o advogado.
Manifestações artísticas com uso de suásticas
Fernandes cita no documento outros exemplos de manifestações artísticas que denunciaram o nazismo com o uso de suásticas. Como Bansky, que, em 2018, divulgou a obra abaixo numa exposição em Paris. Neste ano, a peça foi exposta no Brasil.
Ou ainda no Rio Grande do Norte, onde um grupo artístico fez uma manifestação contra o neonazismo em 2018. "A manifestação envolvia, justamente, a pintura de suásticas nazistas nos corpos dos manifestantes", relembra Fernandes.
"E esse é o caso da presente investigação. A Requerente está sendo investigada por um ato de protesto, de repúdio aos atos violentos do governo israelense contra a sociedade civil inocente. Não há a finalidade de divulgação ou propagação do nazismo; ao revés: pretendeu-se repudiar atos violentos de um governo", compara Fernandes.
"Uma perseguição política"
Marieta conversou com a Fórum neste sábado (17). Ela avalia que o episódio faz parte de algo que acontece neste momento em vários países do mundo. Em ações coordenadas contra judeus e não judeus que protestam conta os abusos do governo israelense.
Assustada, com a fala acelerada e se dizendo confusa frente à possibilidade de ser acusada por atos associados a valores que ela abomina, como racismo e intolerância religiosa, ela falou ao telefone com essa reportagem.
"A gente assiste ao genocídio ao vivo e quem denuncia é perseguido", indigna-se.
Por mensagem de texto, em resposta a um pedido de comentário para essa matéria, ela escreve que o caso dela trata-se de perseguição política.
Em depoimento à polícia, feito em carta escrita de próprio punho, no dia 23 de dezembro, Marieta esclareceu que acompanha os desdobramentos da escalada de violência na Faixa de Gaza desde o dia 7 de outubro, quando o Hamas atacou Israel e fez centenas de vítimas inocentes e reféns.
"Venho acompanhando diariamente os bombardeios sobre a Faixa de Gaza que matam sobretudo civis que não têm nenhuma relação com os terroristas, o que me causa imensa aflição e sofrimento", escreveu.
"É impensável que mesmo com todo o sofrimento pelo qual passou o povo judeu quando de uma das maiores atrocidades de desumanização e extermínio que a humanidade já presenciou o Estado de Israel insista em bombardear essa população de civis e mate inocentes. O Estado de Israel age tal qual um estado nazista e tem feito a todos que combatem o que tem ocorrido na Faixa de Gaza, um sofrimento gigantesco."
"Se a utilização de símbolo tão abjeto pode ter, por ventura, sido mal interpretado, causando ofensa ou ter infligido sofrimento ao povo judeu, por isso peço desculpas. Esta nunca foi a minha intenção. Persisto, contudo, em defesa de humanidade , e nesse ponto em defesa do povo palestino, do povo judeu e dos inocentes que estão em Gaza", explicou.
Marieta também explicou em depoimento que o uso da suástica tinha o objetivo de denunciar os atos de Israel.m que que se assemelham às atrocidades nazistas.
O cartaz afixado com cola à base de água é facilmente removível e não danificou o mural em homenagem a Drummond. A violência dos sionistas contra o povo palestino e quem os defende da sanha genocida das defesas de Israel ficará marcada na história.
Números da violência
O ataque do Hamas em 7 de outubro deixou 1.160 mortos, a maioria civis, segundo uma contagem realizada pela AFP com base em dados oficiais israelenses. Integrantes do Hamas sequestraram 250 pessoas em 7 de outubro, 105 das quais foram trocadas por 240 presos palestinos. Israel afirma que 130 pessoas permaneceram em cativeiro, 30 das quais morreram desde então.
Em resposta, Israel lançou uma ofensiva em Gaza que deixou 28.858 mortos, a maioria mulheres e menores, segundo o ministério da saúde da Autoridade Palestina. A ofensiva destruiu grande parte do território palestino e forçou 1,7 milhão de pessoas, quase 80% da população, a abandonar suas casas, segundo a ONU.