A Ditadura Militar brasileira e o nazifascismo são os principais temas questionados por revisionistas ideológicos dentro das escolas. É o que aponta a pesquisa de mestrado Tuas Ideias Não Correspondem aos Fatos: O Ensino de História e o Revisionismo Ideológico em Difusão na Atualidade, do pesquisador Pedro Zarotti Moreira, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A pesquisa é a primeira a investigar a ação dos revisionistas ideológicos, ou negacionistas, como são mais conhecidos, dentro das escolas do ensino fundamental e médio. Zarotti se concentrou nos professores voluntários do programa de pós-graduação Profhistória da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), composto por diferentes instituições de ensino superior destinado a professores de História que atuam na educação básica.
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De acordo com o resultado, dos 85 professores ouvidos, 66 disseram ter presenciado alguma manifestação de revisionismo ideológico no espaço escolar. Desses, 60 afirmaram que o questionamento surgiu dos alunos, seguidos de pais e responsáveis (27 menções); colegas e professores (23) e superiores (17).
O pesquisador define como revisionismo ideológico a análise dos fatos do passado feita com metodologias próprias tendenciosas, sem a utilização de procedimentos acadêmicos reconhecidos da pesquisa historiográfica. Normalmente, esses negacionistas usam de exceções para “provar” que teses consagradas por historiadores acadêmicos seriam “falsas”.
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Dentre os assuntos mais modificados pelos negacionistas, está a atenuação da violência na Ditadura Militar brasileira, com 41 citações na pesquisa; a inversão ideológica do nazismo, colocando-o como de esquerda, com 15 citações e a diminuição da violência da escravidão no Brasil, com 7 citações. Temas como racismo (4), religiões de matriz africana (4) e indígenas (4) também são alvos dos revisionistas ideológicos.
“O que me chamou muita atenção, que eu considero muito mais alarmante do que os próprios pais, os próprios alunos em si, são as outras figuras que apareceram com um certo número também destacado, embora menor. A gente tem superiores, diretores, coordenadores, e os próprios colegas [professores], que também estão manifestando revisionismo”, disse o pesquisador.
Zarotti ainda acrescenta que "em um espaço que deveria ser de combate, de análise, de desmontagem dessas narrativas revisionistas, ela encontra ali dentro atores sociais que estão endossando essas falas. Os professores que deveriam estar a favor do conhecimento científico, mas estão ali se posicionando contra ele, comprando esses discursos revisionistas e trazendo para a escola. Isso me preocupa muito”, diz.
Um caso que chamou a atenção do pesquisador foi o relato de um professor sobre um intérprete de libras que só transmitia aos alunos aquilo que era de seu interesse. "Há 2 anos tinha uma aluna surda, o intérprete só sinalizava aquilo que concordava. Chegou a passar aulas inteiras em silêncio quando abordei a ditadura militar”, diz o relato do professor, segundo Zarotti.
A pesquisa também mostra que os casos de revisionismo ideológico acontecem principalmente no último ano do Ensino Fundamental (9°) e nos três anos do Ensino Médio. Para Zarroti, isso se explica no fato de que, durante esses anos, os alunos estão numa faixa etária onde estão desenvolvendo uma postura mais questionadora com o professor; e também devido aos assuntos históricos abordados nesses períodos.
Ali pelos 13, 14 anos, os alunos começam a assumir uma postura mais questionadora, de embate com o professor. Isso vai se tornando mais comum, principalmente a partir do oitavo ano e o começo do nono ano. Como se eles criassem mais coragem de testar os limites dos professores. Então o revisionismo meio que dá uma certa munição para esses alunos entrarem em conflito com os professores.
Nessa época, os alunos estão estudando temas como Revolução Russa, Stalinismo, Fascismo, Nazismo e Ditadura Militar, "que é o grande ponto de maior tensão", afirma o pesquisador.
A maior incidência do revisionismo ideológico nos últimos anos do ensino básico pode ser explicada por diferentes fatores relacionados, para Zarotti, como a polarização política ideológica, acirrada nos últimos dez anos; o avanço das redes sociais e suas 'bolhas'; e o crescimento da extrema direita.
"Isso dá um certo verniz de credibilidade para o movimento porque quando você vê uma pessoa chefe do executivo difundindo uma fala revisionista, isso meio que legitima o movimento para aquela pessoa que está ali mais ou menos no meio do caminho, que é até uma direita mais moderada ou que está descontente com alguma coisa da situação, ou que não tem uma outra fonte de informação", afirma.
De fato, o movimento negacionista ganhou espaço, principalmente, nos últimos quatro anos com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Não só em questões sociais, já que ele é, abertamente, defensor da Ditadura Militar, mas também em questões sanitárias com suas atitudes anti-vacina.