Uma série de decretos publicados pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para facilitar a compra e o uso de armas no Brasil, beneficiaram uma série de traficantes internacionais. Isso porque, acessórios como carregadores, miras e lunetas que aumentam a precisão e a capacidade de uma arma deixaram de fazer parte da lista de Produtos Controlados pelo Exército (PCE). Com a mudança, a compra, a importação e o uso desses acessórios não dependem mais de autorização militar e também não são mais considerados restritos ou proibidos.
Um desses beneficiados é o traficante de armas Alex Maicon Silva da Leve, um dos 19 alvos da Operação Gun Express, da Polícia Federal, que desbaratou uma quadrilha que fornecia armas e acessórios comprados no Paraguai para traficantes, milicianos e ladrões de banco de quatro estados: Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Bahia.
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Na época, a PF conseguiu rastrear duas encomendas enviadas por Alex Maicon pelos Correios da fronteira para Salvador, na Bahia. O traficante havia despachado 16 miras laser, nove carregadores estendidos de pistola, com capacidade para 31 cartuchos, escondidos num aparador de chutes, produto acolchoado usado em treinos por lutadores de MMA. O traficante virou réu por tráfico internacional de acessórios de armas. Como as miras eram produtos restritos a algumas categorias, e os carregadores alongados eram proibidos no país, o crime era considerado mais grave, onde a pena aumentava 50% e podia chegar a até 12 anos.
Em janeiro de 2021, quando Alex Maicon Silva da Leve foi condenado, o juiz Marcus Holz, da 14ª Vara Federal de Curitiba, não aplicou o aumento de 50% na pena “pois os acessórios de arma de fogo não eram de uso proibido ou restrito”. Com isso o réu foi sentenciado a 5 anos e 10 meses por tráfico internacional de acessórios.
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Antes das medidas de Bolsonaro, a pena pelo crime chegaria a 8 anos de prisão.
Outros processos localizados pelo O Globo, mostram que o traficante não foi o único beneficiado pelos decretos de Bolsonaro. Outros sete condenados por entrar no país ilegalmente com lunetas, miras ou carregadores conseguiram penas menores e até acabaram absolvidos.
Outro caso foi do baiano Danilo Azevedo Sá Oliveira Teles. Ele é apontado pela PF como o responsável por encomendar e receber da quadrilha, quatro pistolas calibre .40, quatro miras laser e oito carregadores, sendo quatro deles, “com marcas de solda na seção transversal.
Com os decretos facilitadores, no entanto, as pistolas calibre .40 passaram a ser de uso permitido e os acessórios deixaram de ser PCE — e a pena de Teles, que poderia ter chegado a 7 anos e meio, foi de 5 anos.
Os carregadores estendidos foram os que sofreram maior alteração. Antes dos decretos, o produto - que aumenta a capacidade de cartuchos que uma arma pode carregar permitindo que um atirador faça mais disparos sem interrupção - era proibido no Brasil e não era usado nem pelo próprio Exército e pelas polícias, desde 2001. Em fevereiro do ano passado, um decreto publicado por Bolsonaro tirou os carregadores da categoria de produto proibido.
Esses carregadores estendidos são apreendidos, com frequência, no poder dos traficantes do Rio. Para ter uma ideia, em dezembro de 2021, por exemplo, 39 acessórios do tipo que seriam usados numa guerra entre facções em Brás de Pina, na Zona Norte do Rio, foram interceptados e apreendidos pela polícia.
Pena reduzida e liberdade
Condenados por tráfico de acessórios restritos passaram a recorrer a cortes superiores para terem suas penas reduzidas, sob o argumento de que "os produtos não são mais controlados pelo Exército". Eles utilizam as normativas do governo federal para convencer a justiça.
Num desses casos, o ministro Nefi Cordeiro, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu pela redução da pena de Wanderlei Antônio Frey, de seis para quatro anos. Wanderlei foi preso com uma luneta usada em espingardas, escondida no carro em São Paulo.
Na decisão, o magistrado citou a mudança trazida pelo decreto de Bolsonaro: “com a nova normativa, somente será considerado acessório de arma de fogo de uso restrito aquele que possuir visão noturna ou que for de utilização exclusiva ao emprego militar ou policial”. Na prática significa que as demais lunetas são de uso permitido. Com a redução da pena, o réu passou do regime semiaberto para o aberto.
Em outros processos os magistrados decidiram extinguir a pena do réu, como no caso de Tiago Carvalho Matos. O homem havia sido condenado a seis anos de prisão por entrar no país ilegalmente com três lunetas, de uso restrito. Com a mudança na legislação, a defesa solicitou que o caso fosse revisto, e a 4ª Seção do TRF-4 decidiu absolver o réu “pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso”.
No entendimento dos desembargadores, o Estado, ao editar os decretos, “externou desinteresse em punir criminalmente o agente que importa lunetas/miras, sem autorização do órgão público”.
Para o gerente do Instituto Sou da Paz e especialista em controle de armas, Bruno Langeani, as decisões tomadas pelos tribunais são consequência dos sucessivos decretos e portarias de Bolsonaro ."... [sic] Foram mais de 30 decretos e portarias alterando de forma brutal um assunto muito técnico. Mas, para além disso, as medidas claramente facilitam o acesso do crime organizado a itens que lhes são de alto interesse, como carregadores de alta capacidade e acessórios que aumentam o poder de fogo de fuzis", afirmou.
Com informações de O GLOBO