O bloco "Turistas de Adis Abafa", da cidade mineira de Cássia, a 392 km de Belo Horizonte, desfila no carnaval com seus integrantes usando "blackface" há 81 anos, mesmo com o costume de brancos pintarem o rosto de preto ser considerado ofensiva e racista no mundo todo há pelo menos 30 anos. Em 2014, a prefeitura da cidade sancionou uma lei que considera o bloco como "de utilidade pública" e promove o desfile do "Adis Abafa" em suas redes sociais. O "Adis Abafa", que desfilou no sábado, 18 de fevereiro, e voltar a sair na segunda-feira de Carnaval, foi criado em Cássia em 1942. Como não houve carnaval de rua no ano passado em virtude da Covid-19, os desfiles deste ano estão sendo comemorativos dos 80 anos do bloco.
O instagram do "Adis Abafa" conta a seguinte história para justificar o nome e as caras pintadas de preto: "Eram meados de 1941, quando Wandic Mendonça, Júlio Batista e Jair Mahalem, cassienses carnavalescos, fundaram o Adis Abafa. Wandic havia feito uma viagem recente ao Rio de Janeiro, onde conheceu um grupo de excursionistas de Adis Abeba, a maior cidade e capital da Etiópia, que visitava a cidade maravilhosa, na época também capital do Brasil. Fizeram muito sucesso por lá, usando roupas iguais, todos pretos, e com cartolas brancas na cabeça. E foi assim que os africanos inspiraram o cassiense..."
"Por pura admiração, e recriando nos mesmos moldes vistos, adotando um inteligente trocadilho no termo 'abafa' (usado na época para enaltecer um grande sucesso), no lugar do nome da capital etiopiana, nasceu o 'Turistas de Adis Abafa'. Para a nossa alegria, Cássia em peso adotou o bloco", contam. Diante de possíveis críticas, ratificam o uso do blackface: "A família Adis Abafa permanece feliz, unida, cheia dessa cultura linda, de cara pintada SIM".
Morador de Cássia, um leitor do site que preferiu não se identificar disse que suas reclamações são vistas pelos integrantes do bloco, a maioria brancos, e por outros moradores da cidade, como mimimi. "Estamos em 2023 e eu me recuso a não tentar ação alguma contra as injustiças desse país. Na minha cidade existe um bloco de carnaval 'tradicional', com 81 anos, onde a tal tradição é fazer BLACKFACE e desfilar pelas ruas da cidade, cantando aquelas marchinhas tão racistas quanto a própria pintura", criticou.
"Ao tentar conversar com as pessoas da cidade sobre esse descolamento da realidade, a população em geral discorda, diz que o preconceito está em minha cabeça, que o mundo é chato, mimizento, e que a pintura não apresenta preconceito, e sim uma homenagem."
Uma das marchinhas, Tinta Negra, também atribui a pintura dos rostos à "tradição":
Esta negra tinta
que pintei meu rosto
Não manchei minh'alma
Nem meu coração
Se pintei meu rosto
foi uma ilusão
esta negra tinta
é a minha tradição.