CYNARA MENEZES
Eduardo Bolsonaro desembarcou no aeroporto de Ezeiza, em Buenos Aires, na manhã do domingo, 22 de outubro, crente e abafando que iria causar um efeito avassalador na campanha de Javier Milei, o extremista de direita que despontava como favorito para ganhar as eleições na Argentina no primeiro turno. E causou. Só que um efeito bem contrário ao que ele imaginava: o discurso pró-armas de Bananinha ajudou a levar a disputa ao segundo turno e com Milei atrás do peronista Sergio Massa.
Recebido em Ezeiza pelo deputado Nahuel Sotelo, espécie de Nikolas Ferreira de lá, Eduardo chegou de boné, camiseta e jeans, figurino que logo trocaria por um terno escuro e uma gravata azul estampada onde reluzia um prendedor em formato de pistola de cano longo.
Lutando bravamente contra o castelhano, o 03 dos Bolsonaro daria entrevistas a, segundo ele próprio, cerca de 20 veículos do país vizinho. O portal El Destape perguntou a ele qual era sua proposta favorita dentre todas de Milei. Decisão difícil, porque o que não faltam a Milei e seu grupo são propostas.
Eduardo poderia ter escolhido "dinamitar" o Banco Central, romper relações comerciais com "comunistas" como China e Brasil (e também com o Vaticano), liberar o mercado de venda de órgãos humanos, acabar com a obrigatoriedade da escola... Podia ter apontado até mesmo a proposta da maquiadora do candidato, Lilia Lemoine, eleita deputada pela província de Buenos Aires, de possibilitar aos homens o direito de renunciar à paternidade.
Mas não, Eduardo "Bananinha" queria falar aos argentinos do seu fetiche máximo: as armas de fogo. O canal C5N já havia dado sinais de que o assunto não era bem-vindo ao interromper ao vivo o filho poliglota de Bolsonaro quando ele tentou introduzir o tema.
"Avançar na liberação de armas de fogo significa dar condições para os cidadãos terem legítima defesa, para que não sejam massacrados", dizia Bananinha ao ser cortado. "Obrigado, Mariano, a Argentina e nós argentinos somos generosos demais para receber esse tipo de gente, não?", disse o apresentador. "Por isso que seu pai foi tirado do poder pelos brasileiros, por sorte."
O jovem repórter do El Destape deixou 03 hablar, e isso foi ótimo. "Entre as propostas de Milei, a parte da arma es la que más me encanta, como se pode notar pela minha gravata", disparou, em portunhol selvagem, exibindo o prendedor-revólver. "Olha, ele tem um revólver de prendedor de gravata", disse o atônito rapaz. "Porque você pode falar de tudo", continuou Eduardo, "de educação, de saúde, mas primeiro por supuesto você tem que estar vivo, então esta seria a palta que eu mais gosto e uma das principais de Milei."
Eduardo não contava com um detalhe: a "palta" (ele queria dizer "tema", "pauta"; saiu "palta", abacate) que o encanta não encanta os argentinos. Segundo uma pesquisa divulgada em abril, a rejeição às armas de fogo é imensa no país: 77,3% dos argentinos não querem que as armas sejam liberadas; só 16,1% concordam que sejam. O tiro literalmente saiu pela culatra. Eduardo conseguiu o que queria: colar em Milei o carimbo de "defensor das armas" de fogo –mas isso não foi nada bom para o "Bolsonaro argentino".
Mal terminou a apuração e seu adversário Sergio Massa já estava explorando o tema. "Meu compromisso é construir mais Argentina e mais argentinidade, e não menos; construir mais ordem, mais segurança, e não improvisação; construir regras claras diante da incerteza. Meu compromisso é construir uma pátria na qual sem dúvidas tenhamos a capacidade de escolher se nossos filhos vão à escola com um computador na mochila e não com uma arma na mochila", disse Massa em seu discurso de vitória, na noite de domingo.
Na segunda-feira pós-eleitoral, os marqueteiros, os mesmos da campanha vitoriosa de Lula em 2022, aproveitaram a deixa para produzir para o candidato peronista um vídeo impactante que viralizou nas redes. Nele, uma criança chega à escola com um revólver dentro da mochila. Detalhe: no mesmo dia, um estudante armado com um calibre 38 (o número do partido que Bolsonaro queria criar em 2019) havia invadido um colégio estadual em São Paulo, ferido três estudantes e matado uma menina de 17 anos.
Como uma Carla Zambelli correndo de pistola na mão pela avenida 9 de Julho (a de Buenos Aires), Eduardo Bolsonaro pode ter ajudado a destruir a candidatura de Milei com seu discurso armamentista. Como se não bastasse, ainda ganhou fama de "mufa", como dizem os argentinos sobre quem tem pé-frio. "Por favor, que Milei não traga para o segundo turno o MUFA do Eduardo Bolsonaro. Recordo a vocês que ele viajou para os EUA para celebrar a 'vitória' de Trump e ele perdeu", protestou um eleitor de Milei no X, ex-twitter.
Como uma Zambelli de pistola na mão pela 9 de Julho (a de Buenos Aires), Eduardo pode ter ajudado a destruir a candidatura de Milei com seu discurso pró-armas. Como se não bastasse, ainda ganhou fama de "mufa", como dizem os argentinos sobre quem é pé-frio
No C5N, o apresentador Alejandro Bercovitch tirou onda, aliando tanto a má estratégia de defender armas num país que as rejeita quanto o azar, a zica que parece tradição familiar. "Estava o terceiro filho de Bolsonaro, Eduardo, o homem que vai passeando, em geral com má sorte, por distintos países quando algum extremista de direita se lança candidato. Esse homem que chegou no domingo de manhã e disse: 'apoiamos a liberdade do porte de armas'. Sem perceber que este não é um valor para a sociedade argentina."
Não sabemos ainda o que acontecerá no segundo turno da eleição argentina, em 19 de novembro. Mas, a se confirmar a derrota de Javier Milei, os cientistas políticos certamente irão se debruçar sobre o que entrará para a história como "el efecto Bananiña". Eduardo não confirmou se irá à Argentina para a disputa final entre Milei e Massa. Os peronistas estão torcendo para que volte.