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Tarifas e guerra comercial dos EUA: afinal, o que pretende Donald Trump?

De taxas a isenções, a política do presidente dos EUA gera caos e incertezas. Há um plano mestre para a economia e para o país ou apenas uma busca por poder e influência?

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Jornalista formado na ECA-USP, colaborador do Outras Palavras, ex-editor-executivo do Brasil de Fato, ex-editor da Rede Brasil Atual e ex-âncora na TVT e Rádio Brasil Atual.
Tarifas e guerra comercial dos EUA: afinal, o que pretende Donald Trump?
Gage Skidmore/Flickr

Após anunciar a imposição de tarifas de importação de 25% sobre Canadá e México e de 20% em relação à China, Donald Trump recuou em parte ao conceder isenção para companhias automotivas que tenham relações comerciais com os dois países vizinhos. É um episódio representativo do tipo de política que o atual presidente dos EUA tem apresentado não só a outras nações, mas também internamente.

Como aponta este artigo do The Wall Street Journal, um dos setores da economia do país que apresenta maior interligação entre os EUA e seus vizinhos é o automotivo. E, dependendo de como o governo Trump estruturar as novas tarifas, cada travessia de um produto ou peça pelas fronteiras pode resultar em custos ou até mesmo inviabilizar algumas fábricas.

Conforme dados da Organização Internacional de Fabricantes de Veículos Motorizados, a América do Norte produziu cerca de 16 milhões de veículos em 2023 e a maioria é montada usando aço e equipamentos de Estados Unidos, Canadá e México.

Um dos exemplos citados pelo jornal é o da empresa canadense Linamar, que usa fábricas nos três países para fabricar módulos de transmissão para veículos vendidos nos EUA.

“Houve décadas de investimento, décadas de cada país desenvolvendo o que ele é bom”, aponta a presidenta executiva da Linamar, Linda Hasenfratz, ao WSJ. “Tentar desmontar isso agora só vai gerar muito custo e sacrifício.” Muitas vezes as peças entram e saem mais de uma vez no comércio entre os países.

Reindustrialização dos EUA

Donald Trump afirma que as tarifas fazem parte de um objetivo econômico maior. Ainda que sua imposição se dê pela justificativa oficial da preservação da segurança nacional, relacionada ao tráfico de fentanil, o que permite ao presidente elevar a taxação sem autorização do Congresso, em sua campanha ele prometeu promover o crescimento industrial no país, uma promessa, aliás, feita também à época de sua primeira eleição à Casa Branca.

"Eu pessoalmente acrescento o ponto de que tarifas direcionadas podem ser uma ferramenta útil para disciplinar relações comerciais injustas, mas tarifas abrangentes, o tipo favorecido pela administração Trump, têm consistentemente demonstrado fazer mais mal do que bem", pontua o ex-economista-chefe e ex-conselheiro de política econômica do vice-presidente dos Estados Unidos, Jared Bernstein, em seu Substack.

Um dado apontado por ele mostra o quanto as pretensas iniciativas para favorecer a indústria estadunidense podem fazer mais mal do que bem. "Algo como 40%-45% das nossas importações são insumos para a fabricação doméstica. Esse é um fato essencial e é por isso que você tem fabricantes domésticos já pedindo isenções das tarifas", diz. Segundo ele, não é mais possível "desfazer a omelete da globalização".

Além da queda na Bolsa de Nova York e de outros índices dos mercados financeiros nos dois dias seguintes ao anúncio de Trump, há outros números que sugerem um efeito recessivo na economia, de acordo com Bernstein.

Aumento de custos e incertezas

Pesquisas mostram que os consumidores estão preocupados com os efeitos dos preços e 7 em cada 10 acham que as tarifas aumentam os custos. As empresas também estão temerosas: a demanda e a produção e estão passando pelo "primeiro choque operacional da política tarifária da nova administração", segundo Timothy Fiore, que preside o Comitê de Pesquisa de Negócios de Manufatura do ISM, uma das principais instituições responsáveis pela divulgação de indicadores econômicos que medem a atividade do setor industrial e de serviços nos Estados Unidos.

O PMI industrial, indicador econômico que mede a atividade do setor, caiu de 50,9 em janeiro para 50,3 em fevereiro, abaixo da estimativa consensual de 50,6 dos economistas pesquisados pelo The Wall Street Journal. O subíndice de preços saltou para 62,4, o maior em quase três anos, e o ISM citou vários participantes da pesquisa sinalizando preocupações com tarifas.

"As tarifas de entrada estão fazendo com que nossos produtos aumentem de preço. Aumentos de preços radicais estão vindo de fornecedores. A maioria está notando aumentos nos custos de mão de obra... Pressões inflacionárias são uma preocupação", disse um dos fabricantes ao instituto.

Tem sentido?

Mas qual seria o sentido da política econômica de Trump? Os sinais são contraditórios e poucos têm conseguido compreender se, de fato, existe um planejamento por parte do governo para a economia do país. O que existe são discursos nem sempre conectados entre si, do presidente e de seus auxiliares, ameaças, recuos e intenções muitas vezes contraditórias.

O coeditor do American Prospect e professor na Heller School da Universidade Brandeis, em Massachusetts (EUA), Robert Kuttner fala sobre o risco de se produzir um cenário de estagflação. "Uma questão-chave relacionada é se Trump tem algum plano mestre para a economia aqui, ou se ele é simplesmente louco. A evidência é que o esforço de Trump para destruir o governo reflete uma certa consistência maligna, mas que seu esforço para destruir a economia é baseado em pura ignorância e impulsividade", acredita.

"Sua política econômica é internamente inconsistente e totalmente em desacordo com sua necessidade política de domar a inflação. Ele está a caminho de ter o tipo de estagflação que houve no governo de Jimmy Carter, só que muito pior — e autoinfligida", alerta.

Em um artigo publicado no The Atlantic, o jornalista Jonathan Chait arrisca uma explicação. Para ele, medidas como a imposição de tarifas são uma forma de Trump concentrar ainda mais poder político em torno de si.

Ele descreve como o republicano usa o expediente para aumentar sua influência junto a poderosos setores econômicos. "Durante seu primeiro mandato, Trump aplicou tarifas amplas e então entreteve um desfile de executivos implorando por isenções, que sua administração distribuiu conforme seu capricho.

O Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos recebeu mais de 50 mil solicitações de empresas nacionais para exceções às tarifas sobre produtos chineses, enquanto o Departamento de Comércio examinou quase meio milhão de solicitações de isenção", destaca. "As decisões de Trump eram frequentemente arbitrárias — Bíblias obtiveram uma exceção tarifária, com base aparente de que seus custos precisavam permanecer baixos, mas os livros didáticos não."

Barganha e poder

Chait aponta ainda que um estudo publicado pelo Journal of Financial and Quantitative Analysis descobriu que empresas que doaram para Trump ou contrataram funcionários de sua administração tinham mais probabilidade de receber exceções tarifárias. "As tarifas e a capacidade de distribuir exceções sem qualquer supervisão ou método eram 'um sistema de espólios muito eficaz', permitindo que a administração do dia recompensasse seus amigos políticos e punisse seus inimigos, concluíram os autores."

Trump quer repetir, na prática, com os senhores do dinheiro dos EUA o mesmo que conseguiu fazer com o Partido Republicano. À medida que foi acumulando poder e capital político, "converteu" ou aniquilou politicamente seus adversários dentro da legenda e agora busca a mesma hegemonia em meio à classe dominante do país.

E ele vem conseguindo isso por meio de sua "parceria" com Elon Musk, que escancarou a ausência de limites entre o público e o privado na sua administração, com conflitos de interesses evidentes sendo ignorados na relação do bilionário com o atual presidente. Isso atraiu alguns outros bilionários, antes refratários a Trump, que agora buscam agradá-lo para não sofrerem retaliações e/ou estabelecerem meios de expandir ainda mais seus lucros.

O atual presidente dos EUA nunca acreditou na "mão invisível" do mercado, assim como o dono da Tesla e outros donos do capital. Querem, na verdade, se apropriar do Estado e de seus mecanismos para proveito próprio. E nada melhor que um regime autoritário em construção, como o de Trump, para concretizar seus intentos.

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