DIÁRIO DA CHINA

Vozes do Sul Global querem fim do massacre em Gaza

Em conversa com jornalistas de vários países, muitos defendem a solução de dois Estados para avançar rumo à paz entre Israel e Palestina; entre os colegas jovens, a ausência de pensamento crítico é assustadora

Créditos: Xinhua - Coletiva de imprensa com autoridades econômica da China reúne jornalistas chinese e de vários países do mundo
Escrito en BLOGS el

Durante os intervalos da intensa cobertura das Duas Sessões aqui em Beijing, capital nacional da China, aproveito para trocar ideias com colegas jornalistas de outros países sobre questões relacionadas à geopolítica global, em especial sobre os conflitos armados.

Também conversamos sobre a vida em nossos países de origem e os principais desafios que nossos povos enfrentam. E, claro, trocamos impressões sobre nossos olhares sobre a política chinesa.

O assunto que domina nossos diálogos é o massacre do Estado sionista de Israel contra o povo palestino em Gaza. Como a maioria dos meus colegas atua em veículos de imprensa estatais, optei por preservar o nome desses profissionais.

Os jornalistas do mundo árabe avaliam com pesar a dissonância entre as ruas e os gabinetes dos governos. Há uma compreensão profunda de que a tragédia em curso não teve início no dia 7 de outubro de 2023, mas data de mais de sete décadas.

Uma colega da Jordânia, vizinha muito próxima do conflito, relata com expressão angustiada a sensação de impotência diante da complexidade da Causa Palestina.

Ela pondera que uma eventual paz duradoura passa, necessariamente, pela criação de dois estados, um de Israel e outro da Palestina - posicionamento defendido tanto pelo Brasil quanto pela China.

Outro jornalista, do Marrocos, avalia que o clamor por paz dos povos árabes esbarra nas questões comerciais dos governos que mantêm acordos com Israel.

Ele também alfineta o posicionamento chinês e russo, que para ele estão aquém da urgência exigida pela situação.

Ascensão da extrema direita no mundo

Além de jornalistas de países em desenvolvimento, há também representantes de nações do leste europeu. Conversei bastante com o colega da Eslovênia, que até arranha um português e tem amigos no Brasil.

Ele atua na capital eslovena, Liubliana, e tem um olhar afiado e em sintonia com a classe trabalhadora para as questões relacionadas à geopolítica global. Ele também defende a solução de dois estados para a questão palestina.

No que diz respeito à guerra entre Rússia e Ucrânia, ele avalia que se trata de uma guerra por procuração entre OTAN e Rússia e que no final das contas não considera prudente ter um ou outro lado. Para ele, é um sintoma das transformações em curso no mundo.

Outro tema que o jornalista esloveno, no alto de seus 2 metros e 8, mostra interesse é a ascensão da extrema direita mundo afora.

Ele me questiona e escuta atento sobre a experiência brasileira com o ex-presidente inelegível e na temporada pré-Papuda e qual a minha avaliação sobre o autointitulado libertário Javier Milei, na Argentina.

Em resposta, retransmito as informações obtidas com meus amigos argentinos: uma sandice que está adoecendo o povo argentino. Os hermanos ainda estão em choque e confusos com a ascensão do mandatário que tem como conselheiro um cachorro morto.

Durante uma conversa longa com um jornalista veterano da Argentina pude constatar um desânimo profundo e um certo derrotismo. O vizinho de continente se ressente da ausência de autocrítica dos peronistas, que para ele precisam de forma urgente se reorganizar com uma frente ampla para conter a sanha ultraneoliberal do novo presidente.

Esse colega está profundamente entristecido com o desmonte da Télam e com a inércia dos peronistas progressistas, que na visão dele precisam superar os próprios egos para lutar pela sobrevivência da nação argentina.

Ainda sobre a ascensão da extrema direita na América Latina, confesso que fiquei muito impressionada com a avaliação positiva e acrítica feita pela jornalista de El Salvador de seu presidente Nayib Bukele. A colega elogia a redução da criminalidade em seu país.

De fato, a situação de violência mudou nos últimos anos, sob o governo de Bukele. Atualmente, nove em cada dez habitantes dizem se sentir seguros na nação centro-americana. Para chegar a esses números, o líder eliminou praticamente todos os contrapesos da jovem democracia local e lançou uma enorme operação de encarceramento em massa. 

A experiência salvadorenha de combate ao crime me remete ao filme de 2002 'Minority Report', estrelado por Tom Cruise. O thriller de ação, baseado em uma história do famoso escritor de ficção científica Philip K. Dick, é ambientado em Washington D.C. em 2054, onde a polícia utiliza uma tecnologia psíquica para prender e condenar assassinos antes que cometam seus crimes. 

Mas pelo visto, a ascensão da extrema direita, ao menos pelo que pude observar entre os jovens jornalistas presentes aqui em Beijing, tem amplo apoio de profissionais dependentes de redes sociais, divorciados do pensamento crítico e seduzidos por discursos políticos sedutores e vazios, como "combate à corrupção" e "direitos humanos para humanos direitos".

Pelo andar da carruagem jornalística, em um futuro próximo não fará diferença para o conteúdo entregue profissionais de carne e osso ou de Inteligência Artificial. 

Beijinhos de Beijing.