DIÁRIO DA CHINA

Haverá um grande salto nas relações sino-brasileiras com a viagem de Lula?

Presidente brasileiro embarca esta semana para visita oficial à China; apesar de altas expectativas para avançar além da pauta comercial, até agora agenda é dominada pelo agronegócio

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Na próxima sexta-feira (24) Lula embarca para a China a convite de Xi Jinping. Há enorme expectativa nessa visita oficial para que os laços bilaterais entre o gigante da América do Sul e o titã da Ásia avancem para além da já robusta e consolidada pauta comercial. 

Eu, pessoalmente, aguardo para que, além de negócios, os dois países avancem em diálogos sobre combate à pobreza, revitalização rural, intercâmbios educacionais, parcerias culturais, acordos tecnológicos e científicos. 

Gostaria de ver avanços em conversas sobre a adesão do Brasil à Iniciativa Cinturão e Rota, a Nova Rota da Seda. Já pensou criar joint ventures para construir ferrovias e trens de alta velocidade com transferência de tecnologia? Poder reestruturar o sistema logístico brasileiro? Isso sem falar na chance de contar com a parceria dos chineses para reindustrialização nacional. 

Infelizmente eu tenho a impressão de que minhas altas expectativas para esse encontro não serão atendidas. Diante do que tenho acompanhado sobre os preparativos para essa viagem, o que pude constatar até agora é que falta assessoria qualificada para o governo Lula para assuntos relacionados à China, além de uma estratégia clara para aprofundar os laços sino-brasileiros. 

Às vésperas da viagem, ainda não há uma agenda finalizada nem o número fechado de acordos, que pode ficar entre 15 e 20. Nesse cenário meio confuso, me parece que falta coordenação. 

Ou quem sabe a agenda completa e integrada esteja sendo guardada a sete chaves para evitar algum tipo de sabotagem? Do jeito que o mundo está tenso, com uma disputa acirrada entre China, nosso maior parceiro comercial, e Estados Unidos, o segundo, não me causaria surpresa. Os próximos dias responderão.

Até aqui, o que se sabe é que os representantes do governo chinês chegaram a pedir aos organizadores brasileiros da viagem que a pauta fosse enxugada. A bagagem estava cheia demais, precisava de mais foco. 

Na última sexta-feira (17) o Itamaraty apresentou um briefing da viagem. Nenhuma novidade, respostas evasivas e um discurso desarticulado e genérico. 

Outra atitude que eu considero incompreensível da diplomacia brasileira: até hoje o governo do Brasil não parabenizou Xi Jinping por ter sido eleito pela 14ª Assembleia Popular Nacional (APN), o legislativo do país, para o terceiro mandato como presidente da República Popular da China.

O anúncio da reeleição de Xi foi feito no dia 10 de março. Nenhuma linha do Itamaraty, que justificou esse silêncio pela proximidade da viagem de Lula à China. Espero que essa explicação cole. Até porque, do outro lado, o presidente chinês enviou mensagem no primeiro horário quando Lula foi eleito para o terceiro mandato.

Eu chamo a atenção para esse detalhe porque esse tipo de atitude é algo que os chineses valorizam. Por exemplo, durante encontro de Xi Jinping e Vladimir Putin nesta segunda-feira (20), em Moscou, o líder chinês fez questão de agradecer ao colega russo o envio de mensagens quando foi reconduzido ao cargo de secretário-geral do Partido Comunista China (PCCh), em outubro, e pelo terceiro termo na presidência, há alguns dias. No encontro presencial, o russo parabenizou o colega chinês novamente.

Na semana passada, em um seminário que reuniu chineses e brasileiros em Brasília, a fala de um representante do governo federal sobre a China me deixou apreensiva. Ele afirmou que a erradicação da extrema pobreza pelo país asiático pode ser considerada um "milagre".

Milagre é o que não se pode explicar. Não é o caso da erradicação da extrema pobreza pelos chineses, que é resultado de projeto político e de trabalho, de uma rede articulada de arranjos institucionais com a qual o Brasil pode trocar muito no âmbito do combate à fome.  Aliás, trata-se, na minha humilde opinião, de um dos temas com os quais mais poderemos avançar para dar um passo adiante nas relações sino-brasileiras.

Outro fato que me deixa com o pé atrás é que, se por um lado a comitiva brasileira está lotada de agro-bolsonaristas, de outro, o Núcleo do PT na China não recebe a menor atenção nem do governo nem do PT. Esses brasileiros que trabalharam arduamente para a vitória eleitoral de Lula no ano passado não conseguem agenda, nem resposta de mensagem, nem nada. Tiveram que apelar para empresários de direita para tentar emplacar algum encontro. Se é que vão conseguir.

A gente sabia que não seria fácil e que tirar Jair Bolsonaro era o primeiro passo para um caminho longo e complicado. Só que esse cenário interno não justifica ignorar que tem muita gente compromissada com um projeto de desenvolvimento para o Brasil que conhece o potencial de uma parceria estratégica, para além das commodities, com a China. Gente que estuda e que compreende essa civilização milenar. 

Diante desse quadro eu pergunto o porquê de o governo Lula não recrutar assessores que compreendam a China e que ajudem a construir uma parceria de alto nível? Tem muita gente boa nas academias brasileiras e brasileiros radicados na China. Prefiro não citar nomes para não cometer injustiças. Eu realmente espero que essa minha avaliação esteja totalmente equivocada. 

 

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