CHINA EM FOCO

De avião à soja: O que esperar da terceira viagem de Lula à China?

Governo brasileiro ainda não fechou toda a agenda, mas embarca com ao menos 20 acordos nas áreas de comércio, investimentos, reindustrialização, transição energética, mudança climática e paz e segurança mundial

Créditos: Reprodução internet - Em 2004, jatinho da Embraer era o principal item de exportação brasileira para a China; hoje é soja e minério
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Entre os dias 26 e 31 de março o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estará na China para uma visita oficial a convite do presidente chinês Xi Jinping. Essa será a terceira viagem do mandatário brasileiro ao país asiático.

A primeira visita de Lula como presidente brasileiro à China ocorreu em 2004, quando os dois países celebraram 30 anos de estabelecimento das relações diplomáticas e o presidente chinês era Hu Jintao. Muita coisa mudou nos dois países e no mundo. 

Em 2004, o principal produto de exportação brasileiro para o mercado chinês eram os aviões a jato da Embraer. Os negócios do país asiático com a empresa brasileira começaram em meados de 2003. Naquele ano, o fabricante brasileiro iniciou a parceria com a Avic por meio da joint venture Harbin Embraer Aircraft Industry (HEAI), que ficou responsável por produzir o ERJ-145 e o Legacy 650. Durante os 13 anos em que atuou no gigante asiático, a Embraer produziu cerca de 40 aeronaves, mercado que sempre atraiu os olhos de outros fabricantes diante do grande potencial de vendas e expansão dos negócios. 

Xinhua - Lula e Hu Jintao em 2004, em Pequim

Já agora,  em 2023, o que mais exportamos para o mercado chinês é minério de ferro e soja. A China precisa dos recursos naturais brasileiros para o desenvolvimento e o Brasil precisa do mercado chinês para suas commodities. Um dos objetivos de Lula nesta primeira viagem para o hemisfério oriental no terceiro mandato é buscar mais equilíbrio nas relações comerciais com os chineses e reforçar os laços com Pequim e diversificar os produtos que exporta para o país. O Brasil quer vender mais itens industrializados, e não se concentrar somente em commodities.

Guerra da Ucrânia

Essa terceira viagem de Lula à China acontece em meio à guerra na Ucrânia iniciada há mais de um ano. O presidente brasileiro já instou o país asiático a colocar a "mão na massa" e ajudar a resolver o conflito. Ele antecipou que é um dos assuntos que planeja tratar com Xi.

O governo chinês, por sua vez, no último dia 24, publicou o plano de paz de 12 pontos para encerrar a Guerra da Ucrânia. O documento foi publicado na data em que o conflito completou um ano e apresentou o posicionamento de Pequim sobre os caminhos para a busca da paz na região. Nesta segunda-feira (20), às vésperas da chegada de Lula à capital chinesa, Xi desembarcou em Moscou a convite do presidente russo, Vladimir Putin. 

Agenda preliminar

Na sexta-feira (17), o Ministério das Relações Exteriores brasileiro apresentou um briefing da viagem presidencial desta semana. Serão celebrados pelo menos 20 acordos comerciais, informou o secretário de Ásia e Pacífico do Itamaraty, embaixador Eduardo Paes Saboia.

Em Pequim, estão previstas reuniões de Lula com Xi, com o primeiro-ministro chinês, Li Qiang, e com o presidente da Assembleia Popular Nacional, Zhao Leji. Na pauta, temas da ampla pauta bilateral, incluindo comércio, investimentos, reindustrialização, transição energética, mudança climática e paz e segurança mundial. 

Saboia informou que o número de acordos bilaterais ainda pode aumentar. Há protocolos sanitários, uma série de produtos agrícolas, acordos na área de educação, cultura, finanças, indústria, ciência e tecnologia. 

O combate à fome, uma das prioridades de Lula, é outra pauta importante da visita. A República Popular da China eliminou a extrema pobreza em plena pandemia da Covid-19. O Brasil voltou para o mapa da fome e tem mais de 30 milhões de pessoas com fome e outras mais de 100 milhões em insegurança alimentar. Há muitas trocas que os dois países podem promover nesse assunto. 

"Um dos temas da visita é o desenvolvimento que envolve também a tecnologia, mudança do clima, transição energética e o combate à fome. É um momento em que o Brasil e a China também falam para o mundo, isso também estará nos objetivos", pontuou o embaixador Eduardo Saboia.

A comitiva presidencial será composta de parlamentares, governadores, ministros de Estado e empresários. Ao longo da visita, haverá eventos empresariais, seminários e a assinatura de atos intergovernamentais.

Agronegócio em peso na China

O Itamaraty confirmou que a delegação brasileira também vai participar, em Pequim, de um seminário com a presença de aproximadamente 200 empresários brasileiros de vários setores. Somente do agronegócio, 102 empresários de diferentes áreas deste setor estão confirmados. Entre eles, os irmãos Joesley e Wesley Batista, executivos das empresas do grupo J&F – controlador da JBS. Cada empresário pagará sua própria viagem, segundo o governo federal.

Os representantes do agro vão viajar com o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, que tem a previsão de ficar durante dez dias na China, de 20 a 30 deste mês. A maior parte dos empresários, 43, é do setor de carne bovina; em seguida, há 21 de carne suína e de aves;  21 multissetoriais; cinco de algodão; cinco de insumos, quatro da área de celulose; um de óleos vegetais; um de arroz e um de reciclagem animal.

Dilma no Banco do Brics

Agência Brasil - Dilma Rousseff vai presidir o banco dos Brics

Na etapa final da viagem, no centro financeiro da China, Xangai, será realizada a posse oficial da ex-presidenta Dilma Rousseff na presidência do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), o Banco do Brics, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. 

Nesse posto, Dilma tem a chance de ampliar a inserção internacional no banco que desde 2015 teve US$ 32 bilhões em projetos aprovados e atualmente investe US$ 4 bilhões no Brasil, principalmente em rodovias e portos. 

A ex-presidenta vai encarar dois desafios: impulsionar projetos ligados ao meio ambiente e driblar o impacto geopolítico das retaliações ocidentais à Rússia, um dos sócios-fundadores do Brics.

A nova presidenta do Banco dos Brics tem um papel importante a desempenhar na pauta climática. Durante a COP-27, no Egito, a instituição assumiu o compromisso de aumentar o financiamento a projetos ambientalmente sustentáveis. 

A Guerra da Ucrânia é um empecilho complexo para Dilma à frente do NDB. Diante das sanções impostas pelos países ocidentais à Rússia, o banco está sendo impedido de emitir títulos no mercado financeiro da Europa e dos EUA. A saída será que ela achar caminhos para captar recursos fora do Brics.

Iniciativa Cinturão e Rota

Outro assunto que desperta interesse e ainda não ficou claro na agenda preliminar da viagem de Lula à China é se o Brasil vai aderir à Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, da sigla em inglês), a Nova Rota da Seda. 

A BRI já conta com a participação de de mais de três quartos dos países do mundo e 32 organizações internacionais. Entre essas nações está a nossa vizinha Argentina que, desde 2021, fechou um pacote de acordos de investimento estratégicos com os chineses. Buenos Aires aderiu à Nova Rota da Seda em 2022 e as projeções apontam que o país sul-americano receberá US$ 23 bilhões (R$ 116,2 bilhões) em investimentos do país asiático. 

Alamy - Instalação de painéis solares em uma fábrica argentina construída pela PowerChina.

Antes disso Argentina e China anunciaram a reforma do sistema ferroviário argentino, no valor de US$ 4,69 bilhões (R$ 23,7 bilhões), financiada e executada por companhias chinesas, e, investimentos vultuosos no setor elétrico.

Nos próximos dias saberemos se o presidente Lula colocará à mesa de negociações com Xi parcerias estratégicas como a que a China firmou com o Irã, com a troca de commodities (petróleo e gás) por infraestrutura e tecnologia. Ou então a formação de mais joint ventures sino-brasileiras com previsão de transferência de tecnologias para o Brasil. Será que teremos parceiras para construção de trens de alta velocidade e produção de semicondutores?

Perspectivas para a viagem desta semana

Na primeira viagem de Lula como presidente à China há quase 20 anos, os dois países firmaram projetos de cooperação nas áreas econômicas-comerciais, científico-tecnológica, social e cultural. Também foi criada a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concentração e Cooperação (Cosban) para orientar e coordenar o desenvolvimento do relacionamento entre os dois países.

No longínquo 2004, o governo brasileiro decidiu conceder à China o status de economia de mercado, sob fortes protestos do empresariado brasileiro, em particular da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Em troca de tal reconhecimento, o Brasil esperava receber o apoio chinês à candidatura brasileira a membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, o que ainda não ocorreu.

No âmbito comercial, aquela primeira ida de Lula à China rendeu frutos e, desde 2009, a China é o maior parceiro comercial do Brasil e uma das principais origens de investimentos em território brasileiro. Em 2022, a corrente de comércio atingiu recorde de US$ 150,5 bilhões. 

Agora, Lula tem o desafio de equilibrar as trocas comerciais com a China e também azeitar as plataformas que foram abandonadas pelo ex-presidente Bolsonaro. Como um acordo de livre comércio entre a China e o Mercosul, bloco econômico que engloba Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, além de países associados. O presidente brasileiro já declarou também que acredita no multilateralismo e quer fortalecer, além do Mercosul, a Unasul, a Celac e atuar pela construção de uma nova governança mundial.

A viagem à China é a terceira internacional de Lula após a posse no cargo. O presidente já foi à Argentina e aos Estados Unidos e avisou que fará um giro na sua política externa com ênfase à cooperação Sul-Sul e aos Brics. 

Nesse mundo tão diferente de 2004, Lula sinaliza que quer tirar as melhores chances diante do tsunami geopolítico que está remodelando o planeta e que tem a China como ator central, mas sem alinhamento automático. A expectativa é de resgate da diplomacia altiva e ativa que marca a história do Itamaraty com uma política externa que atue pelas melhores condições de inserção internacional e sirva para alavancar o desenvolvimento nacional.