De BERLIM | O governo da Alemanha classificou oficialmente o Alternativa para a Alemanha (AfD), partido de ligações comprovadas com ideias e grupos neonazistas, como uma organização extremista de direita que representa uma "ameaça à democracia". A decisão, tomada nesta sexta-feira (2) pelo Departamento Federal de Proteção da Constituição (BfV), permite o uso de métodos rigorosos de vigilância, como interceptação de comunicações e infiltração de informantes. A medida aprofunda o isolamento político do partido e reacende o debate sobre sua possível proibição legal.
Segundo a agência de inteligência, o AfD representa uma ameaça à ordem democrática por propagar uma visão étnico-nacionalista de povo e excluir sistematicamente imigrantes e minorias da ideia de pertencimento à sociedade alemã. A ministra do Interior, Nancy Faeser, afirmou que o partido “discrimina cidadãs e cidadãos com histórico migratório” e promove uma concepção de povo “incompatível com a dignidade humana garantida pela Constituição”.
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"A nova avaliação do Gabinete Federal para a Proteção da Constituição é clara e inequívoca: a AfD deve ser classificada como um partido extremista de direita confirmado", declarou a ministra em coletiva de imprensa.
Origens e radicalização do partido
Fundado em 2013 por economistas e acadêmicos conservadores insatisfeitos com a política da então chanceler Angela Merkel e com a gestão da crise do euro, o AfD surgiu como um partido eurocético e liberal-conservador. Nos anos seguintes, no entanto, a legenda passou por uma guinada radical. Com a crise migratória de 2015, a sigla adotou um discurso abertamente anti-imigração, xenófobo e islamofóbico, atraindo militantes de extrema direita e figuras próximas ao neonazismo.
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Já em 2017, o partido conquistou assentos no Bundestag, o parlamento alemão, pela primeira vez e passou a crescer em regiões do leste do país, onde as frustrações com a globalização e a crise econômica são mais agudas. Em 2024, o AfD venceu sua primeira eleição estadual na Turíngia – um marco inédito para uma legenda de extrema direita na Alemanha desde o fim do nazismo, e ficou em segundo lugar nas eleições nacionais de fevereiro deste ano com a candidatura de Alice Weidel ao cargo de chanceler federal.
Ligações com o neonazismo
Diversos integrantes da AfD já tiveram relações documentadas com grupos neonazistas e movimentos da extrema direita radical. A ala jovem do partido, a "Junge Alternative", foi classificada como extremista e chegou a ser dissolvida após pressões públicas. Declarações de figuras centrais do partido – como o deputado Hannes Gnauck, que foi monitorado pelo serviço secreto militar por falta de lealdade constitucional – remetem a discursos típicos do regime de Adolf Hitler.
O partido também esteve envolvido em um escândalo em janeiro de 2024, revelado pela imprensa investigativa, sobre uma reunião secreta que discutia a "remigração" de milhões de pessoas – inclusive cidadãos alemães – com histórico migratório. O termo, amplamente utilizado por neonazistas, ganhou espaço no vocabulário oficial da AfD, apesar das tentativas da liderança de suavizar seu significado.
Além disso, integrantes do partido já foram flagrados utilizando slogans proibidos por sua associação direta com o nazismo. Björn Höcke, uma das principais lideranças do AfD, por exemplo, foi denunciado pelo Ministério Público alemão em 2023 por utilizar linguajar nazista ao dizer que a política migratória do país "nada mais é que a eliminação do povo alemão", usando o slogan nazista "Alles für Deutschland" (tudo pela Alemanha). Mais recentemente houve o caso de Maximilian Krah – líder do partido que relativizou os crimes da SS, levando a legenda a ser expulsa de seu bloco no Parlamento Europeu.
A retórica de lideranças como Alice Weidel tem incluído expressões como “guerra santa nas ruas alemãs” e afirmações de que imigrantes seriam os responsáveis pela criminalidade, em uma narrativa que iguala população muçulmana a terroristas.
Efeitos práticos da nova classificação
A designação como partido extremista permite ao BfV intensificar a vigilância sobre o AfD, inclusive com métodos secretos. Integrantes podem ser impedidos de ocupar cargos públicos e o financiamento estatal do partido pode ser ameaçado. Há ainda implicações políticas: membros do AfD dificilmente conseguirão presidir comissões no parlamento, apesar do grande número de assentos conquistados.
Embora a decisão não represente um banimento imediato, pode servir de base para que o Tribunal Constitucional Federal analise a possibilidade de dissolver legalmente a legenda. De acordo com o artigo 21 da Lei Fundamental alemã, partidos que “atuam contra a ordem democrática livre” podem ser proibidos. O processo, contudo, exige iniciativa do governo ou do Parlamento e pode levar anos até uma conclusão.
Avanço eleitoral e reações políticas
A classificação do AfD como extremista ocorre no momento em que o partido vive seu auge eleitoral. Nas eleições gerais de fevereiro, sob a liderança de Alice Weidel, conquistou 20,8% dos votos e tornou-se a segunda maior força do Bundestag. Seu crescimento é atribuído, em parte, à insatisfação com a crise econômica e ao colapso da coalizão liderada por Olaf Scholz, que abriu caminho para eleições antecipadas.
Apesar da força eleitoral, a legenda permanece isolada. O bloco conservador CDU/CSU, vencedor do pleito com 28,5%, recusou qualquer negociação com o AfD e firmou uma coalizão com os sociais-democratas do SPD, que ficaram em terceiro lugar. O acordo levará Friedrich Merz à chefia do governo, preservando a tradição do Brandmauer – o cordão sanitário estabelecido para barrar a ascensão de forças antidemocráticas.
Banimento: possibilidade real, mas incerta
Diante do novo status, crescem os apelos por um processo formal de banimento do partido. Parlamentares da esquerda e setores da sociedade civil defendem a dissolução da AfD como uma medida urgente de proteção à democracia. Outros, como o próprio chanceler Merz, pedem cautela, alertando para os riscos de vitimização política e instabilidade institucional.
Juristas e especialistas divergem quanto à viabilidade legal da medida. Enquanto alguns argumentam que o comportamento reiterado do AfD já configura uma ameaça constitucional concreta, outros defendem que a simples retórica extremista não é suficiente para justificar um banimento.
Independentemente do desfecho jurídico, a classificação oficial do AfD como extremista de direita marca uma inflexão histórica. Pela primeira vez desde o pós-guerra, uma força política com relevância nacional é formalmente rotulada como inimiga da ordem democrática.