No Fórum Onze e Meia desta terça-feira (1°), o jurista Lenio Streck explicou os motivos pelos quais os projetos que pedem anistia aos golpistas de 8 de janeiro e redução de pena dos condenados são inconstitucionais. Com a aceitação da denúncia pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que tornou Jair Bolsonaro (PL) e outros sete acusados réus por tentativa de golpe de Estado, a pressão da extrema direita para a tramitação do PL da Anistia aumentou nas últimas semanas.
Nesta segunda-feira (31), o líder do Partido Liberal (PL), Sóstenes Cavalcante (RJ), disse já ter apoio suficiente na Câmara dos Deputados para aprovar o projeto de lei. Deputados do partido e outros aliados aumentaram a pressão sobre Hugo Motta (Republicanos) para que aprove a tramitação do projeto em regime de urgência. Os parlamentares desejam que o PL seja votado na semana do dia 7 de abril.
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Questionado sobre essas duas propostas para livrar os golpistas que destruíram as sedes dos Três Poderes e colaboraram para a tentativa de golpe de Estado, o jurista Lenio Streck foi firme em suas respostas ao explicar que os dois projetos são inconstitucionais. Em relação à redução das penas aplicadas pelo STF, ele destaca que "atentado contra a democracia é um atentado contra a democracia". "Então, não há pena alta", afirmou.
"E outra, a anistia é inconstitucional. A própria redução da pena é inconstitucional", relata Streck. "É uma coisa de jurisprudência, uma questão técnica, mas existe uma coisa no Direito chamada 'princípio da proibição de proteção insuficiente'. O Estado não pode punir demais, mas também não pode punir de menos", explica o jurista.
Streck ainda afirma que se diz "impressionado" com o senador Alexandre Vieira (MDB), formado em Direito, e que propôs o projeto de redução de pena. "Mas isso, de certo modo, também mostra a crise do Direito brasileiro. Ele é um senador da República, ele tem responsabilidade política", afirma Streck.
O jurista diz que a proposta de Vieira visa criar uma "espécie de atentado ao Estado Democrático de Direito Privilegiado" ou uma "espécie de princípio da insignificância no golpe de Estado". "O Brasil é patético nisso", defende Streck. "Se o parlamento fizer isso, é patético. É absolutamente ridículo esse tipo de coisa, não tem nenhum sentido", acrescenta o jurista.
Streck ainda alerta que, caso os projetos sejam aprovados, criará um problema para o STF. "Porque tudo cai no colo do Supremo. Mas se o Supremo quiser manter a Constituição e manter a coerência, manter a integridade do sistema, declara inconstitucional não só a anistia, como também o projeto que transforma atentado à democracia em crime privilegiado", diz.
Por que a anistia é inconstitucional
Em relação à inconstitucionalidade do projeto de anistia aos golpistas de 8 de janeiro, Streck explica a diferença entre o conceito da anistia em si e a proposta da extrema direita. O jurista afirma que o PL da Anistia é inconstitucional porque a Constituição tem vedações implícitas. "Existem vários precedentes no Supremo pelo qual ele reconhece que existem vedações implícitas. Necessariamente, a Constituição não precisa proibir determinada coisa. É implicitamente óbvio que está proibido. O Supremo disse isso em 2016, num processo, e, no caso Daniel Silveira, disse isso 43 vezes", afirma Streck.
"A Constituição não pode, ao mesmo tempo, estar no sistema albergando uma lei que diz que é crime grave atentar contra ela e a democracia, e ao mesmo tempo depois dizer que as pessoas que atentaram podem ficar livres com base numa anistia", explica o jurista. "Esses crimes são insustentáveis de anistia".
"Atentado à democracia e tentativa de golpe de Estado são proibidos de se dar. Aliás, na ADPF 694, este precedente está claro, inclusive num voto do Alexandre de Moraes, que diz, inclusive, por exemplo, que se alguém quisesse dar um indulto coletivo para quem participou do 8 de janeiro, isto seria inconstitucional? Não. O Supremo, no fundo, já respondeu isso. Então, para mim, não há dúvida da inconstitucionalidade disso e estou invocando o próprio Supremo", completa Streck.
O jurista ainda destaca que o Brasil seria o "único país do mundo que penaliza o crime de atentado violento ao Estado democrático de Direito e golpe de Estado, e depois cria em uma lei a figura privilegiada ou insignificante".
No entanto, ele afirma que, apesar de ter aplicado o conceito de vedações implícitas, há grandes possibilidades de o Supremo barrar "essa pataquada política que parte do parlamento quer fazer para burlar o sistema".
Possível anulação da delação de Mauro Cid
Streck também aborda a delação do ex-tenente Mauro Cid, que foi usada como base para a investigação de provas que confirmaram a trama golpista planejada por Bolsonaro e aliados. Após o julgamento no STF, políticos de extrema direita começaram a defender a anulação da delação por medo de que a decisão do Supremo e a investigação atingissem os golpistas também.
O jurista destacou, porém, que "há provas contra Bolsonaro e companhia que não dependem da delação". "A delação é meio de prova", afirma. "A delação, ela por si, não vale. Ela vale com outras coisas. Se você tirar a delação do Cid, não desaparecem os documentos e as outras coisas que foram encontradas. Abstrai a delação e vai sobrar a minuta do golpe, os encontros, tudo isso. Portanto, eu não vejo isso de forma preocupante", avalia Streck.
Confira a entrevista completa do jurista Lenio Streck ao Fórum Onze e Meia
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